No século V antes de Cristo, o historiador Tucídides reproduziu o seguinte discurso de Péricles, estratego chefe da Atenas (cargo do poder executivo ateniense):
“A Constituição que nos rege nada tem a invejar às de outros povos: não imita nenhuma, ao contrário, serve-lhes de modelo. Seu nome é democracia porque não funciona no interesse de uma minoria, mas em beneficio do maior número. Tem por princípio fundamental a igualdade. Na vida privada, a lei não faz diferença alguma entre os cidadãos. Na vida pública a consideração não se ganha pelo nascimento ou pela fortuna, mas unicamente pelo mérito; e não são as distinções sociais, mas a competência e o talento que abrem caminho para as honrarias. Em Atenas, todos entendem de política e se preocupam com ela; e aquele que se mantém afastado dos negócios públicos é considerado um ser inútil. Reunidos em Assembleia, os cidadãos sabem julgar corretamente quais são as melhores soluções, porque não acreditam que as palavras prejudiquem a ação e, pelo contrário, desejam que a luz surja da discussão”
Péricles, citado por Tucídides em A História da Guerra do Peloponeso.
Relendo o texto por estes dias, ocorreram-me algumas observações.
A primeira é a de que a democracia, hoje, faz sim diferenças entre os cidadãos na vida privada. Não sei se em Atenas fazia, creio que sim. Mas o que importa é que o princípio não foi alcançado ainda.
A segunda é a de que não é o mérito hoje que traz a honraria, mas ao contrário do que Péricles afirmava, é ainda o nascimento e a fortuna sim. Quantos medíocres estão nas homenagens do poder público apenas pelo seu dinheiro?
A terceira é sobre a preocupação política. Nós não nos preocupamos. Pelo contrário, dizemos que política é coisa suja, que não nos interessa. Inútil nos parece preocupar-se com isso. Este descaso além do avesso da democracia, é muito útil a quem está no poder. Enquanto nós não nos preocupamos não questionamos e daí os eternos “tiranetes” e corruptos continuam a se eleger.
Por último me veio a questão do debate, da discussão. Péricles afirma que para o ateniense o debate é saudável. Dele nasce a verdade. Este é o conceito grego de dialética, o diálogo entre posições opostas que leva a uma posição mais correta, mais elevada, superior aos pontos de vista individuais. Curioso, mas o que mais ouvimos de gente que não gosta de política é que muito se fala e pouco se faz. Mas talvez precisemos debater mais mesmo. Dialogar para chegarmos a uma evolução.
Esta necessidade, porém, tem vários obstáculos. Eu diria que dois são os principais. A nossa pressa moderna, nosso ritmo de vida alucinado que nos impede de dialogar porque isso exige tempo. E a nossa vaidade e prepotência que nos impede de ouvir realmente os argumentos do outro. Geralmente não fazemos isso. Queremos apenas impor nosso ponto de vista, vencer uma discussão custe o que custar.
Tenho a impressão de que a democracia como os gregos pretendiam ainda é uma promessa. Não atingimos ainda um ponto que poderíamos chamar de bom e muito menos de ideal. A nossa sociedade parece ter perdido o interesse nela e confiar mais nas direções autoritárias, seja na direção “divina” dos lideres religiosos, seja na direção “profissional” dos executivos e líderes empreendedores. Pensar, discutir e participar dá muito trabalho, ao que parece.
Você pode ler este texto de duas maneiras: uma negativa e outra positiva.
A negativa significa passar ao desânimo total, a apatia e a alienação por achar que nada vai mudar. Que as pessoas não fazem a sua parte.
A positiva é encarar a democracia como um projeto em construção. Algo que não está pronto e cabe a nós construir.
Faça a sua escolha.
Antonio Celso Bisson
12 de junho de 2012
a nossa Sociedade não perdeu o interesse pela Política, vida social, Democracia…. ainda nem mesmo conquistou esse interesse. Somos um povo em formação. Difícil encontrar 4 gerações de “brasileiros autênticos”. Os ensinamentos de Péricles atingem pouca parte dos brasileiros. A mídia tbm não colabora. É só ver as opiniões na TV, só dá Economista. Difícil um sociólogo, Teórico Político, Professores, etc. Finalmente, qdo governantes nos chamam de CONTRIBUINTES e não de CIDADÃOS… Péricles tem um longo caminho pela frente!
blogdoamstalden
12 de junho de 2012
Antônio, você fez uma observação muito boa. Acho que não conquistamos este interesse mesmo. Gostei. Abraço.
Júlio Menezes
12 de junho de 2012
A sociedade está engatinhando ainda nessa formação, mas entendo que a passo mais largo. Hoje temos ferramentas que abre a discussão, e podemos ver uma crescente no entendimento das pessoas. A censura e outros artifícios usados pelos dominantes atrapalhou o crescimento político e intelectual dos “Contribuintes”, mas agora, nos igualamos na teia (rede), ainda que pouco que somos, o poder de alcance da informação pode ser gigantesco. Por isso que estamos aqui, para cumprir nossa missão, porque não mais poderão deter uma flor, a primavera estará completa.
blogdoamstalden
12 de junho de 2012
Temos as ferramentas, Júlio, mas é preciso demonstrar as pessoas que a política altera diretamente a vida delas. Acho que a maioria não percebe isso e, assim, as ferramentas não podem ser usadas direito. Temos um longo caminho mesmo pela frente. Abraço.
Sergio Arnosti Junior
12 de junho de 2012
É caros colegas, quando precisamos resgatar conceitos de séculos atrás, e ainda assim concluímos que uma palavra tão usada atualmente como “democracia” talvez demande muito tempo ainda para ser entendida e quem sabe um dia realmente ser aplicada, causa preocupação. Confesso que comecei a ler o texto da maneira negativa, mas quando percebi que que assim que vi o link cliquei e vi que já existiam outras pessoas preocupadas e dispostas a essa discussão o aspecto positivo prevaleceu, pois eu acredito que uma “semente”, enquanto existir pelo menos uma pessoa disposta a ragá-la, brotará, crescerá e sem dúvida dará frutos. Abraço a todos.