Meu encontro com João Herrmann na Bienal do Livro. Por Beatriz Vicentini

Posted on 1 de setembro de 2012 por

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Cheguei à 22 Bienal Internacional do Livro em São Paulo por acaso. Viajei a São Paulo para trabalho, mas entrevistas e compromissos falharam. Então, resolvi aproveitar e ir até a Bienal. E num dos estandes, o da editora do Congresso Nacional, me encontrei com João Herrmann.

O livro estava ali, numa das prateleiras, num espaço onde pouca gente circulava.  Era o 63º volume da série Perfil Parlamentar: apenas uma foto e o nome João Herrmann Neto na capa.  Sabia que Valéria Rodrigues, que fora sua assessora de imprensa, iniciara os trabalhos para fazer sua biografia, tempos atrás. Mas ao folhear o índice, o material me pareceu estranho. Lembrei-me da última vez que almocei com João, um ano antes de sua morte, e ele falava com aquele seu ímpeto peculiar do livro que queria ver produzido e publicado, que analisasse seus anos de política em Piracicaba, as experiências do governo participativo, tantas tentativas que lhe pareciam tão distantes da compreensão dessa nova geração que aí está. Não me esqueço de suas palavras, com um pouco de mágoa, de que, com o vazio de registros e de memória que existia com relação ao que se passara em seus anos de prefeito, certamente seu filho mais novo jamais ouviria falar que ele trouxera água do Corumbataí para abastecer a cidade.

Posso estar enganada, mas creio que a publicação desse livro passou despercebida à Piracicaba. E até entendo porque pouco tenha sido divulgado. Acho que Piracicaba merecia mais. Acho que o João mais próximo de todos nós merecia mais.  Senti-me melancólica ao ler as poucas páginas que falam de sua vida, ficando todo o restante reservado a alguns artigos anteriormente publicados – dele e sobre ele – e uma seleção de discursos e projetos de lei apresentados enquanto deputado. Não que me pareça pouco significativo o trabalho que ele  desenvolveu como parlamentar voltado especialmente a questões internacionais e à democracia. Mas fora de Piracicaba, João Herrmann, por mais que ocupasse espaços com seu brilhantismo e ousadia, nunca foi o personagem principal.  Não chegou a vice-governador nem a senador. Não chegou a ministro. Teve, sim, muitos cargos claramente descritos na sua atuação parlamentar. Assim como tantos outros deputados tiveram e que serão esquecidos com o passar do tempo. Ou alguém se lembra quem foi Augusto Meira, Castro Pinto, Fausto Cardoso, Munhoz da Rocha, Vieira de Melo? – só para mencionar outros políticos cujas biografias compõem essa série de perfis publicados pela Câmara ao lado de alguns figurões.

Mas Piracicaba não esquecerá tão fácil João Herrmann Neto. E é justamente por isso que o foco de uma biografia que refaça sua trajetória merece ser a do prefeito de Piracicaba, agora já sendo olhado com um pouco mais de distanciamento permitido pelo tempo. Penso que daqui a 50 anos será difícil se entender as mudanças e o rumo político local sem se estudar a revolução que João Herrmann proporcionou ao final dos anos 70, início dos anos 80. Qualquer relato honesto que se faça de seu governo será cheio de controvérsias, de críticas, assim como foi sempre sua atuação. Mas isso não deveria ser empecilho para que o registro surgisse. Questões como participação popular em decisões de interesse público, atenção prioritária à periferia, abertura democrática, reorganização política foram temas recorrentes em seus anos de governo, marcados por expor claramente as contradições da cidade, as quais ele nunca se furtou.

Na introdução do livro, a jornalista Valéria Rodrigues admite que a idéia inicial era de uma biografia que levasse o leitor ao João criança e “ao rico período em que fora eleito prefeito de Piracicaba”. Mas fica difícil concordar com aquilo que ela acrescenta: “… com sua morte era preciso eternizar sua história de trabalho também no cenário piracicabano, sem julgamento de estilo, sem retomar conflitos sociais e de classe que ocorreram na cidade durante seu conturbado e inédito mandato”. De qualquer maneira, o livro se auto-explica, segundo também se registra nas primeiras páginas, pela decisão da família em optar por fixar a trajetória de João através da série Perfis Parlamentares, editada pela Câmara dos Deputados.

Para quem nunca se furtou a uma boa polêmica, a discussões às vezes até gratuitas, creio que João Herrmann deve estar pensando se realmente Piracicaba não merecia um livro que contasse mais.

Beatriz Vicentini é Jornalista e Escritora.

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