Narrar, narrar. Viver é preciso e narrar não. Opinião pouco poética e muito realista que mostra um pouco da depressão profissional deste narrador que vos fala.
Projetado à década, este texto sai com a coragem acanhada, mas como quem vomita um cancro: dia desses, me peguei excitado com a abertura do concurso da polícia federal. Pensei que deveria mudar de profissão… Quiçá um pouco mais de respeito e um pouco mais de tranquilidade. – Tranquilidade? (diria o assustado leitor). – Sim! Tranquilidade (responde este narrador auto-homicida)… O Polícia federal usa um colete preto super viril, porta uma pistola niquelada, tem portas abertas à investigação (e o trabalho é de natureza mesma que a do pesquisador: seguir pistas, alinhava emblemas e sinais, para compor um raciocínio ).
Já um professor faz o quê? Aquilo que ninguém quer fazer, ou algo que as pessoas simplesmente não valorizam porque a escola se tornou um fardo necessário, um ônus, um tributo ao currículo do trabalhador; a universidade se tornou a etapa hipócrita de uma sociedade ávida por aquilo que não existe mais: plano de carreira, estabilidade profissional. Moral da história: a educação se presta a objetivos tortuosos, a finalidades escusas. As Instituições de Ensino (fundamental, médio ou superior) se tornaram um calvário obrigatório, o pit-stop purgatório à inserção do indivíduo ao mundo do consumo (entenda a equação: indivíduo + consumo = cidadania).
Claro que não concordo com isso. Mas este é meu meio ambiente natural: quer no ensino médio, quer no superior o que temos é a perversidade de sistemas industriais de produção, bem à brasileira (corruptos, incompetentes, recalcados e antiquados), ávidos por, esteira de produção, robotizarem indivíduos com seus carimbos e formulários, com suas quadraduras carcerárias, sempre prontos à criação de um universo hipócrita onde o aluno (consumidor) quer comprar o certificado, a instituição (comerciante) quer vende-lo e o professor (pateta hercúleo) deve atrapalhar um pouco (se atrapalhar muito, é dispensado).
E não me venham defender o ensino privado. A utopia pequeno burguesa de “onde há higiene, há produtividade”. O conhecimento, em si, não é produtivo. Se a questão fosse produtividade, primeiro ensinaríamos ao jovem uma profissão, depois elaboraríamos cursos para seu aperfeiçoamento e produtividade. Dento da nefasta ótica mercadológica e produtivista, muitas das disciplinas, muitos dos cursos universitários seriam extirpados, simplesmente banidos (e fiquem tranquilos, estão sendo, como as licenciaturas, por exemplo).
Você já se perguntou porque carreiras como as de ator, de artista plástico, de músico são bem menos procuradas que as de dentista, médico ou advogado? Porque não há NADA na escola que se relacione à arte. A escola ocidental moderna se recusa à educação da sensibilidade. Pensar a arte é pensar o humano. Nossas escolas se recusam a pensar o humano como ser pleno, em suas possibilidades criativas. E não me venha com o argumento frívolo de que existem as aulas de literatura: essa disciplina tem a função de afastar o aluno da fruição, do prazer, tentando inocular no jovem a anódina pseudo-cultura das “escolas literárias”. Viva a decoreba dos estilos (como se nomear Baudelaire de romântico e Machado de realista explicasse ou servisse para alguma coisa).
O silêncio da arte é a prova fatal de que não há educação nas nossas escolas. A arte é selvagem demais para o controle kafkiano da escola. Numa sociedade em que o único direito que nos interessa é o do consumidor, a educação sólida se desmancha no ar. Os professores estamos cercados: de um lado um exército de Ladies Katie com seus mantras de “Eu tô pagando!!”, do outro os sistemas educacionais decadentes ou mesquinhos, sedentos pelo dinheiro, berram “teacher, leave the kids alone!”… sempre em nome da grande mentira do mundo contemporâneo: dignidade.
