Peixes Mortos – Por Luis Fernando Amstalden

Posted on 14 de junho de 2012 por

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Foto de Juliana Machado Amstalden

Nas Ciências Sociais utilizamos o conceito de “sociedade de simulacros” para definir um dos aspectos do mundo contemporâneo. Simulacro quer dizer simulação, cópia, aparência, reprodução imperfeita. Trata-se de um conceito bem amplo, mas grosso modo, aplicado a sociedade, significa que vivemos num tempo onde a aparência é mais importante do que a essência, do que a realidade. Isso está disseminado e faz parte do conceito mais extenso de “pós modernidade” ou ainda de “modernidade líquida”. A propaganda, por exemplo,  nos diz que ter um carro novo é sinal de sucesso e nós acreditamos e compramos, mas não parece importar o fato de que os proprietários “de sucesso” estão, na maioria das vezes, endividados para pagar o dito carro.

Da mesma forma, em termos políticos e sociais, importa mais o que parece ser do que o que realmente é. É como se a consciência crítica ficasse mais fraca e passássemos a acreditar mais nas montagens, nos espetáculos e nas imagens construídas do que na realidade social, política, econômica e, porque não dizer, ambiental.

Em março passado, no Dia Internacional da Água, alguns vereadores e autoridades estiveram na beira do Rio Piracicaba, perto da nova passarela, cuja utilidade já questionei antes. Fizeram uma pequena cerimônia de comemoração. Pouco depois, um enorme peixe de concreto foi finalizado na entrada da cidade com o objetivo de homenagear a cidade “onde o peixe para”.  A meu ver, muito feio (horrendo para minha esposa), mas enfim isso é questão de gosto pessoal. De qualquer modo ele está lá, e tem, inclusive, uma iluminação noturna que muda de cor.

Agora vamos aos fatos. Segundo a CETESB, a Bacia do Rio Piracicaba é uma das piores do Estado. E dentro dela, a pior qualidade é exatamente a do Rio Piracicaba que corta nossa cidade, atingindo a nota 21 numa escala que vai de zero a cem.  Ou seja, nosso rio vai mal, está mais morto do que vivo. Esta é uma questão antiga. Desde a década de setenta, na verdade até antes, vemos o rio se deteriorando e ouvimos as muitas promessas de melhoria. De fato algumas até foram feitas, mas a degradação persiste.

E persiste por quê? Porque alterar a qualidade do Rio e da Bacia inteira é uma questão técnica, mas também é política, econômica e social. Falemos francamente, não é possível aumentar indefinidamente a população da cidade e da região mantendo o rio limpo. A cada centena de pessoas a mais temos um aumento de dejetos, de esgoto. A cada fábrica a mais temos aumento da população e também dos dejetos. Isso significa que devemos evitar novas empresas e fábricas? Significa que devemos abrir mão do desenvolvimento? Não, mas significa que temos que reconsiderar que tipo de desenvolvimento queremos. De nada adianta gerarmos um crescimento que traga mais empregos mas, ao mesmo tempo, aumente o custo de vida na cidade, por exemplo. Daí chegamos ao ponto fundamental: é preciso replanejar, repensar e buscar novas formas de gestão e planejamento do crescimento econômico. Não há um caminho pronto, há um desafio de buscar o crescimento junto com a manutenção do meio natural. Temos que abrir mão de velhos conceitos e procurarmos novas soluções, mais criativas, mais modernas para garantirmos que o crescimento de hoje não é o colapso de amanhã.

No entanto, não é isso que temos visto aqui e mesmo no restante do país, salvo raras exceções. Aqui e acolá parece que o discurso de um crescimento sustentável é apenas um simulacro. Na realidade mantemos os velhos modelos de industrialização e exploração sem investirmos mais pesadamente na busca de novos caminhos. Constroem-se passarelas caras e questionáveis sobre um rio agonizante e se oficializa uma cerimônia vazia perto dela. Constroem-se peixes de concreto para simbolizar uma realidade que já não existe. Mantém-se o espetáculo, a imagem, o simulacro enfim. Enquanto isso, seja no rio, seja em concreto na beira da pista, os peixes estão mortos.

Ilustração de João Paulo Batistella

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