Nós e nossa essência. Por Luis Fernando Amstalden

Posted on 29 de outubro de 2014 por

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As eleições acabaram. Porém, mais do que a disputa acirrada e a pouca diferença dos votos entre os candidatos, o que vai me fazer lembrar por muito tempo deste pleito, é raiva e o preconceito que se manifestaram nas ruas, nas conversas e nas redes sociais. Claro que eleições disputadas criam paixões e excessos, que por sua vez levam a palavras e atitudes impensadas. Mas a atual me pareceu diferente, me pareceu trazer à tona características que estão encobertas. Características que demonstram que nossa sociedade tem muito, muito mesmo de racismo, preconceito de classe, autoritarismo, preconceitos regionais, homofobia e egoísmo. Eu não devia me surpreender. Sempre se soube, na universidade, que o brasileiro oculta conflitos sociais através de uma imagem de cordialidade (o conceito de Sérgio Buarque de Holanda é mais amplo, porém vai na mesma direção). Somos sim uma sociedade racista e profundamente dividida por interesses de classes. Somos uma sociedade egoísta e com conflitos muito sérios e isso ficou bem claro.

Pode-se argumentar que o maior motivo da agressividade popular foi a insatisfação com a corrupção, amplamente divulgada pela mídia com os casos do “mensalão” e da Petrobrás. Mas penso que não é só isso, afinal outros casos tão graves quanto, do lado do partido de oposição, parecem não criar tanta indignação. O que parece ter aflorado bastante é a rejeição, por parte de pessoas com renda maior, a programas sociais e de inclusão. As falas pela internet e nas ruas demonstram isso, com críticas à “manutenção da vagabundagem” pelo Bolsa Família, à “burrice” dos pobres e dos nordestinos, que votaram no partido vencedor, além do pretenso “parasitismo” social destes mesmos grupos. Isso para não falar das críticas à união civil de homossexuais e das teorias conspiratórias de que Cuba iria “dominar” o Brasil.

De nada adianta organismos internacionais e econômicos atestarem que o Bolsa Família é uma forma saudável de distribuição de renda e inclusão social que alavanca o crescimento econômico. Também não faz diferença o fato de programas como o “mais médicos” e o “minha casa, minha vida” irem de encontro a direitos humanos básicos. A raiva cega acusa tudo isso de ser “populista” ou mantenedor da vagabundagem. De nada adiantam os dados econômicos que atestam que o povo brasileiro trabalha muito, mais do que alguns povos europeus, principalmente porque nossa jornada é de 44 horas semanais. Para a classe média e média alta, o pobre é “vagabundo” e o governo “sustenta” a vagabundagem com o dinheiro dos impostos “injustos”.

E na verdade a exposição autoritária e classista não se acirrou nas eleições, mas antes, ainda nos debates por ocasião dos cinquenta anos do golpe de 1964. Principalmente pela internet, li com tristeza muitos comentários defendendo a ditadura, a extinção do congresso e até a tortura. Estes mesmos comentários pude observar em vídeos, como um em que uma eleitora dizia: “eu vou defender o meu Brasil, seja pelas eleições, seja pela intervenção militar”.

Claro que o governo atual não é perfeito. Eu mesmo tenho críticas sérias a ele. Mas quais são, de fato, os motivos de críticas expressos em tantos comentários? A indignação com escândalos de corrupção ou a busca pela manutenção de uma sociedade desigual, que preserva privilégios de poucos? Sim, precisamos de desenvolvimento e desenvolvimento sustentável, precisamos de honestidade, de transparência e de cidadania. Mas será que é só isso que os indignados e agressivos querem ou será que querem manter um largo exército de serviçais baratos, segregados e dóceis? Deixo para reflexão uma postagem feita por uma amiga, muito inteligente, jornalista em São Paulo, que fez o seguinte relato de um encontro seu:

‘Empresária do ramo de decoração que foi parar na mesa em que eu estava ontem: “empregada doméstica é empregada doméstica porque não tem capacidade pra outra coisa. E se você dá o bolsa qualquer coisa, aí que elas não fazem mais nada”, exausta, entre um gole de cerveja e outro, de pagar tanto imposto. Os artesãos que ela emprega (na firma, não na casa) ganham R$ 700 por mês. De acordo com ela, são uns folgados: entram no Facebook em seus telefones durante o horário de trabalho pelo qual ela paga. Deixei R$ 50 na mesa e fui embora. Com receio de ela embolsar os 10% do garçom.’

PS: claro que estúpidos existem de ambos os lados e deploro os dois. Para não dizerem que não entendo isso, seguem alguns exemplos. Analise com racionalidade:

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