A proximidade do aniversário de 50 anos do golpe militar de 1964 tem suscitado muitos artigos, debates e mesmo com marchas a favor e contra a ditadura. O momento é oportuno para entendermos melhor porque as instituições democráticas brasileiras foram violentadas por uma ditadura militar que, sob a justificativa de salvar o Brasil do comunismo, promoveu cassações de mandato, censurou artistas, a imprensa e as artes em geral, perseguiu desafetos e cometeu crimes contra a humanidade como tortura, assassinato, mutilações e ocultação de cadáveres, num longo período de 21 anos. Uma experiência que, em hipótese alguma, pode ser considerada como exemplo para um país gerir seu destino.
Aproveitando-se da oportunidade surgem aqueles que defendem a ditadura militar como uma fase de ordem que deu lugar a uma realidade atual dominada pela corrupção, com crimes em profusão, ensino ruim etc. Esse saudosismo ignora o autoritarismo e as restrições à liberdade que vigoraram no Brasil a partir de 1964. Traz de volta aqueles discursos do “bem contra o mal”. Demonstra desinformação ao apontar o comunismo como ameaça atual e grave ignorância ao banalizar os crimes da ditadura. Flerta com a estupidez ao pleitear um novo golpe como medida para moralizar o país.
O comunismo, que tanto assustava o Brasil 50 anos atrás, não é hoje mais do que utopia. O Muro de Berlim, seu grande símbolo, foi derrubado em 1989. A União Soviética desintegrou-se em 1991, Cuba e a Coreia do Norte se arrastam desde o final dos anos 80 e a China, por sua vez, se tornou uma potência econômica conciliando técnicas ditatoriais (censura, perseguição a desafetos) a práticas antes condenadas pelos comunistas, como o pagamento de baixos salários.
A faxina “moral” que seria feita pelos militares, conforme pedem alguns, já foi testada em outros golpes de Estado na América Latina, inclusive no Brasil de 1964, sem resultados que recomendem sua reedição. No calor da hora “revolucionária”, a justiça é esquecida e prevalecem os acertos de contas com os desafetos. A corrupção, como já disse o jornalista Lucas Figueiredo, sempre dá um jeito de se acertar com os donos do poder, sobrevivendo a todo e qualquer regime, não importa sua orientação. O Brasil “grande” da ditadura, com seu crescimento astronômico, não ficou imune a mazelas como obras faraônicas, falta de planejamento, empreguismo de amigos e parentes, concessão de empréstimos que não eram pagos, criação de estatais para fins políticos, desvios de recursos públicos etc. Se hoje a educação é ruim, foi nos anos 60 e 70 que tivemos a explosão das famigeradas faculdades de “final de semana”, o fracasso do Mobral e o início da desvalorização da carreira docente. Para quem convive com a estabilidade desde o Plano Real de 1994, a lembrança do caos econômico da década de 1980, com inflação e desemprego, resultado direto da farta gastança dos governos militares, parece um pesadelo distante.
Nosso país não necessita de golpes, atos de força ou de “salvadores da pátria”, mas sim de instituições democráticas que funcionem corretamente, livres de influências pessoais, de loteamento político ou de subordinação a determinados grupos. Casos de corrupção e o descaso com a saúde e a educação, entre outros, devem ser combatidos através da eleição de pessoas sérias, comprometidas na solução e não na maquiagem dos nossos problemas. Instalada sob a promessa de moralizar o país, conduzindo-o a uma democracia plena, a ditadura fracassou porque a austeridade prometida em 1964 converteu-se em uma legislação opressora, truculência, tolerância com a corrupção e casuísmos como eleições indiretas, senadores biônicos e votos em legenda. Desautorizado pela sociedade, o regime, na imagem do general João Figueiredo deixando a presidência pela porta dos fundos, encontrou o seu ocaso.
Graças à censura e ao corporativismo, a impunidade foi uma grande marca do regime militar, uma nefasta herança que ainda persiste. Não é com autoritarismo que os problemas brasileiros serão resolvidos, mas sim com o cumprimento da lei. A história pode até ser revisitada por nostálgicos, mas estes devem acordar a tempo, antes de endossarem novos erros como as ditaduras pelas quais o Brasil já passou.
