SE DEUS É AMOR, QUEM SERÁ CONTRA?. Por Maxx Zendag

Posted on 15 de junho de 2015 por

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boticário

Nos últimos dias, o interminável embate entre Religião e Orientação Sexual ganhou novos capítulos.

Tudo começou com a campanha publicitária para o Dia dos Namorados da Boticário. Nela, aparecerem diferentes tipos de casais se presenteando: mais precisamente, um casal heterossexual, outro de homens e outro de mulheres. E só. Foi o bastante pra deflagrar uma verdadeira guerra virtual, chegando ao cúmulo da disputa de “likes” e “dislikes” do vídeo no YouTube. É nessas horas que vemos o verdadeiro significado de inclusão digital: não se trata de pessoas de todos os níveis de renda com acesso à internet e redes sociais. Na realidade, me refiro a pessoas de todos os níveis de caráter. Isso, sim, é um aspecto relevante. A ignorância, o preconceito, o ódio existem em todas as camadas sociais.

Agora, um novo episódio aqueceu a polêmica: durante a Parada do Orgulho LGBT, uma transexual representou o próprio Jesus Cristo crucificado. Foi o estopim para o início de uma nova discussão, nos parâmetros de respeito e educação que a rede social permite. Para os cristãos, foi um prato cheio. Eles, que estão sempre à caça de fatos de refirmem seus argumentos de que “homem com homem não é algo normal”, “Deus criou o homem e a mulher”, “Deus condena o homem que se deita com outro homem” etc, encontraram um prato cheio para evidenciar os rótulos impostos à dita sociedade LGBT: devassos, promíscuos, e outros adjetivos correlatos. Como se fosse preciso esperar um acontecimento desses para taxar essa minoria “reprimida” da sociedade.

A cada ano que passa, a Parada Gay vem demonstrando uma verdadeira inclinação aos escândalos, e se afasta cada vez mais do propósito para o qual, penso seu, teria sido concebida. Muita música, dança, pegação e drogas; pouco debate, reivindicações, luta por igualdade. Aliás, discordo até mesmo do nome da parada. Por que “Orgulho LGBT”? Não vejo razão para dizer que tenho orgulho de ser gay. Tenho, sim, orgulho pelo ser humano que sou, e por saber me fazer respeitar pelas pessoas. O fato de eu ser casado com um rapaz não deveria ser, para as pessoas, tão relevante quanto o fato daquela sua melhor amiga ser casada com um homem de 50. É diferente, mas é normal. Por que é tão difícil entender isso? Ainda assim, as pessoas sempre vão “olhar torto” para a mocinha casada com o tiozinho, ou para o cara bonito casado com aquela mulher feia. Nessa sociedade que julga a tudo e todos, não poderia deixar de ser diferente com os casais gays, por exemplo. Até porque há um peso enorme das religiões, que historicamente, sempre influenciaram no que as pessoas devem fazer e pensar. Interessante como, em praticamente todas elas, os seguidores se preocupam mais em apontar os outros do que em seguir fielmente os próprios preceitos em que dizem acreditar. Sem contar que, com a forma como vem sendo conduzida a Parada do Orgulho, essas minorias só estão conseguindo perder o respeito pelo qual tanto afirmam lutar. Isso só envergonha os homossexuais, que, como eu, apenas querem ser aceitos como pessoas nesse mundo.

Não concordo com o uso do símbolo maior do cristianismo como forma de protesto. Quando digo que não concordo, não significa que condeno. Apenas acho desnecessário. Transmitir a mensagem de que a Igreja é quem mais persegue a comunidade LGBT é uma ideia válida. Mais que isso, necessária. Mas não haveria outros meios de se demonstrar isso? Porque não se fantasiaram de Marco Feliciano (que é, atualmente, a maior podridão homofóbica presente no país), ou mesmo de Papa, ou de pastor Silas Malafaia com um livro na mão e uma sacolinha de dinheiro na outra? É possível, sim, lutar pelos direitos sem se expor ao ridículo – e não me refiro unicamente à transexual crucifiada, mas a todos os que, com atos libidinosos e vis, envergonham a verdadeira comunidade LGBT, aquela que só quer ter o direito de uma vida normal em sociedade. É curioso que, se alguém aparecesse na Parada fantasiado de Buda ou Ganesha, ninguém faria essa celeuma toda. E sabe por que? Não somos um país laico.

