Nós e os Títulos. Por Luis Fernando Amstalden

Posted on 4 de abril de 2013 por

17



"Doutor e Meretíssimo" Nicolau dos Santos. Ex juiz preso por desvio milionário

“Doutor e Meretíssimo” Nicolau dos Santos. Ex juiz preso por desvio milionário

Aconteceu novamente por estes dias. Entreguei um cartão de visitas a uma pessoa com quem eu conversava, para que ela tivesse meu email. Ao olhar para o cartão (que geralmente uso para fins acadêmicos também), a pessoa exclamou: ”Você é doutor!?”, “É, sou…” respondi. “E porque você não usa o título?” tornou meu interlocutor. Bem, na verdade eu uso para o que ele serve, para atestar, nas universidades e faculdades, que eu cursei o doutorado e defendi uma tese, logo sou considerado, pela academia, um pesquisador apto, um doutor. Uso também quando preciso assinar algum documento em que seja necessária a comprovação de que sei do que estou falando. Se a pergunta se referia a isso, a eu usar o título para provar meu grau e meu conhecimento, então, sim, eu uso. Mas será que foi isso que o rapaz quis dizer?

Creio que não. Creio que o que ele se referia é ao fato, tão comum e tão tolo, de algumas pessoas fazerem questão de serem chamadas de “doutor” pelos outros, particularmente por aqueles de condição social e cultural inferior. Você conhece o caso, é aquele tipo de gente que gosta que sua empregada doméstica ou o frentista do posto o chame assim. Mas tem também aqueles profissionais que querem ser chamados de doutores, muito embora jamais tenham passado por uma pós-graduação. É o caso de advogados, dentistas e médicos e as vezes até outros profissionais de saúde como fisioterapeutas e farmacêuticos que colocam em seus talões de cheques, em placas em seus consultórios e escritórios e até na placa de sua residência (já vi isso mais de uma vez) a abreviação “Dr(a)”. Claro que médicos, dentistas e advogados, para não falar de outros profissionais, têm mérito por haverem estudado. Mas doutor não é um título honorífico (a não ser quando recebido “in honoris causa”) e sim um título acadêmico. Logo, um bom médico ou um bom advogado deve ser respeitado pelo que ele é, um bom profissional (se for, claro) e não por um título a que não faça jus e, falemos francamente, nem necessita, se não for um pesquisador.

Aliás, por que as pessoas gostam de ser chamadas assim? O doutorado lhe dá algum caráter? Vou lhes dizer, tendo passado a maior parte de minha vida em ambientes universitários, posso garantir que o título não significa nada além de uma especialização profissional. Para ser franco, conheço vários canalhas que têm doutorado. Alguns ascenderam na profissão exatamente por isso: tem o título, mas não têm caráter, e passaram por cima de colegas, alunos, funcionários e quem quer que fosse para subir. São apenas canalhas e não merecem respeito algum.

Você que lê este texto, pode-se perguntar então para que eu cursei o doutorado e se eu não tenho nenhum apreço pelo meu título. Fiz o doutorado para saber mais, para evoluir intelectualmente e profissionalmente e sim, tenho orgulho do meu título que foi conquistado duramente numa universidade pública de renome. Mas é exatamente por saber mais que eu devo ter a lucidez de entender que o título não me torna um ser humano melhor. Ao contrário, pode me tornar um arrogante se eu não tomar cuidado.

E falando em respeito e caráter, podemos pensar em outros títulos que são usados como honoríficos por garbosos parlamentares e políticos. É o caso dos adjetivos “nobre” e “excelência”, que ouvimos o tempo todo dentro do Congresso Federal, das Assembleias Estaduais e das Câmaras Municipais. Excelência que dizer alguém excelente, acima do normal. Oras, nossos deputados, senadores e vereadores realmente são “excelências”? Talvez um ou outro sejam dignos do título de “representantes do povo”, mas excelências? Penso que se houver algum assim, é exceção e não regra. “Nobre” tampouco me parece adequado para se referir a um político. A não ser que o adjetivo seja usado no sentido antigo, de “nobre” como membro da nobreza, a elite do absolutismo que oprimia as classes inferiores. Neste caso sim, penso que o título é adequado à maioria dos políticos. `

Nobreza, excelência e outros títulos honoríficos não significam nada sem caráter, sem bondade e sabedoria. E estas características não estão necessariamente entre os mais cultos, os doutores e os poderosos. Na maioria das vezes encontramos a verdadeira nobreza naquela pessoa humilde, que tendo pouco materialmente e culturalmente, encontra sempre uma boa palavra e uma boa atitude para com o seu próximo e para com todas as formas de vida. O resto é pura vaidade.

Posted in: Artigos