Mulheres a Beira de um Ataque de Nervos

Posted on 22 de abril de 2012 por

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Anos atrás, vi uma propaganda de laboratório farmacêutico daquelas que só é enviada aos médicos. Na foto, em primeiro plano, uma bela mulher. Em uma das mãos trazia uma pasta de executivo, com a outra segurava a mão de um menino pequeno que por sua vez segurava a da irmã um pouco mais velha. Todos muito bem vestidos e as crianças estavam de uniforme escolar de alguma escola de primeira classe. Em segundo plano via-se um carro importado e em terceiro, uma bela casa. Os três sorriam abertamente. A legenda da propaganda afirmava: “mãe amorosa, esposa dedicada, profissional de sucesso”. Abaixo, o nome do produto anunciado: um calmante “faixa preta” destes vendidos somente com retenção da receita. É impressão minha ou há algo errado aí? Há algo correto e algo muito errado.

A empresa está correta na sua avaliação. As mulheres entraram com força no mercado de trabalho. Gerenciam empresas, desempenham praticamente todas as funções que um homem também desempenha, mas continuaram acumulando outras, como a administração prioritária da casa e a maior carga de responsabilidade no cuidado e educação dos filhos. Pior, mesmo trabalhando sua renda é inferior, o IBGE (2008) reporta que as mulheres ganham em média 30% menos do que os homens, mesmo em funções iguais. Com “jornada tripla” e pouco reconhecimento, só se aguenta a base de calmantes.

O errado é exatamente isso. Tantas funções, tanto peso, tanta ansiedade não constituem elementos de uma vida de qualidade, com equilíbrio. Claro que o problema da ansiedade não é exclusivo das mulheres. Ao contrário, ansiedade aguda hoje é uma “epidemia”, mas a este é outro tema. O que importa aqui é a reflexão sobre a situação da específica da mulher com seus múltiplos papéis.

Durante milhares de anos o domínio masculino se impôs principalmente através do poder econômico, do fato do homem deter a renda e/ou a propriedade. Agora isto se perde na medida em que as mulheres assumem o trabalho assalariado e os empreendimentos. No entanto as estruturas sociais permanecem nos nossos hábitos. Continuamos a esperar, por exemplo, que a administração da casa seja feita principalmente pelas esposas. A mesma coisa em relação as crianças, que continuam a ser vistas como uma responsabilidade basicamente feminina.

Do ponto de vista das relações pessoais, também mantemos antigas formas de comportamento. A agressão às mulheres ainda é extremamente comum, bem como a discriminação profissional, da qual os salários menores são um exemplo. Ou seja, muda a situação material, mas não a social, ou pelo menos não muda na mesma proporção.

Um leitor masculino pode pensar, ao ler este artigo, que o prejuízo é principalmente das mulheres. Errado! O prejuízo é de todos nós. Um casal que vivencie a sobrecarga feminina está sujeito a tensões, conflitos e desgastes de todos os tipos. Os filhos, por sua vez, sofrem com isso. Ou seja, não há prejuízo maior ou menor. Há aquela que sofre primariamente (a mulher) e os que sofrem secundariamente (todos os outros).

Uma leitora que esteja acompanhando o que escrevo pode, então, pensar que a mudança principal de comportamento deve vir do homem. Errado de novo! Ocorre que o machismo, que ainda desvaloriza a mulher, que não remunera o seu trabalho da mesma forma que o trabalho masculino, que mantém uma carga maior de responsabilidades para o sexo “frágil”, é um fenômeno muito mais forte e sutil do que imaginamos. Após tantos anos de dominação machista, as mulheres incorporaram o mesmo código de valores. Ou seja, são tão ou mais (em alguns casos) machistas do que os homens.

O sociólogo Anthony Giddens, afirma que qualquer casal que se una hoje em dia, tem pela frente o desafio de reinventar a união, reorganizar a vida e dividir as tarefas em outros modelos que não aquele da sociedade machista e patriarcal. Isso significa repensar tudo, inclusive a relação com os filhos e com a casa. Concordo plenamente com esta observação.

Porém não existe uma fórmula pronta para tal “reinvenção”. Trata-se de um processo que envolve a autorreflexão e o diálogo permanente. Trata-se de homens e mulheres buscando em si mesmos os comportamentos machistas e a sua superação.

Amanhã é o Dia Internacional da Mulher. Ao invés de prestar e/ou receber homenagens tolas, que tal refletirmos um pouco a respeito do machismo que existe em nós mesmos? Este é o começo de uma nova família, construída  com respeito, dignidade e qualidade de vida para todos. Difícil? Fácil não é. Fácil é tomar calmante. A industria farmacêutica agradece.

(Este artigo foi publicado originalmente no dia  07 de março de 2012 no Jornal de Piracicaba)

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