A Moça e a Motivação. Por Luis Fernando Amstalden

Posted on 19 de julho de 2012 por

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Jovem e esforçada, começou a trabalhar naquela empresa nos cargos mais baixos e foi progredindo. Casou-se e quer ser mãe. Mas conforme sua vida profissional se desenvolvia, faltava-lhe cada vez mais o tempo para se dedicar, ainda que uma parte do dia, a uma criança. E faltava também “fôlego”, porque embora  jovem, seu trabalho consumia. Horas a mais (sem pagamento extra, afinal tinha “cargo de confiança”), metas a cumprir, pressão dos gerentes regionais, da matriz (é uma grande empresa de varejo), falta de mercadorias irritando os clientes e os erros cada vez mais frequentes de funcionários insatisfeitos. Os níveis de estresse altos se propagam. Todos acabam por se contaminar, desde os funcionários até os clientes e as famílias dos funcionários.

Há poucos meses veio a “boa notícia”. A moça seria promovida a gerencia sênior. Salário um pouco melhor e responsabilidades muito maiores. Agora chefiaria outra loja. Antes, porém, uma reciclagem e um treinamento mais específico em São Paulo. Dois dias intensos, com palestras, aulas e novas diretrizes. Ao final, um palestrante veio falar sobre “motivação  profissional. Ocorre que lá pelas tantas o palestrante, querendo alavancar ainda mais seus ouvintes, perguntou-lhes do que eles se lembravam mais: do dia a dia estressante e problemático no trabalho ou dos bons momentos com a família? A intenção era dizer: “não se preocupem, estes momentos ruins no emprego você vai esquecer, mas as coisas boas (fora do emprego) estas ficarão”. Foi aí que ocorreu a reviravolta.

Minha amiga percebeu o óbvio. Ela não tinha mais tempo suficiente para viver as relações de família, de afeto, de amizade. E quando tinha algum, sua mente cansada e sua irritação a impediam de sair ou de curtir a companhia de outros. Tudo o que ela queria era ficar quieta em casa, tentando se recuperar do cansaço de um dia para poder enfrentar o outro. Pior, percebeu que o dinheiro não era suficiente nem para uma vida mais confortável do ponto de vista material, porque a cada conquista via-se instigada à outra dada a lógica do consumismo insano moderno. A moça percebeu que sua vida estava girando em torno do trabalho, cujos problemas ela deveria “esquecer” e pouco em torno dela, do marido, dos pais, dos amigos.

No dia seguinte, ao chegar ao trabalho, teve uma crise de choro que ninguém entendeu. Pouco depois tomou uma atitude, demitiu-se em caráter irrevogável naquele mesmo dia e às vésperas da promoção. Para muitos foi uma atitude impensada, precipitada e passional. Para mim não. Para mim foi uma atitude corajosa e sábia.

O trabalho deve nos manter, nos prover e, se possível, nos dar alguma satisfação, realização. Mas o trabalho não pode e não deve um fator de destruição de nossa vida. Se for, então significa que somos escravos, não seres humanos livres. Os antigos romanos sabiam disso, tanto que negavam aos seus escravos o atributo de “seres humanos” e referiam-se a eles como “ferramentas que falam”. A sociedade romana era brutal, mas menos hipócrita do que a nossa. Nós somos brutais, mas escondemos isso embaixo de belas palavras, de discursos que afirmam que, se você quer crescer, pode crescer. Não é bem assim. Milhares de trabalhadores no mundo todo e no Brasil, não podem crescer. Não podem porque não tem preparo, não tem tempo e acabam por não ter saúde para fazer nada mais do que se aguentar um dia após o outro. As corporações modernas são muito preocupadas com a imagem de “responsabilidade social”, mas são poucas as que realmente zelam pela qualidade de vida de seus trabalhadores. A maioria exige metas cada vez maiores, produção cada vez maior, esforços e sacrifícios cada vez mais intensos e não terão pudor de demitir os seus trabalhadores quando os ventos do mercado forem desfavoráveis.

Palestras motivacionais, na sua grande maioria, tentam passar a ideia da empresa como um time, como uma família. Isso é mentira. Empresas, como já dizia Weber, são organizações racionais voltadas para a geração de lucro, e só. Se fizerem algo pela sociedade e pelos trabalhadores o fazem por exigência legal ou até mesmo porque se forçarem demais, a mão de obra não aguenta. Mas se puderem aumentar os lucros à custa de pressões e metas absurdas, vão fazê-lo, pode apostar.

Minha amiga já está reempregada em outro posto de trabalho. É um cargo mais simples de salário mais modesto. Ela vai ganhar menos, mas vai viver mais e melhor, ainda que tenha que viver com menos. Mas tudo bem, ao final ela vai perceber que o que precisamos materialmente não é tanto assim. Já o palestrante vai continuar sua “ronda”, uma vez que existem muitas empresas com trabalhadores no limite do estresse. Faço votos que, nas palestras dele, outros percebam a sua realidade, como minha amiga percebeu.

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