
Fonte da Imagem: http://www.viomundo.com.br/humor/o-organizador-da-marcha-da-familia-versao-2014-por-ele-mesmo.html
Por que tão poucos se importam? Ou por que já se tornou tão comum se ouvir falar sobre os bons tempos da ditadura ou que seria bom que ela voltasse?
Há quase 20 anos pesquiso a ditadura militar no Brasil. Desde o final dos anos 1990, quando os arquivos do DEOPS-SP foram abertos à consulta pública, nunca deixei de acumular documentos, buscar publicações esgotadas, tentar ouvir os que a tinham vivido pessoalmente. Nos últimos seis meses, envolvida em organizar um livro sobre Piracicaba e o golpe militar – que deverá ser editado por seus autores, depois da desistência sem explicações do Instituto Histórico e Geográfico, de quem éramos parceiros – convivi praticamente todos os dias com o tema, em busca de fotos, de confirmação de depoimentos, do surgimento de novos fatos. E com jovens que precisavam desenvolver trabalhos sobre os 50 anos do golpe.
E, para mim, esse coro ela volta da ditadura, que por vezes envolve também os mais jovens, sem que eles sequer tenham noção exata do que repetem, tem a ver com o silêncio de nossos pais e avós. Ou daquele amigo de nossos pais que foi exilado, ou que esteve preso e de cuja vida ele mesmo pouco fala. Um silêncio que a maioria respeita. Um silêncio que vem criando novas gerações capazes de imaginar o que a ditadura nunca foi.
Se quem a viveu, se quem a conheceu, se quem contra ela lutou – e carrega consigo as marcas da dor, da tortura, da prisão, do medo – dela não fala, como os mais jovens poderão imaginar o que foi viver aqueles tempos, para além dos trabalhos acadêmicos, dos debates dos partidos políticos, das rasas coberturas que os meios de comunicação vieram dando ao 31 de março nos últimos anos? Nada nos envolve mais do que histórias daqueles que conhecemos, com quem já temos uma ligação emocional. Saber que o vizinho, o amigo, o professor do pai, o tio distante, pessoalmente tiveram sua história truncada pela violência da repressão, pela força da legislação que permitia cassar mandatos ou afastar professores e alunos das escolas, que levava ao exílio para se fugir da tortura, é a primeira aproximação real entre as novas gerações e a consciência de que a ditadura nada teve de bonito, de fácil, de tranquilizador ao longo dos anos em que definiu parte do comportamento diário dos brasileiros.
Para jovens acostumados a redes sociais, celulares e um tempo onde todos dizem o que querem sobre quem querem é preciso mostrar que o tempo da ditadura foi o também – o que talvez lhes pareça difícil de entender na prática – um tempo de censura, onde as pessoas até escolhiam com quem e sobre o que conversar, que os jornais tinham listas de assuntos e pessoas que não podiam noticiar, que se era observado e vigiado pela repressão até mesmo dentro da igreja ou a cada aula que assistia. E que muitas vezes casas eram invadidas por causa de denúncias anônimas simplesmente pelos livros que se possuía.
Mas as histórias que se ouve e que se contam parecem sempre tão distantes, como se elas tivessem acontecido apenas com os que realmente militavam em partidos clandestinos, na luta armada contra o regime, nas capitais, nas maiores universidades do país. Ah! pais, avós, amigos dos tios, conhecidos e vizinhos da esquina onde você mora e que permaneceram quietos. É por causa deste silêncio que a ideia saudosista da ditadura também anda ganhando as ruas. Afinal, suas histórias – que existem, que têm detalhes tristes, que no fundo explicitam a “banalidade do mal”, que vão ficando esquecidas com o passar do tempo – são a melhor forma de fazer os mais jovens entenderem porque é preciso tanto lutar pela democracia.
Beatriz Vicentini (que também assinou livros e artigos como Beatriz Elias) – Organizadora do livro “Piracicaba 1964, o golpe militar no interior – jornalista, menções honrosas do Prêmio Vladimir Herzog (1998 e 2013), menção honrosa do Prêmio Esso (1998), vários livros publicados, assessora de imprensa da Universidade Metodista de Piracicaba entre 1979 e 2006.
Márcia Souza
31 de março de 2014
Concordo que o silêncio ajuda a esquecer, mas o silêncio destes que passaram pela ditadura deveria ser suprido por uma educação que revelasse, fizesse pensar, não deixasse esquecer.
O silêncio de uns pode ser compreensível. O silêncio de uma educação que cala não pode e não deve ser compreendido!!!!
Alexandre Diniz
31 de março de 2014
Ontem o G1 publicou uma entrevista com o vereador (eleito) Capitão Gomes. Interessante que eu postei diversos comentários contra a ditadura… e TODOS foram apagados. Encontramos apenas comentário a favor da ditadura naquela notícia.
