Os Vereadores e as ruas. Por Luis Fernando Amstalden

Posted on 25 de fevereiro de 2015 por

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Com raras e honrosas exceções, funciona assim: devido ao nosso ultrapassado sistema eleitoral, o camarada se elege com relativamente poucos votos. Dependendo da coligação da qual faz parte, se elege na frente de outros que obtiveram mais votos do que ele. Para se ter uma ideia, em Piracicaba, com uns 277 mil eleitores, quem mais teve votos conseguiu 5 mil, alguns só dois mil. No fundo cada um se elegeu com um pequeno grupo, um pequeno número de eleitores que agora ele tem que “atender”. Só que o “atender”, dada nossa pobre cultura política, não é algo amplo, é mais um “varejo”, tal como arrumar uma vaga na escola para o filho de alguém, uma internação (coisas a que na verdade todos deveriam ter direito), providenciar o corte de mato de áreas públicas (outra coisa que seria um direito), pedir que o Executivo recapeie ruas (outra tarefa que deveria ser constante) e finalmente bajular aqueles que o elegeram e as famílias que os apoiam. Para tal bajulação vale quase tudo (em Piracicaba até levar uma criança para um concurso de beleza infantil em outra cidade, com viatura oficial, como aconteceu anos atrás), mas uma das formas mais populares é a de pedir a nomeação de ruas para homenagear alguém ligado aos eleitores. E haja bajulação. De acordo com a imprensa local, em 2014, 38% dos projetos dos vereadores piracicabanos foi para nomear logradouros. E isso tudo sem contar com as muitas moções de aplauso e emendas orçamentárias para beneficiar grupos, clubes etc. …

Agora veja só, de fato, os poderes de legislação municipal são restritos. Muitas coisas só podem ser reguladas por leis estaduais ou federais. Mesmo assim haveria algum espaço para uma atuação mais intensa, principalmente no que diz respeito à outra função de um vereador: fiscalizar o Executivo e suas ações. Mas geralmente isso pouco acontece. E por quê? Porque geralmente o vereador eleito (volto a dizer com raras e honrosas exceções), precisa, para atender ao seu “varejo” de um trânsito fácil junto ao Executivo. Precisa ser capaz de, com um telefonema, conseguir o corte de mato, o recapeamento de uma rua, o atendimento preferencial a um eleitor etc. Se ele for mais rigoroso na fiscalização, pode se tornar menos palatável para o Executivo e ter suas demandas varejistas restritas, além de, é claro, menos apoio em outros projetos. A relação dos vereadores e dos políticos com as ruas torna-se, portanto, uma relação de pedir recapeamento ou de nomear logradouros. As outras demandas e necessidades populares mais importantes, tais como o quanto se investe em saúde e educação, por exemplo, ficam em segundo plano. O “clamor das ruas”, figura de linguagem usada para ilustrar reivindicações populares, fica restrito ao “clamor por nomes e tapa buracos” o que, de resto, não “incomoda” o Executivo.

E falemos sério. Quem são estas centenas de pessoas homenageadas com ruas e locais? O que elas fizeram? Quem foram? Piracicaba tem uma rua que homenageia um general que sustentou a ditadura de Vargas, combateu a revolução constitucionalista de São Paulo e criou a “doutrina de segurança nacional”. Tem uma avenida que homenageia o golpe de 64 que inaugurou nossa última ditadura e finalmente tem muitas ruas cujos nomes são os dos antigos proprietários daquelas terras cujos filhos lotearam e venderam, mas puseram o nome de seus pais com a ajuda de vereadores.

O atual presidente da Câmara de Vereadores de Piracicaba declarou que quer uma nova relação com a população. Quer transparência e participação. Ótimo. Eu apoio integralmente. E sugiro a ele que comece convencendo seus pares a analisar com carinho o fato do Tribunal de Contas do Estado ter recusado (pela quinta vez, se não me engano) as contas do ex-prefeito da cidade. Todas as recusas tiveram como motivo a falta de investimentos obrigatórios em educação, segundo o Tribunal. Se a Câmara, no entanto, acatar as contas do ex-prefeito, acaba por aí. Conviria questionar se as contas estão realmente em falta ou se o TCE é obtuso. Este é um “buraco” a ser realmente “tapado” e um nome a ser dado. O nome de quem está de fato errado.

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