I. DEFINIÇÃO:
Nas décadas 1960 e 1970 a arte expande suas fronteiras mudando completamente suas regras, dando abertura para o surgimento de uma nova relação entre o corpo e o artista, tornando-se impossível, desde então, pensar a arte apenas com categorias como pintura ou escultura. As novas orientações artísticas, apesar de distintas, partilham um espírito comum: cada qual a seu modo relacionava arte às coisas do mundo, à natureza, à realidade urbana e ao mundo da tecnologia e desafiava as classificações habituais, colocando em questão o caráter das representações artísticas e a própria definição de arte, aBody Art ou Arte do Corpo.
Até esse momento o corpo era tido apenas como objeto de representação, com o surgimento da Body Art o corpo passa a ser visto como meio de expressão e/ou matéria para a realização dos trabalhos, associando-se frequentemente a happenings e performances e sendo submetidas as mais diversas experimentações.
Não se trata de produzir novas representações sobre o corpo – encontráveis no decorrer de toda a história da arte, mas de tomar o corpo como suporte para realizar intervenções, de modo geral, associadas à violência, à dor e ao esforço físico.
O sangue, o suor, o esperma, a saliva e outros fluidos corpóreos mobilizados nos trabalhos interpelam a materialidade do corpo, que se apresenta como suporte para cenas e gestos que tomam por vezes a forma de rituais e sacrifícios. Tatuagens, ferimentos, atos repetidos, deformações,travestimentos são feitos ora em local privado e sua comunicação com o público se dá através de documentação (e divulgados por meio de filmes ou fotografias), ora em público, o que indica o caráter frequentemente teatral da arte do corpo. Bruce Nauman (1941) exprime o espírito motivador dos trabalhos, quando afirma, em 1970: “Quero usar o meu corpo como material e manipulá-lo“.
Nesse período alguns artistas se despiam, outros se lambuzavam de tinta, outros se deixavam manipular de maneira irrestrita pelo público. Outros ainda, elevando ao máximo a radicalidade que para muitos é um sinônimo de Body Art,comiam vidro, se cortavam, bebiam sangue, e até levavam tiros no museu. Certamente, proposições extremas como estas não poderiam ter sido recebidas com indiferença na época em que foram realizadas.
Suas origens encontram referências na premissa de Marcel Duchamp em que “tudo pode ser usado como uma obra de arte“, inclusive o corpo. Além de Duchamp, podem ser considerados precursores da BodyArt o francês Yves Klein, que usava corpos femininos como “pincéis vivos”.
Foto: Yves Klein em uma de suas exibições de Body Art. Ele utilizou uma técnica que designou de “Antropometria” na qual usava modelos nus cobertos de tinta azul que se deslocavam sobre a tela formando a imagem.
Pode ser citado, por exemplo, entre muitos outros, o RubbingPiece, 1970, encenado em Nova York, por VitoAcconci (1940), em que o artista esfrega o próprio braço até produzir uma ferida.
O espectador pode atuar não apenas de forma passiva, mas também como voyeur ou agente interativo. Assim, as obras de BodyArt, como criações conceituais, são um convite à reflexão.
Na arte dos anos 1960-70, a lista de “forças perigosas” a serem combatidas era ampla. Protestava-se contra os mais diversos assuntos: guerras, torturas violência, repreensão, censura, alienação, puritanismo, materialismo, capitalismo, machismo, e o que mais fosse necessário denunciar e modificar. Dessa forma, as experiências realizadas pela BodyArt devem ser compreendidas como uma vertente da arte contemporânea em oposição a um mercado internacionalizado e técnico e também relacionado a novos atores sociais (negros, mulheres, homossexuais e outros). Além de retomar também as experiências pioneiras dos surrealistas e dadaístas de uso do corpo do artista como matéria da obra.