Interessante como a ditadura se mostra… exclui opiniões opostas. Interessante ver como a Globo ainda apoia este regime. Interessante refletir se aquela notícia não foi encomendada.
Alexandre Diniz
31 de março de 2014
Retificação de comentário feito:
Pessoal, acima citei a entrevista feita com o vereador Capitão Gomes, onde foquei os comentários deletados. Ao entrar em contato com o G1, fui informado que eles (G1) não deletaram os comentarios efetuados na matéria. De acordo com a pessoa que me atendeu, quando um grande número de pessoas clica na opção “Denunciar”, este comentário “denunciado” é excluido.
Enfim, estou exercendo aqui uma conquista da democracia: a liberdade de expressão.
Andrea Raquel
31 de março de 2014
Chocante seu relato, Alexandre.
Em relação ao texto, lembra-me Walter Benjamin. É isso mesmo, sem a narração, não existimos. É preciso retomá-la, nem que seja pela internet.
Juan Sebastianes
31 de março de 2014
Existem bons governantes e maus governantes, dependendo das ESCOLHAS. Nas DEMOCRACIAS é o povo quem escolhe, mas frequentemente escolhe mal, por uma série de motivos, como a preguiça de estudar o passado dos candidatos e suas propostas e a péssima Educação oferecida pelo governo… Vamos lutar para aprimorar nossas ELEIÇÕES e exigir a TRANSPARÊNCIA, a PARTICIPAÇÃO democrática nas decisões e na fiscalização das ações e omissões governamentais.
A DITADURA é o pior tipo de governo (de “direita”, de “esquerda” ou de “centro”), pois não podemos participar da escolha do DITADOR, nem das decisões, nem teremos transparência ou liberdade para fiscalizar ou criticar os atos do governo. Ficamos dependendo do sorte…, que é muito rara!
As ações desastrosas e/ou demagógicas, inclusive de CORRUPÇÃO que temos recebido dos nossos governantes, na minha opinião, são a causa maior do aumento dos apoiadores da volta da Ditadura Militar. Não é essa a solução, mas sim “cobrarmos” o aprimoramento da DEMOCRACIA participativa!
Gleison
31 de março de 2014
Durante a ditadura, disciplinas como sociologia e filosofia foram suprimidas da grade curricular do ensino básico. Ainda hoje vemos muitas pessoas, inclusive estudantes, questionando o porquê da obrigatoriedade destas disciplinas, e até as aulas de História são consideradas desnecessárias. Ou seja, muita gente renunciando ao direito de conhecer o passado e as consequências no presente. Muitos ainda preferem o modelo de educação voltado apenas ao trabalho e não à cidadania, voltado ao lucro do patrão. Infelizmente.
JRP
31 de março de 2014
Parabéns pelo texto Beatriz Vicentini, acompanho sempre o blog.
Farei um comentário, quanto a itens e falta de informações que poderiam estar agregados a este texto, mas não está, e eu venho questionar o motivo porque eles não estão !
Manchetes de jornal da época:
– Nikita Khrushchov apoia a frente Goulart. (Só com isso não preciso dizer mais nada).
– PCB vai à Rússia para revolução. (Aprender guerrilha na URSS para implantar o comunismo no Brasil).
Havia um mal estar no país seja pela corrupção do governo Goulart e um possível golpe comunista.
A renúncia de Jânio criou uma grave situação de instabilidade política. Jango estava na China e a Constituição era clara: o vice-presidente deveria assumir o governo. Porém, os ministros militares se opuseram à sua posse, pois viam nele uma ameaça ao país, por seus vínculos com políticos do Partido Comunista Brasileiro (PCB) e do Partido Socialista Brasileiro (PSB). Apesar disso, não havia unanimidade nas altas esferas militares sobre o veto a Jango.
Marcha da Família com Deus pela Liberdade foi o nome comum de uma série de manifestações públicas ocorridas entre 19 de março e 8 de junho de 1964 no Brasil em resposta à “ameaça comunista” representada pelo discurso em comício realizado pelo então presidente João Goulart em 13 de março daquele mesmo ano. Na data, o mandatário assinou dois decretos, permitindo a desapropriação de terras numa faixa de dez quilômetros às margens de rodovias, ferrovias e barragens e transferindo para a União o controle de cinco refinarias de petróleo que operavam no país. (Se isso não for comunismo eu não sei o que é então).
Porque quando fazem relatos de 64, ocultam esses fatos ?
Seria a Novilíngua de reescrever a história pela esquerda ?
Não me venham acusar que estou defendendo um lado ou outro, esquece isso, mas porque estes itens históricos não estão agregados aos textos de 64 ?
