O menino e a religião. Por Luis Fernando Amstalden

Posted on 8 de outubro de 2014 por

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cristianismo

Ele tem por volta de doze anos e se diz ateu. O pai me conta um fato que acredita ter influenciado a postura do filho. Ele frequentou o catecismo da Igreja Católica e o pai o levava às aulas. Um dia o pai se atrasou na estrada, devido a uma chuva forte e não pode leva-lo. Na semana seguinte ele foi às aulas normalmente e quando o pai foi busca-lo, encontroou chateado, triste. A catequista havia comentado, na frente das outras crianças, que a falta da semana anterior era irresponsabilidade do pai e que isso era “bem coisa de pais divorciados…” Você pode imaginar como o menino se sentiu.

Não sou teólogo e nem tenho a pretensão de ser. Minhas ideias sobre religião tampouco se afinam com a maioria do que vejo. Mas muito tempo atrás tive a felicidade de conviver com frades franciscanos brilhantes, que me ensinaram uma visão do cristianismo muito bonita, que me acompanha até hoje. Para aqueles frades, cristianismo era acima de tudo buscar o amor e a compaixão para com o próximo e, para alguns deles, para com toda a vida. Este seria o núcleo e a mensagem fundamental cristã. Assim, diziam, se você ama e sente compaixão, irá pautar suas atitudes por estes sentimentos. Buscará o bem comum, entenderá a dor do outro e acima de tudo será humilde. O sentimento de amor e compaixão também impediriam o “pecado”. Aliás Frei Sérgio me dizia que pecar era difícil, porque significava fazer deliberadamente o mal. Para ele a maioria das vezes em que prejudicávamos alguém, não o fazíamos com total consciência, mas por ignorância, e assim, as pessoas pecam pouco, mas são muito ignorantes. Amar não nos impediria de errar, mas nos manteria atentos a nós mesmos, nossos pensamentos e nossas atitudes, refinando nossa sensibilidade e nos fazendo crescer como seres humanos.

Dizer a uma criança que sua falta era irresponsabilidade paterna e que a situação dos pais, divorciados, era causa da falta, foi, no mínimo, uma insensibilidade e no máximo, uma atitude cruel, que marcou o garoto. Talvez não tenha sido esta a causa do ateísmo do menino, mas com certeza o fez sofrer. Nunca conheci nenhuma criança que não desejasse que os pais continuassem juntos. Esta catequista foi cristã? Para ela sim, para muitos, sim. Para mim, não. Para ela e para muitos o cristianismo é mais uma série de temores e códigos rígidos de conduta do que um sentimento, uma postura ética e espiritual frente a vida. Para ela é seguir normas e quem não se enquadra nestas normas, está errado, condenado.

Não tive tempo de dizer isso ao menino, mas digo agora. Aquela catequista errou sim, e feio. Ela tem uma visão religiosa que, a meu ver, é restrita e mais ainda, não é o que eu considero cristianismo. Ela tem na religião algo que a diferencia, a coloca acima dos demais. A mim parece um anti-cristianismo. Até onde entendo, Cristo acolheu a todos, inclusive a prostituta, o cobrador de impostos e ladrão. Só foi intransigente com os fariseus, aqueles homens que acreditavam que religião era o seguimento estrito das normas e que chegaram a criticá-lo por curar doentes aos sábados, dia em que, segundo a lei judaica, não se poderia trabalhar e curar seria ter trabalhado. Eu digo a você, “P”, que aquela catequista não “pecou”, mas foi ignorante. Ela busca, assim como todos nós, se sentir especial, segura. E para ela, na sua ignorância, o que a torna especial é não ter se divorciado (talvez nem se casado) e nem, quem sabe, perdido uma única aula de catecismo ou uma missa na vida. Ela merece sua compaixão “P”, e não sua mágoa.

Não espero que você passe a crer em um Deus ou no cristianismo quando lhe digo tudo isso. Mas escrevo por querer compartilhar com você uma outra ideia do que é ser cristão. A ideia de que seguir ao Cristo é buscar a compaixão e o amor e não julgar ou discriminar o próximo. A ideia de que ser cristão, mais do que ser membro de qualquer Igreja, é um caminho de vida, voltado para a auto consciência e para a consciência do próximo e de toda forma de vida. É apenas uma forma de ver, “P”, a minha forma de ver e para muitos, eu não sou sequer considerado cristão. Você pode e deve encontrar a sua.

Para “P” e “H”; que me contaram esta história em um jantar.

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