Tucanos e petistas disputam a paternidade dos programas de transferência de renda, mais especificamente do Bolsa Família, embora ações desse tipo já existissem em outros países. Penso que se os dois partidos e demais simpatizantes tivessem alguma noção da dignidade humana não se ufanariam tanto, pois miséria é consequência da ação e omissão do poder público. Está do lado do opressor um governo que não se empenha na luta pela equidade. Além de seu dever, é o único capaz de garantir condições de vida decente a um número cada vez maior de cidadãos. Pobreza não mata ninguém; injustiça sim, e é ela que vem crescendo. Num Brasil muito mais pobre meu pai criou oito, na dureza, mas com brio. Minha mãe nunca trabalhou fora e bolsa só de canguru.
Além dos órfãos do sistema, esses programas acabaram por agradar a todo mundo. Aos ricos por não terem que devolver o que acumulam desde os tempos da escravidão, até hoje mantida; às classes dominantes por verem reduzidos os índices de pobreza, que ainda envergonham o Brasil; à elite por não precisar abrir mão dos privilégios ajuntados à custa da negação dos direitos da plebe, especialmente o da informação, que abre a mente. Por isso afirmava Silvio Caccia Bava: “Pobre é aquele que não pode decidir sobre sua vida, e não aquele que não tem nada”.
Foi também uma forma de repartir um pouco da renda nacional sem provocar conflitos ou mudanças radicais num sistema ainda excludente e perverso; uma mão na roda para prefeitos, que podem torrar em obras ornamentais os recursos que teriam que usar no combate à pobreza; e por tabela esvaziaram as lutas populares por qualidade de vida levando milhares de cidadãos à dependência. Se esses programas se acabarem o que será dessa gente? “Nada de esmolas. Deem escolas! Depois vamos cuidar do resto!”, diziam os haitianos a Asha-Rose Migiro, Vice-Secretária Geral da ONU em visita ao Haiti. (Folha de São Paulo 09.05.10).
Por outro lado, embora devessem se adaptar às necessidades e peculiaridades de cada região, são programas bem sucedidos no aspecto econômico porque levaram renda e aqueceram o comércio em pontos remotos do país, propiciando à camada mais pobre acesso ao consumo, e quem consome vira gente. Também forçaram a permanência das crianças na escola e melhoraram os cuidados primários de saúde. No entanto, foi o aumento real do salário mínimo a principal causa da redução da pobreza.
Mesmo assim, “Não basta incluir. É preciso emancipar” dizia Paulo Freire. Ora, emancipação se consegue com informação, emprego, educação, oportunidades, participação, capacitação, crédito e justiça social. Que de sustentável e digno existe em distribuir dinheiro de forma mágica sem mudança de paradigmas? Além do mais quem sustenta esses programas são os assalariados, que vêm sua qualidade de vida cada vez mais deteriorada por levar nas costas as vitimas do sistema. Quanto custa o aparato que mantém esses programas? Não estaria ficando mais caro o andaime que o prédio?
E, por fim, que palhaçada é essa se os impostos consomem 30% da renda dos mais pobres, que precisam trabalhar 91 dias a mais que os ricos por ano, para pagar tributos conforme aponta pesquisa do IPEA? O governo dá com uma mão e tira com a outra. Em vez de Bolsa Família, Renda Cidadã, Ação Jovem, Brasil Carinhoso, abaixe de fato os impostos, não dos carros, mas do que afeta diretamente a vida do pobre.
“Comerás o pão com o suor do teu rosto” diz o Gênesis. Embora haja exceções, o que não é conquistado com esforço não tem valor, pois afrouxa o caráter e contraria o mais profundo da alma humana; e isso tem um preço. Numa das reuniões que eu fazia com as famílias na periferia não me esqueço da fala de uma jovem mãe com a criança no colo: “Eu pego Bolsa Família porque é meu direito, mas é humilhante demais”.
Antônio Carlos Danelon é Assistente Social.
totodanelon@ig.com.br
Kaique Rossini
14 de junho de 2012
Creio que faltou ler o projeto do Eduardo Suplicy, para coloca-lo num patamar de filho que tem sua paternidade disputada. A discussão acerca das desigualdades sociais, qualidade do ensino, oportunidade é uma, confundi-los com programas de distribuição de renda é um equivoco comum, que diz respeito à ideologia do trabalho, principalmente em São Paulo com sua tradição “italiana” do trabalho… colocando os programas de sociais como esmola… O Brasil é um pais de pobreza extrema, principalmente em seus confins, os quais a analise foi correta, no sentido do aquecimento da economia local, porém, no tocante a emancipação, ninguém se emancipa, seja economicamente, seja romanticamente nos termos da alienação humana, enquanto a sua preocupação maior é se haverá comida para seus filhos no fim do dia. Creio que existe uma lacuna, um vazio muito grande, das vozes que realmente são beneficiadas por estes programas. Nunca li uma analise, uma opinião, um trabalho mais elaborado acerca do impacto destes programas, nas palavras de quem os recebem. Até agora li muito sobre opiniões, mais ou menos embasadas nas experiências e na ideologia, de quem está de fora, o que acaba deixando uma margem muito grande para achismos e opiniões baseados em expectativas individuais dos narradores. Estes projetos, creio eu, não são um fim em si mesmo, mas a ideia é de uma alavanca. Não concordo com a lógica de que quem recebe essa ajuda se acomoda, pelo contrario, o que acontece é que o celebro não funciona com a barriga vazia.
Kaique Rossini
14 de junho de 2012
cérebro* kkk
Antonio Carlos
17 de junho de 2012
Barriga fazia impede o cérebro de funcionar, certo. Como a Bolsa Família enche menos da metade da barriga isso implica que o cérebro vai funcionar pela metade? Sem discutir méritos ou deméritos do programa, pergunto quem de nós se sentiria digno recebendo Bolsa Família. Quando afinal todos os brasileiros terão condições de sustentarem a si e suas famílias com dignidade?
Antonio Carlos Danelon
18 de junho de 2012
Em minhas andanças como assistente social pude observar ao vivo as consequencias pouco positivas do programa Bolsa Família. Após receber o dinheiro vi pessoas regredirem na luta pela própria emancipação. Nas reuniões que fazia, a maioria dos beneficiados dizia que se pudesse comprar e pagar as contas com o suór do proprio rosto se sentiria melhor; mas que aceitava o benefício por achar obrigação do governo “ajudar os pobres”, e se ele está dando por que recusar?
Kaique Rossini
18 de junho de 2012
Partindo do pressuposto que estes projetos são esmola, colocar a dignidade numa balança fica realmente desproporcional, mas novamente, o pressuposto não pode ser este. Creio que o pressuposto vai no mesmo sentido das cotas, etnicas, sociais, etc, de uma tentativa de amenizar uma divida HISTÓRICA e de uma mudança deste quadro. Novamente, creio que a mesma sentença vale aqui, que dignidade exite com a barriga vazia? Também me faço a mesma pergunta, quando todos nós teremos condições de sustentarmos nossas familias com dignidade, num modelo de Estado ainda baseado culturalmente em capitanias hereditárias, numa cultura baseada no jeitinho e na privatização dos espaços públicos onde a rua é extensão da casa….enfim…bastante pano para manga para uma discussão, que não pode deixar de ser feita.