Uma “aula” que me deram. Por Luis Fernando Amstalden

Posted on 14 de fevereiro de 2013 por

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Ando amargurado, não nego. E isso torna a gente pessimista. Claro que sei que são momentos da vida, que sei que a fase ruim passa tanto quanto a boa, mas mesmo assim, às vezes caio na armadilha de achar que nada tem jeito. Às vezes penso que um colunista de um grande jornal de São Paulo tem razão e que a “humanidade é um projeto que não deu certo”. Detesto isso, detesto esta desesperança. Mas humano que sou, de vez em quanto me sinto desanimado assim. E no desânimo vem a vontade de dizer que o mundo e os outros se danem, que vou garantir meu bem estar e só. Que não vou mais me preocupar com coisas como civilidade, educação, ética e princípios, uma vez que o mundo humano parece ser o mundo do “cada um por si”.

Na quarta feira passada eu sentia-me exatamente assim enquanto caminhava por uma rua do centro da cidade. Havia chovido um pouco, e além de meus livros e materiais de aula eu carregava um guarda chuvas. O volume de carga e o tempo úmido não estavam ajudando nada o meu humor e, dali a pouco eu tinha que lecionar. Não estava muito confiante na qualidade da aula do dia; não com aquele estado de espírito.  Um pouco a minha frente, uma jovem mãe levava um casal de crianças pelas mãos. No momento que eu os ultrapassava na caminhada, a garotinha se desgarrou das mãos da mãe e, brincando, correu para o lado sem ter me visto. Na corrida esbarrou em mim e se assustou. Assustada, olhou para minha cara e exclamou: “Que susto! Que Feio!”.

Quer saber? Ela tinha razão. Minha cara não devia estar das melhores, daí o adjetivo “feio” ser absolutamente merecido (aliás, mesmo que eu não estivesse de mau humor, “bonito” é que a garota não diria…). De qualquer modo, não foi uma atitude educada da menina. Mas, já estou acostumado a situações em que as crianças cometem algum deslize e os pais não dizem nada ou ainda riem do que os filhos fizeram ou disseram. Estou acostumado até a coisa pior; aquelas situações onde o pai ou a mãe ainda nos olham agressivamente, nos desafiando a reclamar e, “ai” se o fazemos, parece que estamos atentando contra a vida de seus filhos. Acostumado, então, continuei a caminhar e nem olhei para trás.

Dois passos, no entanto, e eu ouvi a mãe dizendo duramente  para a garota: “O que é isso? O que você falou?”. A criança justificou-se: “Ele não olha por onde anda”; ao que a mãe retrucou. “Olha o respeito, menina! E quem não olhou foi você! Não faça mais isso”.

Daí eu parei. Voltei-me e ainda vi a mãe terminando a bronca. Mas já não prestei a atenção no que ela disse. Prestei sim a atenção nesta cena cada vez mais rara. Uma mãe educando realmente a sua filha, mostrando a ela que ela é que estava errada e foi descortês. Uma mãe defendendo e ensinando valores de civilidade, de cortesia, de respeito a uma criança. Meu Deus, como tem sido difícil presenciar isto. Ainda surpreso, só consegui agradecer àquela mãe vestida simplesmente e dar-lhe os parabéns. Eu gostaria de ter dito mais, gostaria de ter lhe dito o quão importante foi aquele seu gesto. Mas isso seria desnecessário. Se ela não soubesse da importância de educar sua filha para que se torne um ser humano de verdade, não teria dado a bronca. O que eu deveria ter-lhe contado é o quão bem ela fez a mim. O quanto aquele gesto me devolveu a esperança de que o respeito e o senso de coletividade ainda existem e que, portanto, eu não deveria desesperar deles. Portanto, minha sensação de que o mundo é um “salve-se quem puder” não procede, uma vez que os valores humanos ainda estão ai, mesmo que às vezes eu não os perceba tão bem.

E não acabou nisso, sabe? Aquele foi meu dia de “sorte”. Peguei meu carro, já me sentindo bem melhor, e fui lecionar. No caminho, parei para deixar um senhor atravessar a rua levando um garotinho pela mão. Era minha preferencial, mas eu parei. No meio da rua, o senhor disse algo baixinho no ouvido da criança e esta olhou para mim, sorriu e, na dignidade de seus poucos anos, levantou sua mão e me agradeceu.

Talvez você que lê este texto o ache “piegas”. Pode até ser, mas eu precisava, e muito, daqueles pequenos gestos. Precisava ver dois adultos educando crianças e estas aprendendo a coexistência e, por isso, o relato aqui. Não sei se a aula que ministrei logo a seguir foi boa, mas eu estava cheio de confiança no que estava ensinando. E isto foi fundamental. Eu estava ensinando a disciplina de “Cidadania, Ética e Direitos Humanos” para a Guarda Municipal de Piracicaba. E ensinei, no fundo, o que aqueles adultos ensinaram a suas crianças e, de quebra, reensinaram a mim também.

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