Anos atrás, eu tomava um café no balcão de uma lanchonete e lia um livro. De repente escureceu. De um momento para o outro, me vi cercado por dezenas de pessoas. Um pouco assustado, reconheci repórteres, câmeras de televisão, políticos, funcionários públicos, secretários municipais, prefeito e um sem número de outros passantes. O engraçado é que todos estavam ao redor, mas não no balcão. Mantinham uma distância razoável e, agitados, não sabiam se iam ou ficavam.
Pensei que tinha acontecido alguma coisa. O número de policiais era grande e fiquei olhando para ver onde era o assalto. Foi então que a única pessoa que havia se acercado do balcão me cumprimentou. Tratava-se do governador Geraldo Alckmin, ainda no seu primeiro mandado, que visitava a cidade. Muito gentil, puxou conversa e perguntou o que eu lia. Trocamos duas ou três palavras sobre livros e ele passou a conversar com a atendente. Eu terminara o café e saí. Até então, nada de mais. Um homem publico, na rua, mostra-se gentil com o cidadão este responde da mesma forma. São as normas da civilidade. O curioso veio depois.
Ao sair da lanchonete tive que atravessar a multidão. Acabei sendo cumprimentado efusivamente por deputados, secretários municipais, além de um delegado de polícia, um comandante de polícia militar e outros passantes. Algumas destas pessoas eu até conhecia, outras, como ao governador, conhecia somente da mídia. No entanto nunca, mesmo os que eu conhecia, haviam sido tão gentis. Creio que, se tivesse durado um pouco mais o momento, eu teria sido entrevistado como “autoridade”. Minha façanha? Tomara café ao lado do governador e falara com ele…
Na rua, continuei acompanhando a cena. Creio que foi a primeira vez que eu via tão de perto um espetáculo de bajulação como aquele. Todo o mundo sorrindo e querendo apertar a mão do governador, os políticos e subalternos cumprimentando todos os passantes. Uma “festa” na qual pude ouvir claramente os pedidos de favores correndo soltos. Uma conta de luz atrasada, uma casa para terminar, um empreguinho…
Claro que tal “espetáculo de beija a mão” não é fenômeno novo nem exclusivo. Na História e no Mundo, isso se repete e perpetua e os motivos são muitos e variados, inclusive a vaidade humana e a busca de benefícios pessoais. Mas no caso do Brasil, penso que temos, também, outra explicação.
Aqui nunca desenvolvemos uma noção plena de cidadania. Ao contrário fomos e em grande parte ainda somos, uma sociedade em que o povo e o poder estão muito distantes. Veja a nossa História. Todos os movimentos populares, que se opuseram a estrutura de dominação colonial ou oligárquica foram duramente sufocados. O Quilombo dos Palmares, a Balaiada, a Conjuração Baiana, a Revolta da Vacina, exemplificam os movimentos populares que foram reprimidos a ferro e fogo. Independência, República, República Nova, Ditaduras de Getúlio e dos Militares, ao contrário foram os movimentos vitoriosos que, no máximo, trocaram as elites, mas mantiveram os regimes elitistas.
Diante de tantas derrotas e com tamanha distância do poder, o povo aprendeu a “estratégia da bajulação”, do privilégio, do “jeitinho”. O “escravo” e o homem pobre não têm direitos, conseguem favores. Daí a “euforia” na presença de um homem público. É a oportunidade de pedir a “benção do sinhô”. A oportunidade para aqueles que não gozam de direitos demonstrarem sua docilidade diante dos poderosos em busca de seu favor. Não vemos os políticos como nossos delegados, nossos representantes, mas como nossos senhores. A escravidão “terminou” em 13 de maio de 1888, mas a Casa Grande e a Senzala vivem dentro de nós.
Diego Pereira
10 de maio de 2012
Olá Grande Mestre, Estava lendo o jornal quando me deparei com esse artigo, de inicío sem prestar muita atenção pensei, essas palavras me são conhecidas. Não precisei chegar até o final para afirmar que o texto era do Prof. Fernando, logo percebi que tinha o endereço do blog e como sempre não posso deixar de acompanhar seu trabalho. Um forte abraço.
blogdoamstalden
10 de maio de 2012
Diego, se as palavras são conhecidas então é sinal de que vc. prestou a atenção nas minhas aulas. Rsrsrsrs. Fico feliz, afinal é isso que um professor quer, que os alunos prestem a atenção. Agora se o que eu digo tem qualidade é você quem vai julgar. Muito obrigado, meu amigo. E um grande abraço.
