Nasceu no interior de Minas, na zona rural de uma cidade pequena. Trabalhava na roça com a família e estudou percorrendo quilômetros de ônibus para a escola e, quando o transporte falhava, o que era frequente, ia a pé. É inteligente e escreve acima da média. Está em Piracicaba há alguns anos, casou-se e veio com o marido. Ambos trabalham pesado e sonham com uma casa própria.
Conversávamos no balcão da farmácia onde ela me atendia e, depois de um comentário sobre o asfalto ruim, ela me perguntou: “quem paga tudo isso? O asfalto, a rua, tudo!”. Pego de surpresa, respondi de imediato que éramos nós, eu, ela e todas as outras pessoas, através dos impostos. Desta vez ela se surpreendeu. Negou, já que não paga imposto de renda. Paga sim, expliquei. Paga indiretamente: ICMS, IPI, IPTU tantos outros “I’s” Veio então a descoberta: “quer dizer que não são os políticos que dão estas coisas para a gente!?”.
Não, não são eles. Mas infelizmente é o que a nossa população acredita: as obras públicas e talvez tudo o mais que seja público, é “bondade” e “doação” dos políticos. E, se esta garota, a quem podemos classificar como uma “vencedora” (pelo menos em relação a maioria das pessoas da região dela) acredita nisto, imagine o restante da nossa população que não “chegou lá”.
Mas o que dizer de novo? Milton Santos e Sérgio Buarque de Holanda, para citar só dois, já disseram tudo. Ainda somos um país muito parecido com o Brasil Colônia e com o Brasil Império, nos quais a grande massa da população nunca soube o que era cidadania. Para tantos milhões, ontem e hoje, o “público é privado”. A eles e talvez a todos nós, só resta “mendigar” um posto de saúde, um saneamento básico, uma escola, que serão “privatizados” por políticos que reivindicarão a “paternidade” da obra e não farão esforço para explicar que aquilo é um direito do eleitor, que pagou por isso, e não um privilégio.
Talvez a única novidade é que temos uma geração nova de “senhores coloniais”. Alguns deles vem, inclusive, das classes mais baixas, mas reproduzem os velhos costumes da elite antiga (que diga-se de passagem, também continua por aí). Ainda aumentamos os quadros, criamos um imenso exército de “chefetes” neste Brasil afora, vereadores, prefeitos, deputados estaduais e federais que constituem uma cadeia de interesses próprios e alimentam o mito de seu poder individual, de seu apadrinhamento. Que estabelecem suas redes de influência e de favores independentemente de um projeto político, um projeto social ou um projeto de desenvolvimento. O que importa é a manutenção do poder e das suas velhas estruturas. Neste ponto temos que reconhecer: nossos quadros políticos são muito eficientes. As velhas estruturas estão firmes nos seus lugares e o povo continua a não saber que tem direito ao bem público.
O pior de tudo, no entanto, é que não se trata somente de manter o poder através da crença de que os benefícios públicos são um favor. O pior mesmo é que, uma vez aceita a ideia de que são eles os donos do poder e não o povo que lhes confere o mandato, então o “comércio” do voto fica literalmente escandaloso. No exato momento em que escrevo, no país todo a campanha eleitoral já começou. Enquanto você lê este artigo, votos estão sendo trocados por tijolos, camisas de time de futebol de várzea, dentaduras e muitos, muitos pagamentos de contas de luz atrasadas. Vagas em hospitais públicos estão sendo dadas àqueles que vão aos escritórios políticos pedir por elas e as filas dos doentes andam para trás. Empregos, “fantasmas” ou não, estão sendo concedidos e, numa esfera maior, entre os mais poderosos, obras estão sendo prometidas e acordadas com empresas e empreiteiras em troca de dinheiro para a campanha política.
Aquela atendente não sabe, mas tanto ela quanto eu e a esmagadora maioria de nosso povo, continua na “senzala” a espera de que o “sinhô” nos brinde com alguma coisa. Qualquer coisa: uma fruta, uma muda de roupa ou um asfalto que, na verdade, fomos nós que pagamos.
Posted on 23 de abril de 2012 por blogdoamstalden
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