Orlando Guimaro Junior é advogado com especialização em Direito Contratual (PUC/SP) e coautor do livro Piracicaba, 1964: o golpe militar no interior (no prelo).
JRP
9 de abril de 2014
Tenho umas dúvidas.
1) Se um general for eleito pelo voto popular, como por exemplo o General Heleno, a esquerda com suas idéias pré-definidas, já vai tachar o governo do General Heleno como um regime ditatorial ?
2) Vejo que a esquerda tem ojeriza de qualquer membro das forças armadas no poder. Porque este sentimento ?
3) Para a esquerda nenhum militar deve se candidatar, nem participar do jogo democrático das eleições. Pois tudo isso já vira uma anti-propaganda para a esquerda que logo vai mesclar a figura do candidato eleito ao regime da ditadura. Como vocês veem isso ?
4) Foi só criarem o PMB ( Partido Militar Brasileiro ) que trocentos sites de esquerda já definiram este partido como a volta do regime militar.
5) Enfim porque a esquerda concentra mesmo que em outro contexto a figura dos militares como uma forma de ditadura ? As guerrilhas também não era agrupamento de comunistas para tomada do poder e instalar sua ditadura ?
Gostaria de saber estas questões.
[‘]s
blogdoamstalden
10 de abril de 2014
Olá meu amigo. Estou em falta com vc. mas as coisas andam complicadas. Mas, vamos as respostas.
1) Não posso responder sobre a “esquerda em geral”, até porque, como eu disse, existem muitas formas de pensamento esquerdista. Aliás, na minha opinião, muitos “esquerdistas” nem sabe o que é “esquerda”. Mas, posso responder por mim. Sim, eu aceitaria. Tanto que, a contragosto, reconheci a legitimidade da eleição de Collor.
2) A “ojeriza” é a lembrança recente. Até porque, tem muita ferida aberta. Mas isto não significa que eu, em particular, tenha ojeriza a militares. Tenho um amigo há mais de trinta anos que é alta patente. Também admiro muito alguns militares que foram perseguidos ou eram intelectuais. Vc. já ouviu falar de Nélson Werneck Sodré? Ou do Cap. Sérgio Macado? Agora, se um militar se eleger, não é ditadura, logo não há ojeriza.
3) Como eu disse, respondo por mim. Sim, pode se candidatar. Mas pelas leis militares eles não podem, me parece. A não ser na reserva. Isto para não romper a hierarquia.
4) O meu blog não falou nada sobre PMB… não respondo por outros
5) Vamos separar as coisas. Nem todos os prejudicados pela ditadura foram guerrilheiros. Nem todos os opositores pegaram em armas ou pregaram a luta armada. Herzog e Rubens Paiva, por exemplo, foram assassinados e não eram guerrilheiros. Combater a ditadura não nos alinha, automaticamente, aos movimentos guerrilheiros. Helder Câmara teve assessores assassinados e não era guerrilheiro. E assim por diante. Voltamos a um ponto fundamental. Combater a ditadura militar no Brasil significa combater toda e qualquer ditadura. Significa defender a democracia plena, que ainda está em construção.
Abs. meu Amigo.
JRP
11 de abril de 2014
Eu que agradeço Mestre !
Obrigado pelas respostas.
[‘]s
Ademir Coelho da Silva
18 de abril de 2014
Muito bom o artigo e os comentários do leitor e autor do blog, de modo que, gostaria de acrescentar minha opinião. Penso que, a ditadura ou golpe iniciado em 1964 não deveria ser creditado somente aos militares. Cabe ressaltar que não sou militar, nem advogado da classe, mas se o golpe de 64 se tornou realidade, foi com apoio da imprensa, banqueiros, grandes empresários, presidente do congresso nacional a época e da população em geral. Portanto, com a devida venia, penso que muitos dos civis daquele tempo são tão culpados quanto os militares.