II. CARACTERÍSTICAS:
- Na utópica Body Art, a intervenção sobre o corpo colocava-se, ao menos na visão de certos artistas e teóricos – como uma maneira eficaz de empreender a critica aos “males” da sociedade;
- Era mais do que arte era uma forma de protesto;
- A investida violenta contra o corpo, bem como a transgressão de normas sociais e a quebra de tabus visavam chocar o expectador, retirando-o de um estado de passividade e indiferença;
- A questão era despertar a consciência do individuo, tanto frente à arte, quanto à vida, nesse processo o artista assumia muitas vezes a guia ou messias cuja atuação traria a salvação do homem.
- As relações entre arte e vida cotidiana, o rompimento das barreiras entre arte e não-arte, e a importância decisiva do espectador como parte integrante do trabalho constituem pontos centrais para parte considerável das vertentes contemporâneas.
- Reedita ainda certas práticas utilizadas por sociedades “primitivas”, como pinturas corporais, tatuagens e inscrições diversas sobre o corpo.
- A BodyArt filia-se a uma subjetividade romântica, que coloca o acento no artista: sua personalidade, biografia e ato criador.
- Utilização seus corpos e de terceiros em suas criações gerando verdadeiras “esculturas vivas”, eles desejavam transmitir que transformaram sua própria vida em arte;
- Crítica à arte (questionamento a classificações, estilos e a própria definição do que é arte e quem deve decidir o que ela é);
- Relacionar a arte ao nosso cotidiano, chegando a clamar em Escultura cantante: “Jamais deixaremos de posar para vocês, Arte”;
- Tudo pela arte (utilizando muitas vezes dor, mutilações e bizarrices param se provar isso);
- Uso de várias técnicas (pintura, tatuagens, danças etc.).
- Reconhecer a capacidade de comunicação do corpo humano, enquanto veículo portador de ideias e de atitudes, explorando de forma direta e livre de preconceitos de gênero e de sexualidade, fortemente influenciado pela cultura do corpo, da nudez, da comunicação corporal e da liberdade sexual, que marcaram os inícios dos anos 60.
III. BODY ART E A RELAÇÃO COM O TEATRO:
A performance,art performance ou performance artística é uma modalidade de manifestação artística interdisciplinar que pode combinar teatro, música, poesia ou vídeo. É característica da segunda metade do século XX, mas suas origens estão ligadas aos movimentos de vanguarda (dadaísmo, futurismo, Bauhaus, etc) do início do século passado.Difere do happening por ser mais cuidadosamente elaborada e não envolver necessariamente a participação dos espectadores. Em geral, segue um “roteiro” previamente definido, podendo ser reproduzida em outros momentos ou locais. É realizada para uma platéia quase sempre restrita ou mesmo ausente e, assim, depende de registros – através de fotografias, vídeos e/ou memoriais descritivos – para se tornar conhecida do público.
A performance foi introduzida durante a decada de 1960, pelo grupo Fluxus e, muito especialmente, através das obras de Joseph Beuys. Numa de suas performances, Beuys passou horas sozinho na Galeria Schmela, em Düsseldorf, com o rosto coberto de mel e folhas de ouro, carregando nos braços uma lebre morta, a quem comentava detalhes sobre as obras expostas.Em alguns momentos, as performances de outros artistas tiveram ligação direta com as obras de Body Art, especialmente através dos Ativistas de Viena, no final da década de 1960.
Segundo o poeta e artista plástico Jean Jacques Lebel, o happening “é arte plástica, mas sua natureza não é exclusivamente pictórica, é também cinematográfica, poética, teatral, alucinatória, social-dramática, musical, política, erótica e psicoquímica. Não se dirige unicamente aos olhos do observador, mas a todos os seus sentidos“.
O happening (ou acontecimento) diferencia-se da performance pela fundamental participação do público, o que gera um caráter de imprevisibilidade. No que se refere à performance, ela é mais cuidadosamente elaborada e pode ou não ter a participação dos espectadores. Neste último caso, aperformance pode ser registrada e documentada em fotografia e/ou vídeo – e este ser o produto do trabalho a ser exibido.
