A Casa Grande e a Senzala. Por Luis Fernando Amstalden

Posted on 10 de maio de 2012 por

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Anos atrás, eu tomava um café no balcão de uma lanchonete e lia um livro. De repente escureceu. De um momento para o outro, me vi cercado por dezenas de pessoas. Um pouco assustado, reconheci repórteres, câmeras de televisão, políticos, funcionários públicos, secretários municipais, prefeito e um sem número de outros passantes. O engraçado é que todos estavam ao redor, mas não no balcão. Mantinham uma distância razoável e, agitados, não sabiam se iam ou ficavam.

Pensei que tinha acontecido alguma coisa. O número de policiais era grande e  fiquei olhando para ver onde era o assalto. Foi então que a única pessoa que havia se acercado do balcão me cumprimentou. Tratava-se do governador Geraldo Alckmin, ainda no seu primeiro mandado, que visitava a cidade. Muito gentil, puxou conversa e perguntou o que eu lia. Trocamos duas ou três palavras sobre livros e ele passou a conversar com a atendente. Eu terminara o café e saí. Até então, nada de mais. Um homem publico, na rua, mostra-se gentil com o cidadão este responde da mesma forma. São as normas da civilidade. O curioso veio depois.

Ao sair da lanchonete tive que atravessar a multidão. Acabei sendo cumprimentado efusivamente por deputados, secretários municipais, além de um delegado de polícia, um comandante de polícia militar e outros passantes. Algumas destas pessoas eu até conhecia, outras, como ao governador, conhecia somente da mídia. No entanto nunca, mesmo os que eu conhecia, haviam sido tão gentis. Creio que, se tivesse durado um pouco mais o momento, eu teria sido entrevistado como “autoridade”. Minha façanha? Tomara café ao lado do governador e falara com ele…

Na rua, continuei acompanhando a cena. Creio que foi a primeira vez que eu via tão de perto um espetáculo de bajulação como aquele. Todo o mundo sorrindo e querendo apertar a mão do governador, os políticos e subalternos cumprimentando todos os passantes. Uma “festa” na qual pude ouvir claramente os pedidos de favores correndo soltos. Uma conta de luz atrasada, uma casa para terminar, um empreguinho…

Claro que tal “espetáculo de beija a mão” não é fenômeno novo nem exclusivo. Na História e no Mundo, isso se repete e perpetua e os motivos são muitos e variados, inclusive a vaidade humana e a busca de benefícios pessoais. Mas no caso do Brasil, penso que temos, também, outra explicação.

Aqui nunca desenvolvemos uma noção plena de cidadania. Ao contrário fomos e em grande parte ainda somos, uma sociedade em que o povo e o poder estão muito distantes. Veja a nossa História. Todos os movimentos populares, que se opuseram a estrutura de dominação colonial ou oligárquica foram duramente sufocados. O Quilombo dos Palmares, a Balaiada, a Conjuração Baiana, a Revolta da Vacina, exemplificam os movimentos populares que foram reprimidos a ferro e fogo. Independência, República, República Nova, Ditaduras de Getúlio e dos Militares, ao contrário foram os movimentos vitoriosos que, no máximo, trocaram as elites, mas mantiveram os regimes elitistas.

Diante de tantas derrotas e com tamanha distância do poder, o povo aprendeu a “estratégia da bajulação”, do privilégio, do “jeitinho”. O “escravo” e o homem pobre não têm direitos, conseguem favores. Daí a “euforia”  na presença de um homem público. É a oportunidade de pedir a “benção do sinhô”. A oportunidade para aqueles que não gozam de direitos demonstrarem sua docilidade diante dos poderosos em busca de seu favor. Não vemos os políticos como nossos delegados, nossos representantes, mas como nossos senhores. A escravidão “terminou” em 13 de maio de 1888, mas a Casa Grande e a Senzala vivem dentro de nós.

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