O Natal e a delicadeza. Por Luis Fernando Amstalden

Posted on 22 de dezembro de 2023 por

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Eu não sei do que elas eram feitas. Parecia uma espécie de vidro que ao se quebrar, também produzia cacos. Só não eram mais perigosos porque as bolas de Natal, que pendurávamos nas árvores, eram muito finas, tão finas que não chegavam a cortar fundo se nos espetávamos nos cacos.

E para ser mais preciso, nem todos esses enfeites tinham a forma esférica. Alguns eram em forma de gotas, outros de losangos bem alongados e alguns até em forma de frutas. Havia um em minha casa que era em formato de um cacho de uvas e, para mim, era um dos mais bonitos.

Também haviam os que tinham uma espécie de purpurina colada neles ou até desenhos. E eram todos muito delicados. Delicados a ponto de exigir nosso extremo cuidado para tirá-los das caixas, pendurá-los e depois, fazer o caminho inverso até o ano seguinte.

Claro que eles quebravam. Nada é eterno nessa Terra. E é claro que nós lamentávamos quando isso acontecia, principalmente se fossem aqueles enfeites que julgávamos mais bonitos e que  eram, sim, mas antigos. Aliás, quanto mais antigo melhor, porque traziam uma história. Haviam sido de avós, de outros parentes ou comprados muito tempo antes, fazendo parte de uma tradição. Eram objetos que retomávamos, reconduzíamos a luz e à evidência em uma época determinada e não reproduzível em outras datas, daí seu encanto. O encanto do tempo de celebrar e que era curto, não vulgar.

Não sei se estes enfeites ainda existem no mercado. A última vez que fui comprar alguns,  tempos atrás, quando ainda tinha alguém para compartilhar uma árvore de Natal, só encontrei peças de plástico, bem menos bonitas a meu ver.

E quando comprei aquelas bolas de plástico, ocorreu-me o quanto elas eram impessoais. Mais duráveis, sim, mas também descartáveis e sem importância, afinal não exigiam grandes cuidados no manuseio. Não exigiam delicadeza…

Sua dureza nos torna descuidados e até desapegados em um sentido ruim. O sentido de que não temos que cuidar delas.

Parece-me que nos tornamos também duros. Que também perdemos a delicadeza de lidarmos com as coisas e com as pessoas, os sentimentos e, porque não dizer, com a própria vida, seja a nossa ou a dos outros seres.

Prensados pelas exigências do trabalho, da competição, do medo eterno de também sermos descartados da vida dos outros ou do nosso trabalho. Perdemos a delicadeza com o Natal e com tudo o mais.

Claro que as coisas são muito mais complicadas, que nem sempre conseguimos escolher. Mas talvez, talvez, redescobrir a delicadeza ao tratar com um objeto que tem um significado e uma fragilidade próprios, possa nos ajudar a resgatar a delicadeza necessária para com os outros seres, os sentidos das festas e até conosco e com nossa vida.

Talvez seja um pequeno “exercício” que nos leve, depois, a cultivarmos com mais delicadeza uma planta, a vida de um animal, de um ser humano, até porque tudo isso é frágil e exige delicadeza para que não nos deixe antes do tempo.

Porém, as vezes uma situação e uma relação podem ser tão complicadas que se torna insustentável e, então, frágeis ficamos nós e frágil fica a própria situação e, nesse caso, o ato mais prudente é um afastamento que é, também uma forma delicada de reagir.  Algo como não mexer em um objeto que, por sabermos frágil e por sabermos não termos como tocá-lo, é melhor que nos afastemos.

Mas outros objetos e relações talvez possam ser resgatados e usufruídos com delicadeza que temos que reaprender.

Nesse Natal e nesse Ano Novo, eu quero retomar essa atitude mais delicada. Reaprender muito que perdi e aprender outras que nunca entendi direito antes.

Porque o Natal é a celebração da vida. E a vida é frágil. E exige delicadeza.

Feliz Natal e um ano novo cheio de aprendizado e delicadeza a você que lê esse texto.

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