Nós e a Democracia – Por Luis Fernando Amstalden

Posted on 11 de junho de 2012 por

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No século V antes de Cristo, o historiador Tucídides  reproduziu o seguinte discurso de Péricles, estratego chefe da Atenas (cargo do poder executivo ateniense):

A Constituição que nos rege nada tem a invejar às de outros povos: não imita nenhuma, ao contrário, serve-lhes de modelo. Seu nome é democracia porque não funciona no interesse de uma minoria, mas em beneficio do maior número. Tem por princípio fundamental a igualdade.  Na vida privada, a lei não faz diferença alguma entre os cidadãos. Na vida pública  a consideração não se ganha pelo nascimento ou pela fortuna, mas unicamente pelo mérito; e não são as distinções sociais, mas a competência e o talento que abrem caminho para as honrarias. Em Atenas, todos entendem de política e se preocupam com ela; e aquele que se mantém afastado dos negócios públicos é considerado um ser inútil. Reunidos em Assembleia, os cidadãos sabem julgar corretamente quais são as melhores soluções, porque não acreditam que as palavras prejudiquem a ação e, pelo contrário, desejam que a luz surja da discussão

Péricles, citado por Tucídides em A História da Guerra do Peloponeso.

Relendo o texto por estes dias, ocorreram-me algumas observações.

A primeira é a de que a democracia, hoje, faz sim diferenças entre os cidadãos na vida privada. Não sei se em Atenas fazia, creio que sim. Mas o que importa é que o princípio não foi alcançado ainda.

A segunda é a de que não é o mérito hoje que traz a honraria, mas ao contrário do que Péricles afirmava, é ainda o nascimento e a fortuna sim. Quantos medíocres estão nas homenagens do poder público apenas pelo seu dinheiro?

A terceira é sobre a preocupação política. Nós não nos preocupamos. Pelo contrário, dizemos que política é coisa suja, que não nos interessa. Inútil nos parece preocupar-se com isso. Este descaso além do avesso da democracia, é muito útil a quem está no poder. Enquanto nós não  nos preocupamos não questionamos e daí os eternos “tiranetes” e corruptos continuam a se eleger.

Por último me veio a questão do debate, da discussão. Péricles afirma que para o ateniense o debate é saudável. Dele nasce a verdade. Este é o conceito grego de dialética, o diálogo entre posições opostas que leva a uma posição mais correta, mais elevada, superior aos pontos de vista individuais. Curioso, mas o que mais ouvimos de gente que não gosta de política é que muito se fala e pouco se faz. Mas talvez precisemos debater mais mesmo. Dialogar para chegarmos a uma evolução.

Esta necessidade, porém, tem vários obstáculos. Eu diria que dois são os principais. A nossa pressa moderna, nosso ritmo de vida alucinado que nos impede de dialogar porque isso exige tempo.  E a nossa vaidade e prepotência que nos impede de ouvir realmente os argumentos do outro. Geralmente não fazemos isso. Queremos apenas impor nosso ponto de vista, vencer uma discussão custe o que custar.

Tenho a impressão de que a democracia como os gregos pretendiam ainda é uma promessa. Não atingimos ainda um ponto que poderíamos chamar de bom e muito menos de ideal. A nossa sociedade parece ter perdido o interesse nela e confiar mais nas direções autoritárias, seja na direção “divina” dos lideres religiosos, seja na direção “profissional” dos executivos e líderes empreendedores. Pensar, discutir e participar dá muito trabalho, ao que parece.

Você pode ler este texto de duas maneiras: uma negativa e outra positiva.

A negativa significa passar ao desânimo total, a apatia e a alienação por achar que nada vai mudar. Que as pessoas não fazem a sua parte.

A positiva é encarar a democracia como um projeto em construção. Algo que não está pronto e cabe a nós construir.

Faça a sua escolha.

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