Não. Não há chance para a educação no Brasil porque confundimos democracia com comércio, escola com esteiras de produção, criação com reprodução, liberdade com mercado. Educação pressupõe a liberdade do erro, a compreensão do humano em sua funcionalidade e, principalmente, em sua não funcionalidade. Educação não é fim, é meio; não é meta é processo: pressupõe respeito (e não consumo) e liberdade (e não sistema).
Façamos, agora, um minuto de silêncio. O país morreu.
Fábio Casemiro
É poeta, Doutorando em Teoria
literária pela Unicamp, músico e
Professor Universitário
www.sonsdemodorra.blogspot.com
browniehion
19 de maio de 2012
Genial…
Jean-Louis Buffet
19 de maio de 2012
Muito bom o teu texto, Fábio. Olhar um situação de frente nunca é fácil, é preciso coragem! Dificilmente a Arte será valorizada nas escolas porque não serve ao propósito do mundo produtivo que é o de fornecer indivíduos aptos a perpetuar o sistema em que estão inseridos, nada mais que isso. O homem é muito mais do que um produtor de bens de consumo, ele não é uma máquina viva, ele é antes de tudo um ser vivo!
blogdoamstalden
19 de maio de 2012
A única coisa que posso dizer é: Bravo!
Valéria Pisauro
19 de maio de 2012
Aplausos mil!
Educar o ser humano é faze-lo pensar e isso – pode ser muito perigoso!
André Gorga
19 de maio de 2012
Fábio, parabéns. Texto instigador, esclarecedor e conciso. Com certeza falou por muitos de nós que sentem-se incomodados com o rumo que a educação tomou em nosso país e com a extrema valorização da equação “indivíduo + consumo = cidadania”, citada por você. Forte abraço!
Fernanda Morais
19 de maio de 2012
Certamente quando me deparei com o título pensei, será mais uma overdose de ironia e provocações… e estava certa!
Sinto saudades de suas aulas, que jamais foram cartesianas. Sua mania de nos atirar ao deserto com a promessa de água fresca, era o seu método de ensino. E estando todos sedentos, você nos brindava com poesia e eloquência!
Acredito que era justamente nas pequenas atitudes em sala de aula que você rompia com os paradigmas da educação, criava caos a partir da ordem!
E estando no caos, eramos tentados promiscuamente a pensar!
Matthaeus de Oliveira Gerdes.
21 de maio de 2012
Dr. Fábio, genial o texto.
Concordo também com o comentário da leitora Valéria Pisauro, que diz: “Educar o ser humano é faze-lo pensar e isso – pode ser muito perigoso”
É muito mais fácil controlar uma população sem base, educação e sem cultura suficiente para questionar o que lhes é imposto pelo governo, do que controlar uma população com um nível significante de entendimento, que seria capaz de brigar por mudanças reais.
Somos, e tendemos a ser uma população mais alienada com o passar dos anos, caso algo não mude arduamente no processo de educação desse País.
Logo penso que seremos cada dia mais, uma população que continuará vivendo na época de “A casa grande e a senzala”, pedindo a “benção do sinhô” por não termos orientação suficiente para brigarmos pelo que é nosso de direito.
fabiocasemiro
21 de maio de 2012
A todos os leitores do meu texto, muito obrigado pela leitura atenta. A você Luís, um obrigado especial: escrever junto com aquele que foi meu mestre é mais que um prazer, é uma honra: se as palavras foram coesas, elas um dia foram plantadas por você, caro amigo.
Vejam: plantio pedagógico dá resultados!! Fernanda foi minha aluna e orientanda. Sempre perspicaz, leitora astuta, historiadora de ofício: Que bom!! É pelas bordas que se devora o sistema… Já valeu a intenção da semente.
