Uma das ideias expressas no Ramayana, épico hindu que já resenhei neste Blog, é a de que o Deus Rama (mais conhecido no Ocidente pelo nome de Krishna, uma de suas encarnações) é a face amorosa da Divindade, o espírito da compaixão divina para quem todas as criaturas são preciosas e dignas de amor. Em um dos trechos mais bonitos, Rama se concentra profundamente e alimenta todos os seres do Universo ingerindo um único grão de arroz. Naquela noite, graças ao gesto de compaixão universal de Rama, todos os seres vivos dormiram alimentados, seguros e em paz. Todos dormiram como “Reis”, “Rajás” em Sânscrito.
Para os indianos, esta compaixão divina é “Satya”, a Verdade, e através da mesma compaixão que deve ser aprendida por todos, podemos chegar a união com Deus, ao fim do sofrimento e do ciclo de reencarnações. Este estado de “Atman”, União com o Divino, é a suprema Vitória – Jaya, que todos os seres podem alcançar.
Eu não sei se existe um Deus, ou uma Compaixão Divina. Tampouco sei se existe um sentido no Universo. Penso que existe, mas não posso ter certeza e nem posso almejar saber qual é este sentido. Na verdade, eu desejo que exista a compaixão universal que os indianos pregam. Desejo que exista um sentido no Universo, desejo que exista um Deus.
A cada vez que assisto o sofrimento humano e de toda vida nesta Terra, sinto-me dividido. Um lado meu desanima, tende a acreditar que o Universo é um fenômeno aleatório e a vida um “acidente” sem sentido, que vem do nada e retorna ao nada. Outro lado meu, nutre uma secreta esperança de que, no fim de tudo, no fim de minha vida eu, assim como todos os seres, possamos encontrar a compaixão.
Já aqueles que, ao contrário, afirmam ter certeza da não existência de Deus ou de Compaixão Universal, costumam justificar sua descrença através não somente da existência constante do sofrimento da vida, mas também através da ausência de manifestações divinas. Se Deus e sua Compaixão existem, dizem, então por que não se evidenciam? Por que não vemos suas manifestações sobrenaturais?
O que posso dizer? Eu não sei… Mas tenho uma esperança. Talvez, e só talvez, o Amor Universal Divino exista na medida em que ele está em nós. Na medida em que nós somos capazes de sentir compaixão pela vida, amor pela vida, respeito por tudo o que vive. Talvez esta seja a prova da existência de um Deus, afinal. E um Deus que se manifesta de maneiras menos sobrenaturais do que poderíamos esperar. Se manifesta de maneiras mais simples. Se manifesta através de nossas mãos. De nosso amor.
Alguém pode contra argumentar afirmando que então Ele não existe mesmo, já que a humanidade em particular é bastante cruel e pouco dada a gestos de amor desinteressado. Isto é fato. Crueldade e egoísmo parecem características mais comuns do que Amor e Compaixão. Mesmo assim elas estão aí, estão em muita gente, mais do que seria razoável se fossem apenas eventos aleatórios do caráter humano. Ou seja, se gestos de bondade desinteressada fossem apenas eventos isolados, talvez eles não fossem tantos. E são, logo talvez não sejam apenas “acidentes” num universo caótico, mas uma regra mais forte do que sua sutileza parece sugerir. Você pode afirmar que durante sua vida nunca testemunhou esta Compaixão se manifestar em você mesmo e em outras pessoas e até outros seres? Eu testemunhei e vivi, muitas vezes, talvez tantas quantas foram as vezes que vivi e presenciei o oposto, a maldade e o egoísmo. Há pouco tempo vi novamente.
Em junho passado, num dos dias em que choveu bastante e esfriou, uma faxineira em São Paulo encontrou quatro gatinhos abandonados na rua. Acuados em uma caixa, estavam prestes a serem mortos por um cão. A moça os recolheu e, sem ter ela própria um lugar, os levou para a casa onde iria trabalhar. A casa de um fotógrafo que já tinha quatro gatos. Um dos gatinhos estava machucado e todos estavam magros e famintos. Com oito gatos, a casa de meu amigo fotógrafo ficou superlotada, mas mesmo assim ele tratou dos filhotes e resolveu ficar com um, exatamente o ferido para quem julgou ser mais difícil arrumar outro lar.