Patrícia Polacow
10 de maio de 2012
É que o Pai dos Pobres nunca morreu. Nem o Sinhô.
Esta foto é do Mateus Medeiros: http://fotografandoondeopeixepara.files.wordpress.com/2012/02/dsc_5748.jpg Ele era fotógrafo do JP, agora está no Sindicato dos Metalúrgicos.
bjão
Patrícia Polacow
blogdoamstalden
10 de maio de 2012
Patrícia, gostei da foto, muito mesmo. Será que vc. não pergunta ao Mateus se ele permite a publicação? Obrigado e beijão.
Matthaeus de Oliveira Gerdes.
10 de maio de 2012
Professor, Boa Tarde!
Muito Bom o texto “A Casa Grande e a Senzala” postado pelo senhor. Terminando com a frase – “A escravidão “terminou” em 13 de maio de 1888, mas a Casa Grande e a Senzala vivem dentro de nós.”, retrata a risca os nossos dias atuais.
Quando o senhor cita que “nunca desenvolvemos uma noção plena de cidadania” acredito que isso aconteça em grande parte pelo desinteresse da juventude de hoje pela maioria dos assuntos que envolvem nosso país, pois amanha nós seremos o futuro e essa falta de interesse (de exercer a cidadania) cairá sobre nós. Aprendemos pela história que o que é feito em e com “massa” geralmente surte efeito e isso falta aqui.
Pelo que aprendi com meus pais, o principio, idéias e opiniões começam a ser criadas desde o alicerce, ou seja, desde pequeno. Esse desinteresse se evidencia principalmente nos assuntos relacionados a todos esses escândalos políticos que temos presenciado.
Querendo ou não, colocamos essas pessoas aonde estão para que governassem por nós e brigassem por NOSSOS direitos mas infelizmente, na esmagadora maioria das vezes não é isso que acontece.
Se temos o “poder” para colocar tais pessoas onde estão, temos um “poder” maior ainda para retirá-las, e o desinteresse citado acima se mostra evidente ai, pois dificilmente vejo jovens nas ruas, na mídia, na imprensa ou em qualquer meio de comunicação e expressão expondo suas idéias ou fazendo algo que possa de fato mudar esse país.
Mudando um pouco de assunto, qual sua posição com relação a resposta enviada pelo Thame ?
blogdoamstalden
10 de maio de 2012
Matthaeus. Obrigado pelos seus comentários. De fato a apatia é um grande problema e, infelizmente, não é um problema só do Brasil. No nosso caso temos a herança colonial a que me referi, mas ainda temos outros fatores, como uma tendência generalizada ao individualismo. Mais para frente quero retomar este tema da apatia. Quanto ao texto do Dep. Thame, devo responder e expôr meus argumentos ainda neste final de semana. O tempo anda meio curto. Obrigado por comentar e fique a vontade para sugerir, criticar, postar e comentar. Abração.
Anônimo
10 de maio de 2012
Luis, achei muito bom este texto quando li. O título não poderia ser melhor. Acredito que você respondeu muito bem à minha pergunta, sobre o posicionamento apático das pessoas (brasileiras) acerca dos problemas e situações que as rodeiam, em um outro post. O curioso é que estas mesmas pessoas que reclamam “veneram seus opressores” em oportunidades semelhantes.
blogdoamstalden
10 de maio de 2012
Anna. Ainda vou discutir mais estes temas, principalmente o da apatia e a modernidade líquida, como chama Baumman. Que bom que vc. gostou. Muito Obrigado pelo comentário. Beijo.
Marcos Vinhas
12 de maio de 2012
Professor, quando o senhor me dizia durante as aulas do ano passado que não sabiamos escrever, nunca pensei que ante a critica estava um redator, parebens pelo blog, quanto ao texto excelente crônica, meus parabéns.
Anônimo
13 de maio de 2012
Obrigado Marcos. Mas sou um professor mesmo, não um redator. Se você se lembra de tudo, eu dizia também que não saber escrever não era culpa de vocês, mas uma condição na qual toda a sua geração se encontra. Porém isso pode ser revertido lendo. Você pelo jeito já está fazendo isso. Muito bom. Abraço.
Anônimo
16 de maio de 2012
Muito bom, um fato, uma historia vista pela otica do social interesse…
HamiltonCipriano