HUMILHANTE DEMAIS – Por Antônio Carlos Danelon

Posted on 13 de junho de 2012 por

5



Tucanos e petistas disputam a paternidade dos programas de transferência de renda, mais especificamente do Bolsa Família, embora ações desse tipo já existissem em outros países. Penso que se os dois partidos e demais simpatizantes tivessem alguma noção da dignidade humana não se ufanariam tanto, pois miséria é consequência da ação e omissão do poder público. Está do lado do opressor um governo que não se empenha na luta pela equidade. Além de seu dever, é o único capaz de garantir condições de vida decente a um número cada vez maior de cidadãos. Pobreza não mata ninguém; injustiça sim, e é ela que vem crescendo. Num Brasil muito mais pobre meu pai criou oito, na dureza, mas com brio. Minha mãe nunca trabalhou fora e bolsa só de canguru.

Além dos órfãos do sistema, esses programas acabaram por agradar a todo mundo. Aos ricos por não terem que devolver o que acumulam desde os tempos da escravidão, até hoje mantida; às classes dominantes por verem reduzidos os índices de pobreza, que ainda envergonham o Brasil; à elite por não precisar abrir mão dos privilégios ajuntados à custa da negação dos direitos da plebe, especialmente o da informação, que abre a mente. Por isso afirmava Silvio Caccia Bava: “Pobre é aquele que não pode decidir sobre sua vida, e não aquele que não tem nada”.

Foi também uma forma de repartir um pouco da renda nacional sem provocar conflitos ou mudanças radicais num sistema ainda excludente e perverso; uma mão na roda para prefeitos, que podem torrar em obras ornamentais os recursos que teriam que usar no combate à pobreza; e por tabela esvaziaram as lutas populares por qualidade de vida levando milhares de cidadãos à dependência. Se esses programas se acabarem o que será dessa gente? “Nada de esmolas. Deem escolas! Depois vamos cuidar do resto!”, diziam os haitianos a Asha-Rose Migiro, Vice-Secretária Geral da ONU em visita ao Haiti. (Folha de São Paulo 09.05.10).

Por outro lado, embora devessem se adaptar às necessidades e peculiaridades de cada região, são programas bem sucedidos no aspecto econômico porque levaram renda e aqueceram o comércio em pontos remotos do país, propiciando à camada mais pobre acesso ao consumo, e quem consome vira gente. Também forçaram a permanência das crianças na escola e melhoraram os cuidados primários de saúde. No entanto, foi o aumento real do salário mínimo a principal causa da redução da pobreza.

Mesmo assim, “Não basta incluir. É preciso emancipar” dizia Paulo Freire. Ora, emancipação se consegue com informação, emprego, educação, oportunidades, participação, capacitação, crédito e justiça social. Que de sustentável e digno existe em distribuir dinheiro de forma mágica sem mudança de paradigmas? Além do mais quem sustenta esses programas são os assalariados, que vêm sua qualidade de vida cada vez mais deteriorada por levar nas costas as vitimas do sistema. Quanto custa o aparato que mantém esses programas? Não estaria ficando mais caro o andaime que o prédio?

E, por fim, que palhaçada é essa se os impostos consomem 30% da renda dos mais pobres, que precisam trabalhar 91 dias a mais que os ricos por ano, para pagar tributos conforme aponta pesquisa do IPEA?  O governo dá com uma mão e tira com a outra. Em vez de Bolsa Família, Renda Cidadã, Ação Jovem, Brasil Carinhoso, abaixe de fato os impostos, não dos carros, mas do que afeta diretamente a vida do pobre.

“Comerás o pão com o suor do teu rosto” diz o Gênesis. Embora haja exceções, o que não é conquistado com esforço não tem valor, pois afrouxa o caráter e contraria o mais profundo da alma humana; e isso tem um preço. Numa das reuniões que eu fazia com as famílias na periferia não me esqueço da fala de uma jovem mãe com a criança no colo: “Eu pego Bolsa Família porque é meu direito, mas é humilhante demais”.

Antônio Carlos Danelon é Assistente Social.

totodanelon@ig.com.br