Você tem razão Fernanda: a educação é promíscua em sua constituição porque ela implica em trairmos a nós, aos nossos dogmas, sempre colocando nossos pés em terrenos pantanosos. Educar não é só falar bem, ou ter paixão, é fundir razão e sensibilidade, Apolo e Dionísio. Penso que esse é o medo da educação brasileira (por parte dos empresários da educação): selvagem, intensa e ainda assim racional, a educação é difícil de ser medida e, quando verdadeira, possui efeitos imediatos no coletivo e no indivíduo… É arriscado desejar a construção de um indivíduo pensante e pleno; prá onde ele irá? Como irá? Quais ideias levará consigo? Não será o prolongamento de seus pais?… “Ninguém ampara o cavaleiro do mundo delirante” (Murilo Mendes, no poema “Overmundo”)
Matthaeus: (Obrigado pelo “Doutor”… Mas faltam 3 anos ainda! Fico lisonjeado com seu estímulo!…rs)
Veja, concordo com você, mas vejo a questão se desenrolando ainda alguns passos adiante (ou “mais abaixo”, como dizemos no tom popular): não se trata apenas de observarmos uma inatividade do Estado frente a educação de qualidade (acho até que o poder público vem, justiça seja feita, buscando saídas); trata-se, penso, de que o brasileiro tem a educação que quer, que escolheu e, se não tomar cuidado, a que mereçe!
Os pais querem bom colégios para vangloriarem-se de seus filhos bem sucedidos (“Justus” e “Eikes” são o fetiche da classe média!), querem ter louros e glórias para competir com o casal de amigos no baile do clube… Ao mesmo tempo, os jovens estão indo para a faculdade em busca de emprego, estabilidade (e isso não é pecado ou erro), mas se esquecem de que a universidade é lugar de formação intelectual… Se o estudante não quer, não pode ou não gosta de estudar ele NÃO deve frequentar a universidade!!!
Acho, sim, que o brasileiro vem aprendendo a reivindicar. Há ainda muito que aprender, mas já começou e, vejo sim, um país melhor e mais justo apontando. Mas é chegada a hora de o brasileiro deixar de ser meramente “aventureiro” (raízes portuguesas, diria Sérgio Buarque de Holanda), inclusive na educação: é preciso compreender que o compromisso com a educação é um compromisso de alma. (Fausto, no épico de Goethe, apostou a alma dele com o diabo Mefistófeles, em nome de todo o conhecimento… Conhecimento vale uma vida; vale várias, vale a vida de um povo!)
Os pais reclamam dos professores, do Estado, dos colégios (e todos temos nossa parcela de responsabilidade: se a educação é mesmo um processo, é assim que deve ser), mas quantas vezes os pais dão o exemplo? Quantos pais têm livros em casa? Quantos livros os pais leem por ano?
SEMPRE dá tempo de ler! Eu e o Amstalden adoramos uma fila de banco!!!
Até quando o brasileiro esperará do Estado, da Escola, a formação intelectual de seus filhos? Ele DEVE tomar a frente desse processo e mostrar, já em casa, de onde vem um país!
Isso nós chamamos “Revolução”.
Obrigado, todos, pela honra de compartilhar.
Abraços.
Daniela Zotelli Monteiro
22 de maio de 2012
Fiquei com raiva de mim, e de todo o sistema…
fabiocasemiro
23 de maio de 2012
Ué? Daniela… Raiva de você? Por quê? O texto é sarcástico: ainda que aparentemente pessimista, o tom trágico engravida-se do desejo por mudança. Mudar é possível! Todos temos o país (e a educação) que escolhemos, que fazemos.
Vamos fazer diferente, vamos fazer melhor?
Quais são suas experiências?
Conte prá gente!
Abs.
Daniela Zotelli Monteiro
23 de maio de 2012
Sim sim. Percebi o sarcasmo, mas, acredito que nunca fiz algo pra poder mudar o que está no contexto… E se eu acredito que a mudança existe? Com toda “minha razão”. Eu mudei diversas coisas em mim mesma, por isso acredito na mudança!
Antes eu pensava: Ufa! Ainda bem que não tenho filhos pra passarem por isso… Eu continuo sem filhos, mas tenho um sobrinho que me encanta! E penso: O que posso eu fazer por ele agora!?!?!?!?
Bate um certo desespero, entende?