Carta Aberta à Madalena. Por Luis Fernando Amstalden

Posted on 8 de novembro de 2012 por

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Prezada Madalena.

Não nos conhecemos se não de nos cruzarmos nas ruas e nos cumprimentarmos, como você geralmente cumprimenta ou brinca com a maioria das pessoas. Mas isso agora não importa. Dirijo-me a você como um cidadão que se dirige a um candidato eleito e que a partir do dia primeiro de janeiro, irá me representar.

Em primeiro lugar, quero lhe das os parabéns pela sua vitória. Sua eleição é fruto de um longo trabalho no seu bairro e, depois de mais de uma candidatura, você chegou lá. Parabéns novamente.

Em segundo lugar, quero congratulá-la pela sua humildade. Li nos jornais sua declaração de que quer aprender como as coisas funcionam na Câmara. Gostei de ler isso. Seria muito bom se outros eleitos pela primeira vez, neste país todo, tivessem a mesma atitude de declarar que “precisam aprender”. Infelizmente poucos o fazem. A maioria vai entrar lá meio inebriada pelo poder e acabará por não fazer nada de relevante ou pior, acabará por entrar nos esquemas de “rebanho”, votando de acordo com a “orientação” dos colegas mais “experientes” ou dos prefeitos. Isso é uma pena, sabe? Eles serão apenas a continuidade de políticas anteriores e muitas destas são clientelistas e corruptas. Tenho, no entanto, a esperança de que você aprenderá direito e fará uma vereança diferente. E esta esperança não é “bajulação”. Ela está baseada no fato de que você é uma pessoa inteligente e corajosa.

Como eu sei disso sem nos conhecermos? Simples: alguém que assume uma orientação sexual diferente e se veste de acordo com ela num país ainda tão preconceituoso, é corajosa. Imagino que na sua vida não faltaram agressões, desprezo e discriminações. E você está aí, do mesmo jeito, enfrentando, inclusive estas últimas estúpidas ameaças. Logo coragem não lhe falta. Não lhe falta inteligência também. Sobreviver e se manter apesar de todas as dificuldades que citei acima, exige também inteligência. Só coragem não basta. Baseado nesta avaliação, penso que você tem condições de aprender a ser uma excelente representante do povo.

Aliás, exatamente pelas dificuldades que imagino que você enfrentou, tenho ainda outra esperança. A de que você não deixe de ser alguém do povo e que legisle para o povo. No passado, vi outros candidatos serem eleitos. Alguns de etnias africanas, como você, outros de origem humilde, trabalhadora, da mesma forma que você também. Eu tive esperança neles. Tive esperança de que seriam diferentes. De que defenderiam o povo e que ajudariam a mudar este nosso país de nepotismo, corrupção, desprezo pelos pobres e bajulação dos ricos. Infelizmente a maioria me decepcionou. Tornaram-se nada mais do que oportunistas, clientelistas que, ao invés de ajudar a combater a miséria e a discriminação, passaram a viver delas. Passaram a alimentar o clientelismo, doando até tábuas para a formação de novas favelas que serão seus currais eleitorais. Empregaram suas famílias ilegitimamente e distribuem pequenos favores aqui e acolá que não erradicam a pobreza e a ignorância, mas a fortalecem. Para gente assim, que nos amargura profundamente, o mandato político não é um instrumento de transformação da sociedade, mas uma forma de enriquecer as custas do que prometeram mudar. É tão simplesmente uma profissão que não deve mudar nada, caso contrário eles se arriscam a não “subir de vida”.

Eu espero que você seja diferente. Espero que sua inteligência, coragem e que a sua bagagem de experiência, a mantenham junto ao povo, exercendo o que é o papel de um político honesto: a criação de leis que realmente favoreçam o povo e a fiscalização do Poder Executivo e do dinheiro deste mesmo povo. Espero que sua luta para ter o direito de ser o que é, a tenham preparado para as malandragens que poderá vir a enfrentar na política.

Por último, eu lhe desejo boa sorte. Ultimamente o poder público anda cheio de “santarrões” que pensam que existe um Deus de castigo e deveres somente. Um Deus que não é dado a acolher os que pensam diferente e não é o Deus de compaixão, tolerância e amor. Acreditam num Deus que exige pessoas em pé, mas não necessariamente corações atentos. Temo que fariseus assim não sejam verdadeiramente receptivos a sua orientação sexual e possam lhe sorrir pela frente e denegri-lo de longe.

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