Desde que comecei a lecionar, em 1986, procurei avaliar os alunos e alunas através de provas ou trabalhos. E sempre fiz isso porque acreditava e ainda acredito que é preciso seriedade e honestidade no exercício da docência, afinal, um diploma é um reconhecimento legal de que a pessoa foi aprovada, aprendeu e está apta a exercer uma função ou a progredir para um grau mais alto de estudos. Nunca deixei de reconhecer que a escola é imperfeita, de que as avaliações são imperfeitas e em grande medida, subjetivas. Mas mesmo assim, recusava-me a dar meu aval para quem não conseguia ou não queria aprender.
Contra essas imperfeições, eu busquei formas criativas de ensinar, avaliar e nunca , nunca deixei de atender aos estudantes que tinham mais dificuldades, ou seus pais ou responsáveis. Também jamais fiz uma avaliação cujo conteúdo pedido não houvesse sido ensinado e revisto. E ainda, tenho o orgulho de dizer que sempre propus projetos e medidas, inclusive o aumento de salários, nas instituições nas quais lecionei, para os professores e professoras do ensino fundamental, uma vez que meu trabalho nas series superiores dependia do trabalho deles e, em geral, eu recebia mais, o que julgava e julgo injusto e desanimador.
Claro que eu errei muito e aprendi muito também. E claro que minhas propostas nunca foram aceitas a não ser quando eu propunha fazê-las de graça.
Desde que comecei, enfrentei a resistência tanto de alunos, pais como da própria escola, que determinava uma “quota” de alunos que podiam ser reprovados para não comprometer a matricula e, claro, a mensalidade, no ano seguinte, porque quem não era aprovado mudava de escola. E muito desta resistência devia-se ao fato de que as disciplinas que ensino e ensinei (História, Sociologia e até ética) terem sido e ainda são consideradas menos nobres, na melhor das hipóteses ou francamente inúteis, na pior. Claro que não compartilho deste ponto de vista e que não queria e nem quero corroborar esse este status aprovando sem avaliar. Também não queria e não quero que os alunos e alunas viessem a ser apenas mão de obra incapaz de refletir sobre a sociedade e sobre si.
Mas, no começo, haviam pais e alunos que entendiam meu esforço e me apoiavam. E foi graças a eles que eu mantive o emprego em alguns lugares. Porém também já haviam os docentes pragmáticos que não criavam problemas para si mesmos e aprovavam todo mundo. Eu tive que ouvir muitos desaforos e desafios e, repito, não fosse o reconhecimento de muitos, não teria durado um ano na docência.
E tive imensas alegrias também. Tive a alegria de ver a evolução e o crescimento de muitos alunos e alunas, de ouvir que alguns nunca se esqueceram de minhas aulas e que são gratos e gratas. Se foram maioria eu não sei, porque um só que se lembre já faz valer todo o trabalho, mas digo que foram muitos e até mesmo no ano passado.
Só que tudo isso mudou. Se ainda existem pessoas que entendem a necessidade de realmente aprender e também de ensinar, são muito poucas. E eu não consigo mais lutar para fazer com que entendam que só o diploma não lhes valerá de nada e que, em algum momento, eles pagarão um preço alto por não saberem, seja na vida pessoal, seja na vida profissional, ou seja ainda na vida de cidadãos e cidadãs.
Não consigo mais lidar com pressões veladas ou explícitas para não avaliar e consequentemente não reprovar. Não consigo mais tirar alunos e alunas dos celulares durante as aulas e não consigo mais fazer com que leiam um texto.
Claro que eu estaria sendo injusto se dissesse que não tenho a atenção de muitos alunos e alunas, mas eles não são a maioria. Nunca foram, verdade, mas agora são a franca minoria.
E de que adianta ler prova por prova e comentar a maioria delas, mostrando no que e como o aluno errou, por escrito, se no final do semestre muitos vem pedir revisão da nota e nem aparecem para acompanhar a mesma. E quando aparecem, não querem ou não conseguem entender porque erraram.
Não, eu não vou mais competir com as colas do google achando e identificando as mesmas e muito menos com o CHAT GPT que não permitirá que eu identifique a cola.