Depois publicou em uma rede social na internet a foto dos três que não poderia manter. Um machinho e duas fêmeas. Foi por aí que os conhecemos. Eu e minha mulher sempre gostamos de animais e tínhamos o desejo de “adotar” um. No entanto a decisão era sempre protelada, ora por um motivo ora por outro. Mas ao vermos a foto dos três que buscavam um lar, a decisão foi imediata. “Adotamos” os três.
De minha parte, ao saber do abandono e da quase morte dos bichinhos, por frio, fome ou pelo ataque do cão, lembrei imediatamente das crenças indianas. Lembrei-me de Rama, para quem todos os seres são Reis, lembrei-me de como isso é a Verdade divina para a religião hindu e de como alcançar a compaixão de Deus é a Vitória. Lembrei também que a proteção de Deus talvez tenha se estendido aos animais, primeiro através da mão da moça que os recolheu. Depois pelo abrigo dado pelo meu amigo. Agora pelo lar que eu e Juliana dávamos. Talvez seja só meu desejo de ver as coisas assim, mas foi o que senti. Recolhemos, assim os três. Seus nomes? O machinho chama-se Raj, o Rei e as duas fêmeas chamam-se Satya, a Verdade e Jaya, a Vitória.
Se eu pudesse ter adotado os quatro, teria procurado um nome em sânscrito que significasse “esperança” para o último deles.
Fábio
21 de julho de 2012
Luis, a cada dia você revela a delicadeza de suas palavras. Existem homens que sabem pensar… poucos são os que, pensando, desvelam a doçura. Mais que texto ou reflexão, suas palavras se vestem com a beleza da poesia.
Parabéns,
Govinda Jaya!
blogdoamstalden
23 de julho de 2012
Fábio. Que grande elogio você me fez. Fiquei pensando em uma resposta, mas sinceramene fiquei sem saber o que dizer, a não ser “Muito Obrigado”. E vindo de você, que é um poeta então…
Escrevi um “poeminho” sobre o mesmo tema, vendo os gatinhos brincarem. Depois eu posto. Ainda vou dar um retoques. Gostoso conviver com eles e acabar sentindo vontade de escrever.
E você, meu Amigo, quando manda outro texto ou poema?
E quanto aos acessos, já estamos em 13694, três dias depois. Bom, né? Vamos pensar numa revista eletrônica mesmo?
Abraço e mais uma vez, MUITO OBRIGADO!
Govinda, ki Jaya!
fabiocasemiro
21 de julho de 2012
Caramba!!!!! 13.000 acessos!!!! Esse bom!!! Parabéns Luís.. (agora que eu vi!!!!…rs)
Andréa Nunes
21 de julho de 2012
Eu não canso de babar as fotos desses gatinhos lindos no Facebook da Juliana. Adorei conhecer a história dos nomes deles. Só acho que deveria ter mais fotos. Muitas! rs.
julianamachadoamstalden
21 de julho de 2012
Andréa…tem um milhão de fotos no face…babe bastante!!!! Prometo que sempre vou colocando mais e mais. Só para você. Que bom que gostou da história dos nossos pequenos…!!!! Beijos.
Anônimo
22 de julho de 2012
Eu acredito na compaixão divina e em DEUS, vejo-o em cada ser que compartilha nosso planeta, no brilho do olhar, na alegria, no interior de cada um de nós, habitantes do Universo, mora a compaixão divina, a verdade, a esperança e a semente do progresso em seu sentido mais puro. Nos gatos e nos animais também! Naqueles que são tão ladinos, desonestos, cruéis, também! E essa é a verdade mais difícil de viver…
Carla Betta
22 de julho de 2012
Ah! Foi enviada como “Anônimo” essa última, mas_ sou eu!
blogdoamstalden
23 de julho de 2012
Concordo Carla. Ver Deus nos cruéis e desonestos, no entanto, é uma grandeza que eu não atingi. Quem sabe eu um dia chegue a esta vitória espiritual… Jáya!
Abraço.
Angelica OR
22 de julho de 2012
Muito bacana e sensível a história e o texto,gostei.
