Ele tem por volta de doze anos e se diz ateu. O pai me conta um fato que acredita ter influenciado a postura do filho. Ele frequentou o catecismo da Igreja Católica e o pai o levava às aulas. Um dia o pai se atrasou na estrada, devido a uma chuva forte e não pode leva-lo. Na semana seguinte ele foi às aulas normalmente e quando o pai foi busca-lo, encontroou chateado, triste. A catequista havia comentado, na frente das outras crianças, que a falta da semana anterior era irresponsabilidade do pai e que isso era “bem coisa de pais divorciados…” Você pode imaginar como o menino se sentiu.
Não sou teólogo e nem tenho a pretensão de ser. Minhas ideias sobre religião tampouco se afinam com a maioria do que vejo. Mas muito tempo atrás tive a felicidade de conviver com frades franciscanos brilhantes, que me ensinaram uma visão do cristianismo muito bonita, que me acompanha até hoje. Para aqueles frades, cristianismo era acima de tudo buscar o amor e a compaixão para com o próximo e, para alguns deles, para com toda a vida. Este seria o núcleo e a mensagem fundamental cristã. Assim, diziam, se você ama e sente compaixão, irá pautar suas atitudes por estes sentimentos. Buscará o bem comum, entenderá a dor do outro e acima de tudo será humilde. O sentimento de amor e compaixão também impediriam o “pecado”. Aliás Frei Sérgio me dizia que pecar era difícil, porque significava fazer deliberadamente o mal. Para ele a maioria das vezes em que prejudicávamos alguém, não o fazíamos com total consciência, mas por ignorância, e assim, as pessoas pecam pouco, mas são muito ignorantes. Amar não nos impediria de errar, mas nos manteria atentos a nós mesmos, nossos pensamentos e nossas atitudes, refinando nossa sensibilidade e nos fazendo crescer como seres humanos.
Dizer a uma criança que sua falta era irresponsabilidade paterna e que a situação dos pais, divorciados, era causa da falta, foi, no mínimo, uma insensibilidade e no máximo, uma atitude cruel, que marcou o garoto. Talvez não tenha sido esta a causa do ateísmo do menino, mas com certeza o fez sofrer. Nunca conheci nenhuma criança que não desejasse que os pais continuassem juntos. Esta catequista foi cristã? Para ela sim, para muitos, sim. Para mim, não. Para ela e para muitos o cristianismo é mais uma série de temores e códigos rígidos de conduta do que um sentimento, uma postura ética e espiritual frente a vida. Para ela é seguir normas e quem não se enquadra nestas normas, está errado, condenado.
Não tive tempo de dizer isso ao menino, mas digo agora. Aquela catequista errou sim, e feio. Ela tem uma visão religiosa que, a meu ver, é restrita e mais ainda, não é o que eu considero cristianismo. Ela tem na religião algo que a diferencia, a coloca acima dos demais. A mim parece um anti-cristianismo. Até onde entendo, Cristo acolheu a todos, inclusive a prostituta, o cobrador de impostos e ladrão. Só foi intransigente com os fariseus, aqueles homens que acreditavam que religião era o seguimento estrito das normas e que chegaram a criticá-lo por curar doentes aos sábados, dia em que, segundo a lei judaica, não se poderia trabalhar e curar seria ter trabalhado. Eu digo a você, “P”, que aquela catequista não “pecou”, mas foi ignorante. Ela busca, assim como todos nós, se sentir especial, segura. E para ela, na sua ignorância, o que a torna especial é não ter se divorciado (talvez nem se casado) e nem, quem sabe, perdido uma única aula de catecismo ou uma missa na vida. Ela merece sua compaixão “P”, e não sua mágoa.
Não espero que você passe a crer em um Deus ou no cristianismo quando lhe digo tudo isso. Mas escrevo por querer compartilhar com você uma outra ideia do que é ser cristão. A ideia de que seguir ao Cristo é buscar a compaixão e o amor e não julgar ou discriminar o próximo. A ideia de que ser cristão, mais do que ser membro de qualquer Igreja, é um caminho de vida, voltado para a auto consciência e para a consciência do próximo e de toda forma de vida. É apenas uma forma de ver, “P”, a minha forma de ver e para muitos, eu não sou sequer considerado cristão. Você pode e deve encontrar a sua.
Para “P” e “H”; que me contaram esta história em um jantar.
Andre Sanson
8 de outubro de 2014
Belo texto professor!
Como diz um grande amigo, “o ser humano é mais frágil do que perverso!”
Abs.
Anônimo
9 de outubro de 2014
Gostei muito do texto porque me identifiquei com ele. Esse comportamento da catequista é mais comum do que se imagina, infelizmente. Que o cristianismo seja mais práticas que protocolos.
Augusto Sousa
9 de outubro de 2014
Muito bem!!
“A religião é DIVINA, a igreja é humana”.
” vinde a MIM as criancinhas….”
Abraços
Marina Machado
9 de outubro de 2014
Excelente, Luis. Estou passando por um dilema aqui no México. O país é super católico, a escola dos meus filhos idem. Minha filha quer fazer catecismo, porque todas as amigas já estão fazendo a 1a. Comunhão. A escola me exige certificado de batismo (ela não foi batizada), comprovante de 2 anos de cursos de “Formación Humana”. Eu disse a ela: “Para que você tenha sua fé, saiba ajudar as pessoas, seja uma boa pessoa, saiba agradecer e pedir corretamente a Deus, não precisa de 1a. Comunhão”. Fora que 1a. comunhão aqui parece festa de casamento!
Anônimo
10 de outubro de 2014
Caro professor, eu acho bem legal essa história, pois aconteceu comigo algo parecido que determinou a minha forma de pensar durante muito tempo.
Após alguns problemas parecidos com visões cristãs relacionadas não só a estes protocolos rígidos mas também ao “não poder questionar a fonte da fé”, decidi seguir por um caminho diferente do que o que me foi proposto tradicionalmente pela família, mas que me dá uma paz interior muito grande. Decidi que o que me movia não era a crença em algo superior, mas sim estes pontos que você ressaltou, a compaixão e a humildade. Nisso, percebi que eu precisava me sentir em “equilíbrio” com isto, para que eu pudesse ficar satisfeito (podemos dizer que isto seria um conceito bem rudimentar de equilíbrio de Karma, correto?). Participei durante muito tempo da minha adolescência de campanhas da própria igreja de arrecadação de alimento, sou doador de sangue e tento ter algumas ações altruístas; não para criar uma imagem ou algo assim, apenas para satisfazer o meu interior.
Faz cerca de 5 anos que não frequento mais a igreja e me sinto até melhor. Não sou ateu, mas me sinto livre para questionar e também para ver que o que as outras religiões poderiam agregar a mim. E, apenas um comentário (não uma forma de “puxar o saco”, longe disso), ao ter aula com o Sr. este ano me interessei em pesquisar pelo budismo e foi uma das coisas mais interessantes que eu já conheci. Realmente é muito bom se sentir equilibrado com suas ações e sem medo de questionar o conhecido e desconhecido.