As recentes ameaças de morte feitas a Madalena, eleita vereadora no dia 7 de outubro em Piracicaba, suscita um novo debate sobre a homofobia (ou seria transfobia?) e sobre identidade de gênero entre os piracicabanos.
No domingo, 14 de outubro, antes das ameaças serem divulgadas, jornais da cidade publicaram matéria em que Madalena pedia: “Em respeito à Câmara, me chamem de Luis Antonio”. Li com muita tristeza essa declaração, pois conheço Madalena há muitos anos e desde minha adolescência, muito antes de entrar para o Movimento Social LGBT (lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais) sempre admirei o fato de minha cidade respeitar o nome social e a identidade de gênero da conhecida e popular Madalena.
Confesso que, quando li, a primeira coisa que me veio à cabeça foi: respeito à Câmara? E também uma certa indignação. Uma Câmara Municipal que nunca respeitou a laicidade do estado, fazendo até hoje leituras de trechos da Bíblia no início de todas as sessões, o que, mesmo sendo católico e temente a Deus, me dá o direito de questionar a inconstitucionalidade desta atitude, pois o estado é laico e espaços públicos de órgãos governamentais devem governar para todos, e não privilegiar quaisquer religiões. Uma Câmara de vereadores que não respeita as cidadãs e cidadãos do município quando seu presidente chama de “vagabundos” e “drogados” manifestantes do Reaja Piracicaba, que tem seu direito garantido pela constituição de se manifestar, indignados com o aumento imoral de 66% do salário dos atuais vereadores. Uma Câmara que se recusou a discutir e colocar em pauta para aprovação, desde 2008, um projeto de lei municipal anti- discriminatória apresentado pela ONG Casvi (Centro de Apoio e Solidariedade à Vida). para a simples coibição e punição administrativa da homofobia em Piracicaba, uma vez que a criminalização da mesma depende de aprovação do Senado federal para inclusão no Código Penal.
Esse respeito à Câmara clamado por Madalena pode ser traduzido em medo, subserviência, ou até mesmo receio de sofrer transfobia antes mesmo de assumir. Madalena é e sempre será a Madalena, ficando o nome Luis Antonio Leite apenas como seu nome de batismo, grafado na certidão de nascimento.
Muitos me perguntam se Madalena é uma travesti, se é uma transexual ou se é um homossexual, alguns já se referiram a ela até mesmo como “uma homossexual”. A identidade de gênero é formada ao longo da vida através da imagem física, de como a pessoa é tratada e, principalmente, de como ela se sente. Nesse sentir é que reside a dúvida de como a identidade pode ser construída, já que o sentir é individual, portanto único.
É preciso esclarecer que as travestis aproximam seu corpo a formas femininas através de roupas, adereços e alterações físicas, aplicação de silicone, aderem a hormônio terapia, etc. Já as pessoas transexuais, não se identificam com seu sexo biológico, identificam-se com o sexo oposto, embora dotadas de genitália externa e interna de um único sexo. No Brasil, desde 2008, as pessoas transexuais tem garantido pelo SUS o direito de realizar a cirurgia de adequação sexual, reivindicação antiga do movimento e reforçada na 1ª Conferência Nacional LGBT, convocada pelo governo federal em junho de 2008.
Madalena não é uma travesti, madalena não é uma pessoa transexual. Se pensarmos na orientação sexual (e não opção!), Luis Antonio Leite é homossexual. Se pensarmos na identidade de gênero, podemos dizer que Madalena é uma pessoa transgênero, pois sua expressão de gênero não corresponde ao papel social atribuído ao gênero designado para ela no nascimento. Mais recentemente o termo também tem sido utilizado para definir pessoas que estão constantemente em trânsito entre um gênero e outro. O prefixo trans significa “além de”, “através de”.
Não tenho nenhuma dúvida que Madalena vem sofrendo ameaças por preconceito, por homofobia, pois além de homossexual, transgênero, Madalena é negra, pobre, nasceu e vive na periferia. Se para alguns o motivo das ameaças é político, para mim também, pois quando assumimos nossa orientação sexual e nossa verdadeira identidade de gênero numa sociedade machista, homofóbica, racista e ainda bastante conservadora como a piracicabana, estamos praticando um ato político, um ato de cidadania. Toda discussão sobre diferentes identidades e sobre a forma como vivenciamos a nossa sexualidade, além de cultural e social, é política.
Prefiro continuar chamando Madalena simplesmente de Madalena. A Madalena, guerreira, corajosa, ousada e solidária que sempre conhecemos. A Madalena que assumirá o mandato na Câmara de vereadores em janeiro. Tem todo o apoio da ONG Casvi e, pelo que vimos até agora, felizmente, de muitas pessoas, instituições e diversos setores da sociedade que apóiam a luta contra a homofobia em Piracicaba.
Anselmo Figueiredo é jornalista, coordenador geral da ONG Casvi, responsável pela organização da Parada LGBT de Piracicaba, filiada ao Fórum Paulista LGBT e a ABGLT (Associação Brasileira de Gays, Lésbicas, Bissexuais, Travestis e Transexuais).
heloisa angeli
2 de novembro de 2012
Parabenizo o autor do texto por ter usado termos absolutamente corretos e esclarecedores, aos leitores, ao se referir às questões de gênero.
Eduardo Stella
3 de novembro de 2012
Eu também … luisão não é legal .. é simplesmente madá!