O Dia e a Profissão. Por Luis Fernando Amstalden

Posted on 18 de outubro de 2012 por

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Não penso que uma pessoa deva ser glorificada por sua profissão. Claro que, curar, defender e ensinar alguém são coisas nobres. Mas nem sempre um médico, um advogado ou um professor são nobres. Aliás, nem sempre escolheram a profissão por nobreza, mas apenas por contingência ou interesse. Conheço muita gente assim. Gente que se tornou médico mais pelo status e pela renda do que por querer curar. Advogados que nunca se preocuparam com a justiça, mas com os seus honorários. E professores que na verdade não queriam ser professores (já que não dá mais status ou dinheiro) mas acabaram como tal por contingências.

Também penso que uma profissão em si não é necessariamente boa. Mengele, nazista notório, era médico e a sua medicina da eugenia e do racismo fez muito mal. Na Alemanha nazista, aliás, milhares de professores ensinaram a “supremacia da raça ariana” e desumanizaram as outras etnias a ponto de condená-las a morte. Que bem fez este magistério para a humanidade? O que sua habilidade e dedicação em ensinar, criaram nas jovens mentes que tinham a sua frente? Não, não há profissão ou profissional glorioso por definição. Existem sim, profissionais de todos os tipos que são dignos de elogios e louvor, e isso tem menos a ver com a técnica profissional do que com o caráter pessoal e o sentido que eles dão ao seu trabalho e sua vida.

Logo se penso que as profissões não são automaticamente louváveis, o mesmo penso das datas comemorativas a elas, inclusive o dia da minha profissão, o dia do professor. Devemos comemorar todos os docentes? Acho que não. Muitos não merecem e mesmo o ofício em si é relativo à maneira e ao propósito com o qual é exercido. Dependendo da maneira, ele não é louvável.

Porém sempre existem, em todos os ofícios, homens e mulheres notáveis. Aqueles que aliam o propósito, a ética e o caráter à sua profissão. Na docência também é assim. Conheci e fui aluno de professores e professoras maravilhosos. Não sei dizer se foram  maioria, uma vez que de muitos, eles se destacaram tanto que ficaram em minha memória e minha personalidade de maneira marcante. Tão marcante que os outros se apagaram ou perderam a força. Sou tentado então a dizer que bons professores e professoras que tive foram sim, maioria, não numérica, mas pela maneira que seus ensinamentos e sua atuação formaram a minha personalidade.

E quando me lembro deles, pergunto-me o que os fazia tão especiais. Era o conhecimento, sim, mas não só ele. Era a ética e o caráter também, além da capacidade de comunicar o que sabiam e seus valores. Mas ainda falta algo. É difícil encontrar um denominador comum entre tantos profissionais diferentes. Mas talvez existam dois traços em comum. Um pedagogo talvez encontre muitos mais, mas eu achei dois. O primeiro é a vontade de que o aluno “cresça”, se desenvolva. De que o aluno de, a partir do que lhe foi ensinado, um conceito, uma ideia, um fato, seja capaz de construir novas interpretações, combinações, conceitos e análises. De que seja capaz de incorporar o conceito de maneira não estática, não isenta de crítica, mas com liberdade e racionalidade para ousar, evoluir, desenvolver, mesmo que isso signifique discordar do conceito que lhe foi originalmente ensinado. Os professores marcantes que tive foram estes. Foram os que sentiram prazer em acompanhar nossa evolução e nossa autonomia. Os que sabiam que seu conhecimento não era absoluto, mas uma construção constante da qual o aluno faz parte.

A segunda característica dos docentes notáveis que tive ou conheci, está ligada à primeira. É a capacidade de “ouvir” e dialogar com o aluno. Isso não significa abrir mão de sua autoridade enquanto professor, afinal a responsabilidade por ensinar e dar o início da reflexão é dele e aceitar qualquer tolice vinda do aluno em nome de uma falsa liberdade é enganoso e comodista. O bom professor propõe o conhecimento, e não a preguiça e o egoísmo disfarçados de liberalismo. Ele dialoga, constrói seu conhecimento e sua reflexão junto com e a partir da cada classe e aluno que tem pela frente. Cria um processo de crescimento constante, tanto para si quanto para os alunos, o que é, de fato, a essência do saber: construir o saber.

Tive a honra de ser aluno de homens e mulheres assim. Que tinham prazer em assistir nosso crescimento e ao mesmo tempo sabiam nos ouvir corretamente. Mais do que me ensinar uma ciência, eles me ensinaram a ser, a pensar e a existir. Eu não sei se sou um bom professor. Não sei se ensino bem, se sei dialogar corretamente. Sinto prazer em ver meus alunos crescerem intelectualmente e moralmente, e busco construir o diálogo. As vezes chego perto, as vezes erro terrivelmente.

O que eu sei é que embora meus alunos não saibam, é que meus antigos professores “vivem” ainda através de mim, de meus atos, de meu conhecimento e de minha forma de ensinar. Se eu tiver algum sucesso, eles viverão ainda por muito tempo. Viverão pelos meus alunos e pelos alunos deles, se eles os tiverem. Esta “eternidade” frágil é a maior recompensa que um professor pode ter. E o maior agradecimento que posso fazer àqueles que me ensinaram.

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