A Índia Humana – Por Luis Fernando Amstalden

Posted on 3 de junho de 2012 por

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Foto de Juliana Machado Amstalden

Poucos países são tão estereotipados quanto a Índia. Desde o século XVI quando os portugueses passaram a comercializar diretamente com os indianos, passando pelo domínio Britânico e até os dias de hoje, a Índia é vista pelo senso comum,  como um inferno ou como um paraíso. Ou é o “continente bárbaro” a ser “civilizado” pelos ocidentais, ou é o sublime depósito de sabedoria e filosofia que vai “civilizar e espiritualizar” o Ocidente.

A Índia tem sabedorias e espiritualidades muito ricas, mas também tem problemas, conflitos e contradições muito sérias. Enfim, a Índia é como qualquer país do mundo: bom e mal ao mesmo tempo; sublime e mundana. A Índia é humana.

O Ramayana, que já comentei neste Blog, é um dos exemplos da cultura indiana sofisticada, sutil e repleta de sabedoria, mas a obra não pode ser tomada como o espelho do universo multicultural indiano. Os livros europeus preconceituosos do século XIX, com suas imagens de viúvas imoladas na pira crematória dos maridos ou de Thugs assassinos cultuando a deusa Kali, também não representam o país. Ele é tudo isso e nada disso. É isso e muito mais.

Uma obra excelente para o leitor que quer aprender mais da Índia real e, de quebra, da Índia que se moderniza, é o livro de Vikran Chandra, escritor indiano e professor universitário na Califórnia. Em “Jogos Sagrados” (Cia das Letras 2008) o autor demonstra os aspectos mais humanos, múltiplos e conflituosos do universo hindu.

A obra mescla a novela policial, a crônica de costumes e o relato da modernização indiana, de sua “invasão” pela indústria e pelo pensamento ocidentais. Um policial (Sartag Singh) consegue encurralar um mafioso (Ganesh Gaitonde) – sim, existe crime organizado por lá – e a partir deste cerco a história dos dois se desdobra, retrocede, liga-se a outras e volta a se centralizar. Temos um desfile de personagens exóticos e ao mesmo tempo conhecidos. A cafetina que fornece atrizes jovens para executivos, bandidos e atores; os chefes de polícia corruptos que mantém esquemas de extorsão e propina; o guru fundamentalista que quer apressar o fim do mundo ao mesmo tempo em que mantém retiros espirituais e contatos com gangsters e terroristas; um homem pobre que estuda e vai do desespero a militância socialista e desta ao cinismo e ao crime comum. A narrativa se expande e encolhe, expande e encolhe como o pulsar da vida indiana. As linhas se entrelaçam de maneira surpreendente e, ao final, ficamos com uma outra imagem da Índia, mais humana, mas real, mais próxima de nós e não menos fascinante.

Não se assuste com o tamanho do livro (por volta de 900 páginas). A leitura é prazerosa e fácil, tem um bom glossário e, o fato de ser grande, só alonga seu prazer de ler.

 

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