Gostaria de saber esses motivos.
Obrigado pela compreensão.
Abraços.
Beatriz Vicentini
31 de março de 2014
JRP, obrigado por estar presente neste blog com seus comentários. Muitas das suas questões estão abordadas no livro “Piracicaba, 1964 – o golpe militar no interior”, que estamos tentando editar, com um pouco mais de profundidade. As proposta da reforma agrária e seu encaminhamento junto ao Congresso pelo presidente João Goulart, as relações por ele mantidas com governos estrangeiros, os evidentes interesses americanos em fomentar um golpe militar no país de forma a garantir aos EUA uma hegemonia política sobre o continente aparecem num capítulo que antecede as questões locais, denominado O Golpe. Creio que questões controversas como essas, passados tantos anos, e justamente pela falta de informação que durante décadas ocorreu, merecem ser amplamente discutidas. O que não podemos aceitar, de forma alguma, é a ilusão de que ditaduras sejam a solução. Elas sempre serão espaço de cerceamento, de medo, de corrupção.
JRP
31 de março de 2014
Olá Beatriz, boa noite.
Obrigado pela resposta.
Primeiramente gostaria de agradecer por me aceitar no debate.
Minha missão é sempre levantar o outro lado, gosto de discutir com pessoas de ponto de vista diferente, só assim para aprendermos mais, se não a gente iria ficar em um jogo de confirmação o qual não agregaria em nada.
Basicamente os acontecimentos da esquerda o qual quando convém é debatido e quando não convém é simplesmente ignorado ou rejeitado. Venho para fazer acréscimos e mostrar que a esquerda em sua totalidade não é um sacro-santo. E fez cagada igualmente.
OBS: Quando digo a esquerda em meus textos não generalize, mas geralmente o que eu comento é justamente de textos oriundos desse setor, sei que existe uma esquerda consciente e uma esquerda quadrada e doutrinadora).
Lei em alguns desses textos, que o movimento armado surgiu para combater os militares em 64, MENTIRA ! O movimento armado surgiu antes disso e foi em 62, e já foram ir fazer treinamento de guerrilha em Cuba, tudo sobre a tutela do Fidel Castro, que bancava e financiava essa turma. E estes do movimento armado, são carneirinhos e anjinhos, nem pensar. Organizações de guerrilha como VAR-Palmares, MOLIPO (Movimento de Libertação Popular), fizeram centenas de vítimas.
Aqueles alunos que eram aliciados nas universidades pela esquerda, para lutar no Araguaia, aqueles que queriam desertar eram justiçados. E estes foram debitados como mortos do regime militar.
É a esquerda reescrevendo a história como no livro 1984. Sabemos que nessas organizações não receberam pessoas com bolo de festa, era na bala, no justiçamento e quando não era isso era o terror que era implantado, como a bomba no aeroporto de Guararapes, o carro bomba no QG.
O engraçado é que essa parte da história não aparece nos livros de história. Mas depois de muito pesquisar descobri o porque. Primeiro que na época do regime os milicos cederam as universidades para essa turma da esquerda, o qual surgiu muita obra literária e artigos destronando o regime militar, mas sequer uma palavrinha um artigo dessas ações terroristas da esquerda foram publicados. E vemos hoje isso com muita clareza, que o pensamento dominante nesses lugares continua o mesmo.
Concordo com você, ditaduras nunca mais, sejam elas socialistas, comunistas, militares. Isso só deu em genocídios. Podemos citar diversas delas, e as mais perversas em poder de comunistas, vítimas do comunismo 100milhões, vitimas do SS (Nacional Socialismo de Hitler) 20milhões, fora os el-paradóns do cadáver Fidel Castro.
Uma coisa ridícula e chega a ser uma brincadeira de mal gosto, vejo muitos que abominam o regime surgido de 64 mas por outro lado idolatra essa galera do vermelho que citei acima, que falta de coerência é esta ? Pregam um anti regime militar brasileiro, mas idolatra Stalin, Fidel Castro, Che Guevara, igualmente assassinos.
Ditadura é ditadura, sem mais. Não é porque A foi uma porcaria que B é a solução, são e foram igualmente desprezíveis.
O que temos que garantir a harmonia democrática, e liberdade, só assim para seremos mais evoluídos.
Seguimos aqui no blog, debatendo etc, a fim de complementar e agregar conhecimento para ambos os lados, em um ambiente, livre e democrático. Este blog é tudo isso.
Parabéns ao Mestre Amstalden, e a Betriz Vincentini pelo texto.
Abraços
JRP
JRP
31 de março de 2014
Um anexo ao meu texto:
Gabeira: Guerrilheiros de 64 queriam a Ditadura do Proletariado a própria esquerda que queria combater uma ditadura e criar outra !