Aliás estou curtindo seguir esse blog!
Eu que tenho um cachorro que curto muito desejo a vocês e os lindos gatinhos bons momentos!
blogdoamstalden
23 de julho de 2012
Obrigado Angélica. Fique a vontade para comentar e até enviar textos, se quiser. Abraço.
Silvia Turolla
23 de julho de 2012
Luis Fernando, impossível não chorar. Que linda atitude.. que tamanha demonstração do amor de Deus para com os animais… realmente, somos veículos Dele para expressarmos sua bondade, ou não. Que mais e mais pessoas leiam este precioso texto, e aprendam com vocês o verdadeiro sentido da vida e de Deus.. amar ao próximo, demonstrar esse amor, ainda que esse próximo tenha pelos, quatro patas e nariz de bolinha. Deus abençoe vocês cada dia mais.. e que essas três vidinhas lhes tragam muita alegria!! Silvia. Membro da Ong Vira Lata Vira Vida.
blogdoamstalden
23 de julho de 2012
Olá Sílvia. Muito Obrigado pelas suas palavras. O texto simplesmente “nasceu”, assim como “nasceu” também um “poeminha” que fiz sobre os gatinhos e o simbolismo do nome deles. Eu os estava vendo brincar e daí escrevi.É tão bom isso, se inspirar com algo simples como uma brincadeira de filhotes. Como você pode ver eles já estão nos deixando felizes. Outro dia posto o poema. E, uma oferta, se vocês da ONG quiserem usar o texto, ainda que impresso, para ajudar a divulgação da adoção de animais, fiquem a vontade. Eu só peço que coloquem o nome do autor… :-). Também, se quiserem publicar algum artigo aqui, fiquem a vontade. Meu e-mail está no Blog, no “gravatar”. Aliás, outro dia deixei um cartão meu com o endereço de e mail com alguém da ONG. Peço desculpas mas não me lembro o nome. Foi com você? Se foi, entrem em contato. Tenho outras coisas a dizer que talvez possam ajudá-los. Grande Abraço e obrigado por participar.
Camila
23 de julho de 2012
Linda história! Fiquei muito emocionada! Sou apaixonada por animais, e há alguns anos fiz a mesma coisa que a faxineira: trouxe para casa 5 gatinhos que estavam abandonados na rua. Às vezes, sinto a mesma dúvida que você narrou acima… e me pergunto se realmente existe um Deus. Mas quando olho nos olhos destes bichinhos, e quando penso na alegria que eles me proporcionam, na mesma hora minhas dúvidas são esquecidas e volto a confiar no amor divino, pois certamente foi Deus quem os colocou em meu caminho. Parabéns pela sua atitude de adotá-los, e obrigada por compartilhar sua linda história
blogdoamstalden
23 de julho de 2012
Camila. Talvez seja isso. Talvez Deus se “esconda” de nós nos pequenos gestos, nas pequenas vidas, nas pequenas atitudes. Talvez Ele “fale” conosco também assim. Eu não sei. Como eu disse no artigo, só posso nutrir a esperança. Por outro lado, sinto-me sempre melhor quando consigo manifestar a compaixão desapegada, seja para com um animal, seja para com um ser humano. E as vezes as “coicidências” falam tão alto.. Vc. sabe, a última gatinha, a Satya, que aparece deitada na foto, encostada no irmão, nós não iríamos adotar. Nosso apartamento é pequeno para três. Mas na última hora, olhando para os olhos dela, sentimos que era impossível deixá-la para trás. Bem, ela chegou e dois dias depois ficou doente, muito doente. Quase a perdemos, mas sarou. Está alegre e esperta, pulando pela casa e “xeretando” tudo. Ela já veio infectada por rinotraqueíte. Percebemos rápido e conseguimos um bom tratamento veterinário, aliás para os três. Eu ando me perguntando se ela estaria viva se não tivesse vindo para cá e que nossa atenção tivesse detectado o problema no começo. Talvez sim, talvez não. Talvez ela tenha vindo para cá para ser curada.
Abraço e muito obrigado por comentar.
Ps: escrevi um poeminha sobre as brincadeiras dos gatinhos e o significado do nome deles. Vou postar outro dia. Ainda preciso retocá-lo.