O Brasil é, historicamente, dominado pelo catolicismo. Isso devemos aos jesuítas, que ao chegarem nessas terras obrigaram os índios a acreditar em algo que não condizia com a cultura e crença deles. Hoje, o aglomerado de Igrejas Evangélicas e afins, que se multiplica no país, disputa esse mercado competitivo. Em jogo não está apenas “arrebanhar fiéis” e apresentar-lhes a “palavra”. Há muito mais em jogo. Falo de dinheiro e poder. Da mesma forma, não vivemos em uma cidade laica. Piracicaba não comemora nem esmo o seu próprio aniversário. Desde a década de 50, o primeiro de agosto não é feriado municipal. Em seu lugar, temos o Dia do Padroeiro da cidade, em 13 de junho. Já tentaram, em vão derrubar essa data. Mas quem disse que a Igreja deixou? Aliás, nem mesmo a Casa de Leis tem sua influência católica: só para ilustrar isso, em 2012, um servidor público foi expulso por se recusar a ficar em pé durante a leitura da Bíblia. Então a cidade é de todos? Vamos criar um Feriado Municipal para os evangélicos, e também para os budistas, umbandistas e por aí vai.

A Igreja fomenta o preconceito. Mas a Parada também é excludente, ao referir-se à comunidade LGBT como se fosse formada por pessoas privilegiadas por serem diferentes. É tão excludente quanto um sistema de cotas baseado na cor da pele, em vez da real situação social. Mas não vamos confundir as coisas. Criticar comportamentos inadequados (independentemente da orientação sexual) não é o mesmo que ser homofóbico. Por outro lado, não se pode generalizar e dizer que “todo gay é assim”.

“Diz a Bíblia” que o homem deve procriar. E obviamente casais homossexuais não podem. Além disso, algumas correntes religiosas vão além e atribuem ao homossexualismo a proliferação da AIDS e outra doenças venéreas. Pois é sempre bom se informar. O principal fator de risco de um indivíduo, que o expõe à contaminação por esse tipo de doença, é a prática de sexo promíscuo e sem proteção. Isso independe da orientação sexual. Ninguém ouviu falar de alguma esposa que pegou HIV do próprio marido? É uma doença bem democrática, não escolhe idade, gênero ou classe social. Ela escolhe indivíduos com um determinado perfil comportamental.

Se você acha mesmo que Deus condena os gays porque não podem procriar, o que me diz da gravidez não planejada? Será que o seu Deus se alegra ao ver aquele casal, que mal tem o que comer, dividir sua vida miserável com mais 5 filhos? Antes de caçar clichês em sua mente politicamente correta, permita-se raciocinar friamente: um homem ganha 800 reais ao mês, e sustenta a si e à esposa, que ganha semelhante quantia. Então ela engravida, tira a licença maternidade e, posteriormente, retorna ao trabalho. Mas vem a segunda, a terceira, resumindo… Lá está ela, com cinco filhos pequenos, sem possibilidade de trabalhar porque não conseguiu creche em tempo integral para todos eles, e então temos apenas o marido dela ganhando 900 reais mensais (alguns anos se passaram, daí o reajuste). Em pouco mais de cinco anos, essa família passou de uma renda per capita de 800 para menos de 130 reais! E onde está a culpa? No governo ou no (mal) planejamento familiar? Esse exemplo ilustra como a “procriação” desenfreada também pode ceifar muitas vidas. Quantas crianças não morrem, a cada ano, seja de fome, ou perdidas nas drogas e criminalidade? Enquanto isso, alguns casais gays lutam por anos na justiça pelo direito de adotar uma dessas crianças que os casais “normais aos olhos do Pai” rejeitaram, ou sequer tiveram condições de criar.

A Igreja faz uso de hipocrisia ao argumentar que é a favor da vida e da família. Mas historicamente perseguiu e queimou pessoas, e ainda hoje perseguem, mas de forma mais sutil, no discurso que manipula a mente das pessoas, na exclusão, na velha estratégia de marketing que é “se você está conosco, está com Deus”. Pois eu, sinceramente, duvido.

Deus é amor. E esse amor não é o que você quer que ele seja. É o amor, puro e sincero, em todas as suas formas. O homossexual não é um sujeito que tem uma atração louca por alguém do mesmo sexo. É, sim, um indivíduo que cria laços de afeto, carinho, respeito, companheirismo e fidelidade com alguém, e por sua natureza esse alguém não é do sexo oposto. Deus me criou como eu sou. Eu peço coisas a Ele, agradeço, procuro tornar-me uma pessoa melhor. O que está errado no mundo não é aceitar o que é diferente do padrão estabelecido. O que falta é enxergar que o amor tem muitas formas.

Lamentavelmente, as religiões, em sua maioria, não caminham lado a lado com o amor ao próximo. Ela é a maior criadora de guerras, seja entre pequenos grupos, tribos, ideologias e nações. Por isso, a Igreja, essa que me julga, rotula, exclui e me manda para o inferno, não me representa. Tampouco Marco Feliciano ou esses pastores pop. E a Parada Gay também não. O Boticário, sim, me representa. Aqueles 30 segundos podem ser a semente de algo maior: uma nova maneira da Comunidade LGBT gritar para o mundo, sem trio elétrico, fantasias e orgias:

“Nós somos assim, e vamos continuar a ser! Deus nos ama, porque assim ele nos criou!”

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