No último dia 22 de março, comemorou-se o “Dia Internacional da Água”. Dentre as muitas matérias que foram vinculadas na mídia, uma nos bombardeou aparecendo na internet, na televisão e em meios impressos: a notícia de que o ator Leonardo DiCaprio toma somente dois banhos por semana para economizar a água do planeta. Lembrei imediatamente que a sua ex-namorada, Gisele Büdchen, também declarou no passado que “fazia xixi no banho para economizar água” (menos mal, ela pelo menos toma banho). Ao ler as notícias e depois de conseguir parar de rir, comecei a pensar na questão.
Não sei até que ponto a notícia foi “plantada” como um golpe de publicidade, mas seja como for, é de uma tolice impressionante. Ocorre que Leonardo é um homem rico, tem vários carros e pelo menos duas mansões (cada uma delas com piscina o que consome muita água). Seu padrão de consumo é alto em termos de moda e objetos de arte. Ele está plenamente inserido na sociedade de hiper consumo que vivemos. O mesmo pode se dizer de sua ex-namorada brasileira, que tem inclusive casas aqui no Brasil. Ora, cada hábito de hiper consumo, cada compra de objetos descartáveis, cada casa construída utilizam milhares de litros de água. Para se ter uma ideia, uma calça jeans consome 15 mil litros de água para sua fabricação, desde o algodão até a lavagem final. Um quilo de papel usa 324 litros somente na sua transformação de celulose em papel branco e um carro utiliza 35 mil litros na sua montagem e lavagem final, sem contar o que foi usado para fabricar o aço, as tintas e cada peça.
A lista não para por aí. Poderíamos levantar o gasto de líquido para cada um dos itens de consumo que atualmente parecem se tornar o único objetivo da vida: celulares, computadores, televisões, outros tipos de roupa, alimentos industrializados e uma infinidade de outros itens. Se fizermos este cálculo veremos uma questão clara: o grande problema não é o seu consumo individual, mas o consumo coletivo de uma sociedade que produz em massa para descartar em massa.
Mas como abrir mão de tantos produtos industrializados? Precisamos destes objetos afinal de contas. Creio que o caminho para a resposta está em outro foco. Não se trata necessariamente de abrir mão de todos os produtos, mas de alguns sim. O quanto realmente você precisa de alguns objetos que tem em casa? Qual o uso real que você faz deles? Por outro lado, temos a questão da durabilidade. A indústria seria plenamente capaz de fabricar produtos mais duráveis, mas não o faz e isso é proposital. Se você compra um celular que dura muito, levará tempo para comprar outro. Assim é preciso, para a indústria, diminuir o tempo de vida útil daquele produto, seja porque ele quebra ou porque sai de moda, e este é outro problema sério. A moda nada mais é do que uma criação de marketing (pelo menos em 90% dos casos) para que você troque um produto por outro.
Assim a cada momento de sua vida, você está involuntariamente consumindo e desperdiçando milhares de litros de água e este desperdício não é decidido dentro de sua casa, mas fora dela, na lógica brutal de um sistema econômico que nem de longe pensa na sustentabilidade. O curioso e trágico neste processo é que esta responsabilidade social não aparece na mídia, mas o banho do Leonardo e o xixi da Gisele aparecem. Não poderia ser diferente? Vincular o absurdo de desperdício da sociedade de hiper consumo coloca a mesma em questão, fazendo as pessoas pensarem e, quem sabe, começarem a mudar seus hábitos de consumo e mesmo questionarem a durabilidade do que compram. Mas isso não é interessante para um sistema que pede que você economize papel para secar as mãos mas gasta milhões de toneladas do mesmo material em propaganda que você mal lê.
Claro que tudo isso não significa que você está liberado para deixar suas torneiras abertas. Temos que ter responsabilidade com o uso doméstico sim, mas também temos que cobrar a mesma responsabilidade de todos, principalmente das grandes corporações que acabam com os recursos naturais. O banho do Leonardo e o xixi da Gisele, independente dos seus hábitos verdadeiros, não fazem diferença na crise dos recursos naturais, mas o estilo de vida mais amplo deles e nosso faz.
Mariana Senzi
5 de maio de 2012
Luis, gostei muito do texto! Isso me fez retomar um texto que li do Boaventura de Sousa Santos (“Pela mão de Alice”) sobre o excessivo consumo e hipermercadorização nos dias de hoje … Continue escrevendo…. Muito bom! Abraço, Mariana
blogdoamstalden
5 de maio de 2012
Mariana, você poderia mandar as referências completas deste texto? Parece ótimo. E muito obrigado pelo elogio e pelo seu comentário. Aguardo colaborações suas e do Fábio. Abraço.
Marina Machado
8 de maio de 2012
Oi Luis, esse seu texto encaixa em muita coisa que tenho visto aqui no México sobre o consumo exagerado de tudo e para todos. A gente não consegue, ainda, se desvencilhar de muitas coisas. Tento aqui, reciclar tudo o que posso, reutilizar e principalmente, mostrar para os meus pequenos que as coisas que eles encontram na casa dos amigos, supermercados e pelas ruas não são necessárias, são supérfluas demais, inclusive. O México também não é um país que recicla muito. Acredito que ainda precisam de quilómetros de gente trabalhando nisso. Mas infelizmente o foco dos governos, infelizmente, é tão distante do que as pessoas realmente precisam para viver.
Realmente as pessoas se equivocam ao pensar no pouco de água que economizam com algumas atitudes. Tem uma bola de neve enorme atrás de tudo isso.
Só pra ilustrar: tem um morador do bairro aqui que deve ter uns 8 carros na garagem e os seus motoristas (sim, alguns) lavam os carros – TODOS – toda semana! Fico doida da vida! É a mentalidade do: “Posso pagar, posso gastar”.
Adorei o blog, vou tentar ler todos os posts.
Um abraço.
blogdoamstalden
8 de maio de 2012
Marina. Que bom ter notícias suas! Estive no México no final da década de 90. Já naquela época eu vi parte do que você diz. De um lado uma grande deterioração ambiental e do outro, novos ricos gastando quantias enormes em recursos e dinheiro. Também vi pessoas pobres vivendo em meio a uma qualidade ambiental péssima e, mesmo assim, consumindo o que talvez não devessem, até pelo equilíbrio do seu orçamento doméstico. Mas aqui não é diferente, não?
E você toca no ponto nevrálgico quando cita a mentalidade do “Posso pagar, posso gastar”. O problema é: a sociedade de hiperconsumo, na qual nossa economia está baseada hoje, é sustentável? Os ricos podem pagar, mas se não houver o que comprar, como água e recursos naturais, o dinheiro não valerá nada. A crise ambiental afeta a todos. É só uma questão de tempo. Precisamos escrever mais sobre isso, discutir mais sobre isso. Que bom que você está ensinando seus filhos de maneira diferente. Mas vamos continuar o assunto. Mais para a frente, quero retomar isto do hiperconsumo e da sustentabilidade, inclusive com algumas dicas de livros e documentários legais.
E, o que você acha de, eventualmente, escrever alguma coisa para postar aqui? Seriam muito interessantes as suas observações sobre o México e o mundo. Ta aí um foco novo. Dá pra pensar numa categoria nova do Blog. Brasileiros no exterior escrevendo suas observações sobre o que vivem. Que tal?