Anônimo
23 de julho de 2012
pode deixar… inclusive, passei o link por email… algumas pessoas já agradeceram por compartilhar seu artigo…. principalmente os que amam gatos… fiquei mais emocionada agora lendo sua resposta para a Camila… realmente, a Satya é uma menina de sorte! Tbm estou no aguardo para conhecer o poema!! VC é de Pira? Eu sou de Rio Claro e não foi para mim que vc entregou seu cartão..mas vou descobrir e entraremos em contato sim! abraços..
Silvia Turolla
23 de julho de 2012
pode deixar… inclusive, passei o link por email… algumas pessoas já agradeceram por compartilhar seu artigo…. principalmente os que amam gatos… fiquei mais emocionada agora lendo sua resposta para a Camila… realmente, a Satya é uma menina de sorte! Tbm estou no aguardo para conhecer o poema!! VC é de Pira? Eu sou de Rio Claro e não foi para mim que vc entregou seu cartão..mas vou descobrir e entraremos em contato sim! abraços..
Miriam Miranda
24 de julho de 2012
Luiz, vc demonstrou sensibilidade e reflexão profunda no seu texto. Sou apaixonada pela mitologia hindu, pela Índia onde estive por 2 vezes. Outra paixão são os animais, os abandonados, os esquecidos, os maltratados. Esses fazem meu coração bater mais forte, além da compaixão. Nessa semana vimos a ciência reconhecer “alguma consciência” nos animais. Já é um passo que pode ser seguido por outros de repeito, irmandade e amor. Lindo texto, oportuno, consistente e que presta um grande serviço: animais sendo tema de reflexões sérias. Grata por presentear os leitores com essa leitura. Ele foi muito além de uma resenha. Abs
Jean-Louis Buffet
24 de julho de 2012
Que belo gesto esse de adotar gatinhos que por uma razão ou outra iriam morrer! Sou pouco ou mal versado na religião hindu, mas me parece que essa compaixão pelos animais que ela prega relaciona-se mais à transmigração da alma em que hindus acreditam (almas de seres humanos mortos se apossariam de corpos de animais, plantas e até de matéria inanimada) do que ao reconhecimento de que todos os seres vivos sem excessão têm o mesmo “direito à vida” (aliás, falar em direito à vida é um absurdo porque é impossível submeter o fenômeno da vida à leis, não é?). Meus parabéns pelo texto escrito com capricho e estilo, Luís. Desde os tempos do colegial, você tinha vocação para as coisas do espírito.
Um forte abraço!
Jean-Louis Buffet
24 de julho de 2012
Acabo de reparar que cometi um erro grosseiro: é exceção e não excessão!
Heloisa Angeli
25 de julho de 2012
Feranando.
Estou adorando…. Grande abraço de paz e muita luz pra vc!
Heloisa
Gabriel
8 de julho de 2015
Grande Amstalden!
Quanta força, coragem e bondade há no coração daqueles que se inclinam para fazer o bem. Seu texto é realmente contagioso. =)
blogdoamstalden
17 de setembro de 2015
Fico honrado Gabriel.
Grasiela
21 de outubro de 2017
Muito lindo o texto e os nomes dos gatinhos, perfeitos! É numa reflexão dessa, que vemos com clareza a existência Divina! Deus existe sim e está dentro de quem O aceita e manifesta isso em atitudes simples, como a sua de dar abrigo e amor para três criaturas Dele!! Parabéns
Anônimo
22 de novembro de 2022
Parabéns amigo, esse poema diz tudo, me transportei nos seus versos, me transportei nos felinos, me transportei pra Índia, me transportei na verdade e me transportei na vitória.
E hj mais do que nunca (e vc sabe porque) acredito nessa tríade infalível!!!!!!
Parabéns mais uma vez!!!!!!
blogdoamstalden
23 de novembro de 2022
Escrever é um ato solitário que ten a esperança de encontrar a comunicação com alguém mesmo que de muito longe ou quem sabe mesmo que depois que nos formos deste mundo. Ter me comunicado com você através deste texto é a realização e o encontro esperançados. Muito obrigado pela leitura e pelo comentário.