Então, vou parar de avaliar.
Daqui por diante, todos os alunos e alunas terão notas mínimas e estarão aprovados.
Adotarei a prática de inúmeros colegas que fazem isso há muito tempo, mas com uma diferença, contra a hipocrisia e pela minha consciência pessoal, eu estou COMUNICANDO aos diretores, coordenadores e colegas, que estou tomando essa atitude abertamente, inclusive em público, por aqui.
Porém, eu ainda sou um professor e vou continuar ensinando. Vou ensinar da melhor maneira que eu puder e caso alunos e alunas queiram, de fato, aprender, vou ficar com eles e traçar novas formas de avaliação que possam medir seu crescimento. Os demais, podem ficar por conta de sua própria responsabilidade e maturidade, além do CHAT GPT e afins. Talvez eles até se deem bem, quem sabe, afinal eu não tenho bola de cristal. Mas considerando o fato de que milhões de pessoas ainda acham que as vacinas contra a COVID matam e que preferem consumir fake News no Zap, eu tenho minhas dúvidas.
Por último devo dizer que sou a favor de uma educação libertadora e emancipadora. E vou continuar a buscar isso para quem realmente quiser. Mas essa educação só vai ser uma verdade geral quando for um projeto mais amplo, que envolva pais, Estado, instituições e estudantes.
Por enquanto, ela é pura hipocrisia…
Maricell
10 de abril de 2023
👏👏👏
Luis Fernando
Aplausos ao seu Comunicado e à sua coragem ao publicá-lo! Tive excelentes professores ao longo da vida, mas tive também aqueles que *fingiam ensinar para alunos que fingiam aprender* (Hamilton Werneck), algo cômodo para ambos. Realmente Hipócritas!
PS. Admiro e respeito você cada vez mais.
Abraços
Maria Celia Zanirato
blogdoamstalden
11 de abril de 2023
Muito obrigado pelas palavras, minha amiga. Mas eu devo dizer que estou bastante triste com essa situação e por isso Tomei essa decisão. No entanto eu quero que todos saibam e não Vou aprovar todo mundo na surdina. Acho que tenho o direito a requerer essa dignidade. Grande abraço
Maricell
11 de abril de 2023
Prezado Professor:
Entendo perfeitamente sua decisão e minha admiração e respeito por você continua e será sempre a mesma!
Grande abraço
Maria Celia Zanirato
Maria das gracas dos santos
15 de abril de 2023
Caro Luiz Fernando,
Quantas vezes me senti assim como você em 40 anos de ensino em diversas faculdades deste país!
Não pude deixar de lhe responder nem que fosse para demonstrar empatia.
Este seu desabafo é humano demais!
Ah! Sempre gosto de seus comentários maduros e bem sensatos lá no face!
Somos profissionais conversadores…e na verdsde, o que está nos afetando é a dissolução do vinculo professor-aluno…assim, virou rotina estressar com a moçada preguiçosa da sociedade da curtição
blogdoamstalden
15 de abril de 2023
Muito obrigado pelas palavras, minha amiga. De fato eu não aguento mais toda essa situação que fica entre a farsa e a hipocrisia. Mas estou tendo uma surpresa interessante. Parece que muitos alunos e alunas querem continuar e eu vou poder me dedicar mais a eles. Ainda é muito cedo para dizer, mas vou continuar e depois escrevo sobre os resultados.
Milla
19 de abril de 2023
Sempre muito assertivo em seus textos. Fui sua aluna em 97 em uma instituição particular na cidade. Me recordo de suas aulas sobre legitimidade e vários outros assuntos com saudade. Hoje sou professora e me identifico em muitas linhas do seu texto. Percebo no dia a dia, que vem de cima a hipocrisia, daqueles que com uma ‘canetada’ mudam o destino de milhares de pessoas, com desleixo e sem comprometimento com algo tão nobre e transformador como a educação.
blogdoamstalden
19 de abril de 2023
Você deve ter sido minha aluna no liceu e eu fico muito orgulhoso em saber que você ainda se lembra das aulas sobre legitimidade. Muito obrigado