O amargo da vergonha. Por Patrícia Polacow (publicado originalmente o JP de 24 de agosto de 2012)

Posted on 8 de setembro de 2012 por

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Entre os que acompanham a polêmica do aumento do salário dos vereadores poucos sabem que até 1967 os membros eleitos para um cargo na Câmara Municipal de Piracicaba não recebiam qualquer remuneração. Havia consenso em torno da idéia de que “servir o povo não é emprego”. Vereadores de várias legislaturas desejaram mudar este estado de coisas.

Em um texto publicado em 10 de dezembro de 1959 no extinto jornal Diário de Piracicaba, o jornalista Izidoro Polacow contava que sessões da Câmara estavam deixando de ocorrer porque havia edis que se recusavam a comparecer a fim de evitar a discussão pretendida por alguns, a “apresentação de projeto estabelecendo subsídios para os futuros vereadores”. Ainda que a lei previsse o direito a tais subsídios havia vereadores que temiam perder votos nas próximas eleições: “(…) difícil ao povo entender que homens – e mulheres também – pleiteassem votos buscando ‘emprego’, em que, em última análise, se transformaria o honroso cargo de vereador (…) Reconhecemos, como todos, que o exercício do cargo demanda certo sacrifício de ordem pessoal. Mas os que a ele concorrem sabem, de antemão, quais sejam e o que os espera”.

A discussão, entretanto, foi à frente. Em novembro do ano seguinte a proposta foi rejeitada, após longa discussão e tentativas de realizar a votação em sessão secreta, o que acabou não ocorrendo. Segundo matéria do Jornal de Piracicaba de 8 de novembro de 1960, o “projeto dos subsídios” fora rejeitado, tendo sido necessário o “voto de Minerva” do então presidente da Câmara, Manoel Rodrigues Lourenço, que assim “traduziu a opinião geral do povo”.

Em seu artigo publicado naquele dia, o jornalista Fortunato Losso Netto, diretor do JP, escreveu: “Há (…) quem argumente que o exercício da função (…) gratuitamente, é antidemocrático, pois pode afastar aqueles que (…) não possuem a necessária independência econômica para deixar seus afazeres e dedicar algumas horas ao serviço da comunidade. Mas nós diríamos que, sempre é possível conciliar o interesse particular com o espírito público, e disso temos exemplos os mais dignificantes em Piracicaba. Há muita gente modesta com folha de serviços altamente enobrecedora, ao lado de grandes fortunas, que permanecem olhando para si mesmas (…) Felizmente, Minerva, a ‘Deusa da Sabedoria’ (…) salvou a cidade de uma resolução indesejável, que viria ferir fundo os nossos foros de cult ura e de civismo. (…) Piracicaba não merecia isso de seus edis, e Minerva (…) ‘baixou’ sobre o plenário da Câmara, afastando o cálice amargo da vergonha, dos lábios da nossa sempre ‘Noiva’…”

Anos depois, em 20 de dezembro de 1967, a resolução número 6 da Câmara Municipal criou e fixou a remuneração para os vereadores de Piracicaba. De lá para cá, de aumento em aumento, apagou-se da memória coletiva o ideário deste tempo em que o cargo de vereador ainda não se prestava à comparação com, citando Losso Netto, “vulgar título de renda”.

 Patrícia Ozores Polacow é Jornalista