O termo happening foi utilizado como modalidade artística pela primeira vez, em 1959, pelo artista Allan Kaprow. Outros artistas importantes são Claes Oldenburg e o compositor John Cage.
A performance como modalidade artística surgiu na década de 1960, com o grupo Fluxus. Um artista muito importante deste grupo foi o alemão Joseph Beuys
Naperformance“Eu amo a América e a América me ama”, Beuys ficou por três dias sob um feltro em uma sala com um coiote. O coiote é um pequeno lobo, considerado como um símbolo mágico por alguns povos indígenas norte-americanos. O contato que o artista tenta estabelecer com o animal pode levar a diversas interpretações e pensamentos, como, por exemplo, a invasão das terras indígenas e o extermínio dessas populações versus a ideia de “América, a terra das oportunidades”…
Em alguns casos, as performances ligadas à Body Art se tornaram sensoriais ou até masoquistas. Chris Burden rastejou sobre um piso coberto com cacos de vidro, levou tiros e foi crucificado sobre um automóvel.
IV. ARTISTAS:
Algumas das criações mais perturbadoras da BodyArt foram realizadas durante as rebeliões estudantis e os protestos pelos direitos civis relacionados à Guerra do Vietnã e a Watergate, nos anos 60 e 70. Contra um pano de fundo de atrocidade e corrupção, enfatizado pelos meios de comunicação americanos, Acconci, Dennis Oppenhein e Chris Burden criaram obras dolorosas, que implicavam no abuso de si mesmos, com subtextos masoquistas. Outras linhas semelhantes aconteceram na Europa envolvendo até automutilação e dor ritualizada.
Os trabalhos de John Coplans em 1984 com o uso de retratos fotográficos do corpo nu envelhecido em crítica à sociedade em que a juventude equivale à beleza valem a pena ser comentados. Além disso, podemos comentar também o uso de novas tecnologias como o da palestina Mona Hatoum na obra Corpo estrangeiro, no qual a artista faz uma viagem endoscópica através de seu próprio corpo.
Ainda hoje, a Body Art, a arte corporal dos anos 1960-70 sobrevive de algum modo no presente por meio da produção de artistas como GINA PANE e LA NEGRA, mantendo questões como a exposição do corpo mortificado e o desejo de chocar o expectador, através de seus atos, criando uma sensação de desconforto.
Suscitando um misto de atração e repulsa, e operando na contramão do ideal clássico de arte, a Body Art, apesar do contexto cultural atual em nossa sociedade ser bastante diferente das décadas de 60 e 70, continua provando e convidando o expectador a novas reflexões.
No Brasil, parece difícil localizar trabalhos e artistas que se acomodem com tranquilidade sob o rótulo. De qualquer modo, é possível lembrar as obras de Lygia Clark (1920-1988) que se debruçam sobre experiências sensoriais e tácteis, como A Casa é o Corpo (1968) e alguns trabalhos de Antonio Manuel (1947) e Hudinilson Jr. (1957).
1. KIM JOON
O artista coreano KIM JOON usa-se das mais variadas cores para pintar corpos. E vai mais além: agrupa corpos masculinos ou femininos entrelaçados em posições sensuais sobre os quais desenha padrões contínuos que os fundem numa massa corporal única, subjugados pelo desenho e pela cor.
Apesar de seu estilo denunciar um cunho visualmente oriental, JOON não se limita aos costumeiros dragões e serpentes. Ao invés, qualquer material lhe serve como padrão pictórico, sejam motivos florais, logótipos de marcas comerciais ou comics do Superman, cujo potencial gráfico é enorme e é inteligentemente explorado pelo artista.
Valéria Pisauro é Professora de Literatura, História da Arte e Compositora premiada.
Evandro Mangueira
2 de fevereiro de 2014
Que maravilha! Não conhecia essa arte, não dessa forma!