Aconteceu novamente por estes dias. Entreguei um cartão de visitas a uma pessoa com quem eu conversava, para que ela tivesse meu email. Ao olhar para o cartão (que geralmente uso para fins acadêmicos também), a pessoa exclamou: ”Você é doutor!?”, “É, sou…” respondi. “E porque você não usa o título?” tornou meu interlocutor. Bem, na verdade eu uso para o que ele serve, para atestar, nas universidades e faculdades, que eu cursei o doutorado e defendi uma tese, logo sou considerado, pela academia, um pesquisador apto, um doutor. Uso também quando preciso assinar algum documento em que seja necessária a comprovação de que sei do que estou falando. Se a pergunta se referia a isso, a eu usar o título para provar meu grau e meu conhecimento, então, sim, eu uso. Mas será que foi isso que o rapaz quis dizer?
Creio que não. Creio que o que ele se referia é ao fato, tão comum e tão tolo, de algumas pessoas fazerem questão de serem chamadas de “doutor” pelos outros, particularmente por aqueles de condição social e cultural inferior. Você conhece o caso, é aquele tipo de gente que gosta que sua empregada doméstica ou o frentista do posto o chame assim. Mas tem também aqueles profissionais que querem ser chamados de doutores, muito embora jamais tenham passado por uma pós-graduação. É o caso de advogados, dentistas e médicos e as vezes até outros profissionais de saúde como fisioterapeutas e farmacêuticos que colocam em seus talões de cheques, em placas em seus consultórios e escritórios e até na placa de sua residência (já vi isso mais de uma vez) a abreviação “Dr(a)”. Claro que médicos, dentistas e advogados, para não falar de outros profissionais, têm mérito por haverem estudado. Mas doutor não é um título honorífico (a não ser quando recebido “in honoris causa”) e sim um título acadêmico. Logo, um bom médico ou um bom advogado deve ser respeitado pelo que ele é, um bom profissional (se for, claro) e não por um título a que não faça jus e, falemos francamente, nem necessita, se não for um pesquisador.
Aliás, por que as pessoas gostam de ser chamadas assim? O doutorado lhe dá algum caráter? Vou lhes dizer, tendo passado a maior parte de minha vida em ambientes universitários, posso garantir que o título não significa nada além de uma especialização profissional. Para ser franco, conheço vários canalhas que têm doutorado. Alguns ascenderam na profissão exatamente por isso: tem o título, mas não têm caráter, e passaram por cima de colegas, alunos, funcionários e quem quer que fosse para subir. São apenas canalhas e não merecem respeito algum.
Você que lê este texto, pode-se perguntar então para que eu cursei o doutorado e se eu não tenho nenhum apreço pelo meu título. Fiz o doutorado para saber mais, para evoluir intelectualmente e profissionalmente e sim, tenho orgulho do meu título que foi conquistado duramente numa universidade pública de renome. Mas é exatamente por saber mais que eu devo ter a lucidez de entender que o título não me torna um ser humano melhor. Ao contrário, pode me tornar um arrogante se eu não tomar cuidado.
E falando em respeito e caráter, podemos pensar em outros títulos que são usados como honoríficos por garbosos parlamentares e políticos. É o caso dos adjetivos “nobre” e “excelência”, que ouvimos o tempo todo dentro do Congresso Federal, das Assembleias Estaduais e das Câmaras Municipais. Excelência que dizer alguém excelente, acima do normal. Oras, nossos deputados, senadores e vereadores realmente são “excelências”? Talvez um ou outro sejam dignos do título de “representantes do povo”, mas excelências? Penso que se houver algum assim, é exceção e não regra. “Nobre” tampouco me parece adequado para se referir a um político. A não ser que o adjetivo seja usado no sentido antigo, de “nobre” como membro da nobreza, a elite do absolutismo que oprimia as classes inferiores. Neste caso sim, penso que o título é adequado à maioria dos políticos. `
Nobreza, excelência e outros títulos honoríficos não significam nada sem caráter, sem bondade e sabedoria. E estas características não estão necessariamente entre os mais cultos, os doutores e os poderosos. Na maioria das vezes encontramos a verdadeira nobreza naquela pessoa humilde, que tendo pouco materialmente e culturalmente, encontra sempre uma boa palavra e uma boa atitude para com o seu próximo e para com todas as formas de vida. O resto é pura vaidade.
Joffre Oliveira
4 de abril de 2013
Sem palavras para comentar apenas agradeço o compartilhamento brilhante das suas idéias e pontos de vista sempre tão conscientes e no caso em questão, pertinentes.
Abraço.
blogdoamstalden
7 de abril de 2013
Muito obrigado, meu Amigo.
andregorga
4 de abril de 2013
Vaidade, vaidade, vaidade….é tudo vaidade.
blogdoamstalden
7 de abril de 2013
Diz o pregador…
Valéria Pisauro
4 de abril de 2013
Parabéns, pela postagem, Dr.!!!!!!!!!
blogdoamstalden
7 de abril de 2013
Ah, Valéria, agora todo mundo vai me chamar de Dr. só pra sacanear… kkkkkkk Abração.
Evandro
5 de abril de 2013
Brilhantismo no texto. Sinto-me contemplado.
blogdoamstalden
7 de abril de 2013
Muito obrigado, Evandro.
Alexandre Diniz
6 de abril de 2013
TODOS os meus professores na Universidade, que possuem doutorado, dispensam serem chamados de “doutores”. A maior parte dos advogados que eu conheço desejam ser chamados de doutores. Isso seria uma inveja da parte deles?
blogdoamstalden
7 de abril de 2013
Vc. precisa ver a mensagem que recebi de um advogado. Ele estava indignado, mas tentou não demonstrar. Rsrsrsrsrs
Carlos Alberto Zem
6 de abril de 2013
Excelente texto, principalmente em parte que faço destaque: “Mas é exatamente por saber mais que eu devo ter a lucidez de entender que o título não me torna um ser humano melhor. Ao contrário, pode me tornar um arrogante se eu não tomar cuidado.” Sempre observei que os melhores professores que tive jamais fizeram questão de serem chamados de “doutor” e eram excelentes pesquisadores. Outros, porém, pareciam ter necessidade da expressão do título como forma de visibilidade. Coisas de nossa cultura.
Anônimo
6 de abril de 2013
Texto na medida. Sem tirar e nem acrescentar. Duro é ver o bajulamento de jornalistas (?) chamando políticos de doutor. Doutor Barjas, doutor Gabriel, doutor Paulo… Maluf.
Tenha dó.
blogdoamstalden
7 de abril de 2013
Sabe o que é pior? Ver o Lula apertando a mão do “doutor” Paulo Maluf…
blogdoamstalden
7 de abril de 2013
Ainda bem, meu amigo, que a cultura é algo dinâmico e muda. Tomara que mude para melhor. Grato pelo comentário. Abraço.
Anônimo
8 de abril de 2013
Muito bom o texto. Parabéns!!!
Marina Machado
9 de abril de 2013
Luis, aqui no México todo mundo assina com seu “devido” título: Ingeniero Santos, Licenciada Montero, Doctor Ramirez e assim vai.
Anônimo
11 de abril de 2013
Perfeito! Parabéns!