O Golpe de 1964 e o saudosismo da ditadura. Por Orlando Guimaro Junior

Posted on 7 de abril de 2014 por

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A proximidade do aniversário de 50 anos do golpe militar de 1964 tem suscitado muitos artigos, debates e mesmo com marchas a favor e contra a ditadura. O momento é oportuno para entendermos melhor porque as instituições democráticas brasileiras foram violentadas por uma ditadura militar que, sob a justificativa de salvar o Brasil do comunismo, promoveu cassações de mandato, censurou artistas, a imprensa e as artes em geral, perseguiu desafetos e cometeu crimes contra a humanidade como tortura, assassinato, mutilações e ocultação de cadáveres, num longo período de 21 anos. Uma experiência que, em hipótese alguma, pode ser considerada como exemplo para um país gerir seu destino.

Aproveitando-se da oportunidade surgem aqueles que defendem a ditadura militar como uma fase de ordem que deu lugar a uma realidade atual dominada pela corrupção, com crimes em profusão, ensino ruim etc. Esse saudosismo ignora o autoritarismo e as restrições à liberdade que vigoraram no Brasil a partir de 1964. Traz de volta aqueles discursos do “bem contra o mal”. Demonstra desinformação ao apontar o comunismo como ameaça atual e grave ignorância ao banalizar os crimes da ditadura. Flerta com a estupidez ao pleitear um novo golpe como medida para moralizar o país.

O comunismo, que tanto assustava o Brasil 50 anos atrás, não é hoje mais do que utopia. O Muro de Berlim, seu grande símbolo, foi derrubado em 1989. A União Soviética desintegrou-se em 1991, Cuba e a Coreia do Norte se arrastam desde o final dos anos 80 e a China, por sua vez, se tornou uma potência econômica conciliando técnicas ditatoriais (censura, perseguição a desafetos) a práticas antes condenadas pelos comunistas, como o pagamento de baixos salários.

A faxina “moral” que seria feita pelos militares, conforme pedem alguns, já foi testada em outros golpes de Estado na América Latina, inclusive no Brasil de 1964, sem resultados que recomendem sua reedição. No calor da hora “revolucionária”, a justiça é esquecida e prevalecem os acertos de contas com os desafetos. A corrupção, como já disse o jornalista Lucas Figueiredo, sempre dá um jeito de se acertar com os donos do poder, sobrevivendo a todo e qualquer regime, não importa sua orientação. O Brasil “grande” da ditadura, com seu crescimento astronômico, não ficou imune a mazelas como obras faraônicas, falta de planejamento, empreguismo de amigos e parentes, concessão de empréstimos que não eram pagos, criação de estatais para fins políticos, desvios de recursos públicos etc. Se hoje a educação é ruim, foi nos anos 60 e 70 que tivemos a explosão das famigeradas faculdades de “final de semana”, o fracasso do Mobral e o início da desvalorização da carreira docente. Para quem convive com a estabilidade desde o Plano Real de 1994, a lembrança do caos econômico da década de 1980, com inflação e desemprego, resultado direto da farta gastança dos governos militares, parece um pesadelo distante.

Nosso país não necessita de golpes, atos de força ou de “salvadores da pátria”, mas sim de instituições democráticas que funcionem corretamente, livres de influências pessoais, de loteamento político ou de subordinação a determinados grupos. Casos de corrupção e o descaso com a saúde e a educação, entre outros, devem ser combatidos através da eleição de pessoas sérias, comprometidas na solução e não na maquiagem dos nossos problemas. Instalada sob a promessa de moralizar o país, conduzindo-o a uma democracia plena, a ditadura fracassou porque a austeridade prometida em 1964 converteu-se em uma legislação opressora, truculência, tolerância com a corrupção e casuísmos como eleições indiretas, senadores biônicos e votos em legenda. Desautorizado pela sociedade, o regime, na imagem do general João Figueiredo deixando a presidência pela porta dos fundos, encontrou o seu ocaso.

Graças à censura e ao corporativismo, a impunidade foi uma grande marca do regime militar, uma nefasta herança que ainda persiste. Não é com autoritarismo que os problemas brasileiros serão resolvidos, mas sim com o cumprimento da lei. A história pode até ser revisitada por nostálgicos, mas estes devem acordar a tempo, antes de endossarem novos erros como as ditaduras pelas quais o Brasil já passou.

 

Orlando Guimaro Junior é advogado com especialização em Direito Contratual (PUC/SP) e coautor do livro Piracicaba, 1964: o golpe militar no interior (no prelo).