Memórias Póstumas de um educador suicida. Por Fábio Casemiro

Posted on 19 de maio de 2012 por

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Narrar, narrar. Viver é preciso e narrar não. Opinião pouco poética e muito realista que mostra um pouco da depressão profissional deste narrador que vos fala.

Projetado à década, este texto sai com a coragem acanhada, mas como quem vomita um cancro: dia desses, me peguei excitado com a abertura do concurso da polícia federal. Pensei que deveria mudar de profissão… Quiçá um pouco mais de respeito e um pouco mais de tranquilidade. – Tranquilidade? (diria o assustado leitor). – Sim! Tranquilidade (responde este narrador auto-homicida)… O Polícia federal usa um colete preto super viril, porta uma pistola niquelada, tem portas abertas à investigação (e o trabalho é de natureza mesma que a do pesquisador: seguir pistas, alinhava emblemas e sinais, para compor um raciocínio ).

Já um professor faz o quê? Aquilo que ninguém quer fazer, ou algo que as pessoas simplesmente não valorizam porque a escola se tornou um fardo necessário, um ônus, um tributo ao currículo do trabalhador; a universidade se tornou a etapa hipócrita de uma sociedade ávida por aquilo que não existe mais: plano de carreira, estabilidade profissional. Moral da história: a educação se presta a objetivos tortuosos, a finalidades escusas. As Instituições de Ensino (fundamental, médio ou superior) se tornaram um calvário obrigatório, o pit-stop purgatório à inserção do indivíduo ao mundo do consumo (entenda a equação: indivíduo + consumo = cidadania).

Claro que não concordo com isso. Mas este é meu meio ambiente natural: quer no ensino médio, quer no superior o que temos é a perversidade de sistemas industriais de produção, bem à brasileira (corruptos, incompetentes, recalcados e antiquados), ávidos por, esteira de produção, robotizarem indivíduos com seus carimbos e formulários, com suas quadraduras carcerárias, sempre prontos à criação de um universo hipócrita onde o aluno (consumidor) quer comprar o certificado, a instituição (comerciante) quer vende-lo e o professor (pateta hercúleo) deve atrapalhar um pouco (se atrapalhar muito, é dispensado).

E não me venham defender o ensino privado. A utopia pequeno burguesa de “onde há higiene, há produtividade”. O conhecimento, em si, não é produtivo. Se a questão fosse produtividade, primeiro ensinaríamos ao jovem uma profissão, depois elaboraríamos cursos para seu aperfeiçoamento e produtividade. Dento da nefasta ótica mercadológica e produtivista, muitas das disciplinas, muitos dos cursos universitários seriam extirpados, simplesmente banidos (e fiquem tranquilos, estão sendo, como as licenciaturas, por exemplo).

Você já se perguntou porque carreiras como as de ator, de artista plástico, de músico são bem menos procuradas que as de dentista, médico ou advogado? Porque não há NADA na escola que se relacione à arte. A escola ocidental moderna se recusa à educação da sensibilidade. Pensar a arte é pensar o humano. Nossas escolas se recusam a pensar o humano como ser pleno, em suas possibilidades criativas. E não me venha com o argumento frívolo de que existem as aulas de literatura: essa disciplina tem a função de afastar o aluno da fruição, do prazer, tentando inocular no jovem a anódina pseudo-cultura das “escolas literárias”. Viva a decoreba dos estilos (como se nomear Baudelaire de romântico e Machado de realista explicasse ou servisse para alguma coisa).

O silêncio da arte é a prova fatal de que não há educação nas nossas escolas. A arte é selvagem demais para o controle kafkiano da escola. Numa sociedade em que o único direito que nos interessa é o do consumidor, a educação sólida se desmancha no ar. Os professores estamos cercados: de um lado um exército de Ladies Katie com seus mantras de “Eu tô pagando!!”, do outro os sistemas educacionais decadentes ou mesquinhos, sedentos pelo dinheiro, berram “teacher, leave the kids alone!”… sempre em nome da grande mentira do mundo contemporâneo: dignidade.

Não. Não há chance para a educação no Brasil porque confundimos democracia com comércio, escola com esteiras de produção, criação com reprodução, liberdade com mercado. Educação pressupõe a liberdade do erro, a compreensão do humano em sua funcionalidade e, principalmente, em sua não funcionalidade. Educação não é fim, é meio; não é meta é processo: pressupõe respeito (e não consumo) e liberdade (e não sistema).

Façamos, agora, um minuto de silêncio. O país morreu.

                                            Fábio Casemiro

É poeta, Doutorando em Teoria

literária  pela Unicamp, músico e

Professor Universitário

www.sonsdemodorra.blogspot.com

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