Um comunicado importante contra a hipocrisia na educação. Por Luis Fernando Amstalden

Posted on 10 de abril de 2023 por

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Desde que comecei a lecionar, em 1986, procurei avaliar os alunos e alunas através de provas ou trabalhos. E sempre fiz isso porque acreditava e ainda acredito que é preciso seriedade e honestidade no exercício da docência, afinal, um diploma é um reconhecimento legal de que a pessoa foi aprovada, aprendeu e está apta a exercer uma função ou a progredir para um grau mais alto de estudos. Nunca deixei de reconhecer que a escola é imperfeita, de que as avaliações são imperfeitas e em grande medida, subjetivas. Mas mesmo assim, recusava-me a dar meu aval para quem não conseguia ou não queria aprender.

Contra essas imperfeições, eu busquei formas criativas de ensinar, avaliar e nunca , nunca deixei de atender aos estudantes que tinham mais dificuldades, ou seus pais ou responsáveis. Também jamais fiz uma avaliação cujo conteúdo pedido não houvesse sido ensinado e revisto. E ainda, tenho o orgulho de dizer que sempre propus projetos e medidas, inclusive o aumento de salários, nas instituições nas quais lecionei, para os professores e professoras do ensino fundamental, uma vez que meu trabalho nas series superiores dependia do trabalho deles e, em geral, eu recebia mais, o que julgava e julgo injusto e desanimador.

Claro que eu errei muito e aprendi muito também. E claro que minhas propostas nunca foram aceitas a não ser quando eu propunha fazê-las de graça.

 Desde que comecei, enfrentei a resistência tanto de alunos, pais como da própria escola, que determinava uma “quota” de alunos que podiam ser reprovados para não comprometer a matricula e, claro, a mensalidade, no ano seguinte, porque quem não era aprovado mudava de escola. E muito desta resistência devia-se ao fato de que as disciplinas que ensino e ensinei (História, Sociologia e até ética) terem sido e ainda são consideradas menos nobres, na melhor das hipóteses ou francamente inúteis, na pior. Claro que não compartilho deste ponto de vista e que não queria e nem quero corroborar esse este status aprovando sem avaliar. Também não queria e não quero que os alunos e alunas viessem a ser apenas mão de obra incapaz de refletir sobre a sociedade e sobre si.

Mas, no começo, haviam pais e alunos que entendiam meu esforço e me apoiavam. E foi graças a eles que eu mantive o emprego em alguns lugares. Porém também já haviam os docentes pragmáticos que não criavam problemas para si mesmos e aprovavam todo mundo. Eu tive que ouvir muitos desaforos e desafios e, repito, não fosse o reconhecimento de muitos, não teria durado um ano na docência.

E tive imensas alegrias também. Tive a alegria de ver a evolução e o crescimento de muitos alunos e alunas, de ouvir que alguns nunca se esqueceram de minhas aulas e que são gratos e gratas. Se foram maioria eu não sei, porque um só que se lembre já faz valer todo o trabalho, mas digo que foram muitos e até mesmo no ano passado.

Só que tudo isso mudou. Se ainda existem pessoas que entendem a necessidade de realmente aprender e também de ensinar, são muito poucas. E eu não consigo mais lutar para fazer com que entendam que só o diploma não lhes valerá de nada e que, em algum momento, eles pagarão um preço alto por não saberem, seja na vida pessoal, seja na vida profissional, ou seja ainda na vida de cidadãos e cidadãs.

Não consigo mais lidar com pressões veladas ou explícitas para não avaliar e consequentemente não reprovar. Não consigo mais tirar alunos e alunas dos celulares durante as aulas e não consigo mais fazer com que leiam um texto.

Claro que eu estaria sendo injusto se dissesse que não tenho a atenção de muitos alunos e alunas, mas eles não são a maioria. Nunca foram, verdade, mas agora são a franca minoria.

E de que adianta ler prova por prova e comentar a maioria delas, mostrando no que e como o aluno errou, por escrito, se no final do semestre muitos vem pedir revisão da nota e nem aparecem para acompanhar a mesma. E quando aparecem, não querem ou não conseguem entender porque erraram.

Não, eu não vou mais competir com as colas do google achando e identificando as mesmas e muito menos com o CHAT GPT que não permitirá que eu identifique a cola.

Então, vou parar de avaliar.

Daqui por diante, todos os alunos e alunas terão notas mínimas e estarão aprovados.

Adotarei a prática de inúmeros colegas que fazem isso há muito tempo, mas com uma diferença, contra a hipocrisia e pela minha consciência pessoal, eu estou COMUNICANDO aos  diretores, coordenadores e colegas, que estou tomando essa atitude abertamente, inclusive em público, por aqui.

Porém, eu ainda sou um professor e vou continuar ensinando. Vou ensinar da melhor maneira que eu puder e caso alunos e alunas queiram, de fato, aprender, vou ficar com eles e traçar novas formas de avaliação que possam medir seu crescimento. Os demais, podem ficar por conta de sua própria responsabilidade e maturidade, além do CHAT GPT e afins. Talvez eles até se deem bem, quem sabe, afinal eu não tenho bola de cristal. Mas considerando o fato de que milhões de pessoas ainda acham que as vacinas contra a COVID matam e que preferem consumir fake News no Zap, eu tenho minhas dúvidas.

Por último devo dizer que sou a favor de uma educação libertadora e emancipadora. E vou continuar a buscar isso para quem realmente quiser. Mas essa educação só vai ser uma verdade geral quando for um projeto mais amplo, que envolva pais, Estado, instituições e estudantes.

Por enquanto, ela é pura hipocrisia…

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