A Festa e os Fatos. Por Luis Fernando Amstalden

Posted on 5 de setembro de 2012 por

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Em 1972, durante as comemorações do sesquicentenário da Independência, eu, criança de oito anos, estava eufórico com a festa. A televisão (em preto e branco) alardeava as comemorações. Havia exposições comemorativas, festas e eu participei, pela primeira vez, de um desfile nas ruas. Durante a semana toda que antecedeu o sete de setembro, usáramos pequenos broches feitos por nossas professoras com fitas verdes e amarelas. Todo dia havia um evento novo e na minha escola, o então Grupo Escolar Olívia Bianco, minha mãe (que era professora) e suas colegas dirigiram os alunos na encenação do “Grito do Ipiranga”. Uma de suas colegas veio a nossa casa e lá fizeram de papel as fantasias dos personagens. Apossei-me da espada de plástico que mais tarde seria o instrumento da proclamação e, eu mesmo, proclamei em alto e bom som, pelo menos umas vinte vezes, a independência brasileira no meu quintal.

O que eu não via e/ou não percebia, criança que era, eram os fatos por trás de tudo. Na escola, como tínhamos que entrar em forma militarmente e prestar juramento a bandeira além de ouvir o hino nacional e os poemas e textos que as professoras eram obrigadas a nos apresentar, muitas crianças desmaiavam durante o tempo em que tinham que ficar em pé rigidamente. Desmaiavam de fome. Desmaiavam porque estavam em jejum desde o dia anterior, desde a merenda escolar do dia anterior. Esta era a realidade de uma população pobre, que se coloria obrigatoriamente de “verde e amarelo”. Minha mãe e suas colegas, lá na frente, tinham já desenvolvido um olho clínico para os desmaios. Lembro-me de, um dia, ter conversado com o colega ao lado e, ao me virar, perceber minha professora olhando em nossa direção. Pensei que iria levar uma bronca, principalmente porque ela veio rapidamente em minha direção. Fiquei gelado, mas a professora passou por mim e aparou, ainda em queda, o colega de trás que desmaiava branco como uma folha de papel.

Eu via, mas não entendia este “pano de fundo” da festa. Também não sabia que a Independência em si não tinha nada a ver com o povo. E não teve no passado. D. João e D. Pedro queriam preservar o poder da casa real, ameaçado pela Revolução Liberal do Porto e os latifundiários brasileiros queriam comercializar diretamente com a Inglaterra, evitando o pagamento de taxas a Portugal. A Independência se deu por isso. Por interesses da elite. Não incluiu o povo, não aboliu a escravatura, não criou distribuição de renda. Em 1972 era a mesma coisa. Os militares no poder garantiam a elite contra reformas. O Milagre Econômico estava em seu último ano. A elite enriquecia sem oposição, sem greves e sem sindicatos. O PIB crescia, mas a renda se concentrava e meus colegas desmaiavam de fome patrioticamente, em formação militar.

Lendo este artigo, talvez você me veja como um chato. Alguém eternamente “do contra” que agora investe sobre a nossa “maior data nacional”. Pode até ser. Não posso controlar o que as pessoas entendem a respeito do que escrevo.

Porém, eu vejo diferente. Para mim, perceber os fatos reais por detrás da festa, é a verdadeira liberdade, não aquela “proclamada às margens do Ipiranga”. E digo mais, perceber a realidade é buscar a liberdade para o futuro. Penso que devemos sim, comemorar o sete de setembro, mas não como uma data do passado, e sim como uma proposta de futuro.

Uma proposta de um país mais justo, mais honesto, no qual as elites que continuam aí deem espaço a verdadeira democracia. Um país no qual a riqueza seja mais bem distribuída e no qual a justiça, em todas as suas faces, exista de fato. Neste sete de setembro, eu não vou proclamar a independência com uma espada de plástico no meu quintal. Mas vou refazer meus votos íntimos de buscar um país melhor, um mundo melhor. E com isso celebrarei a liberdade de escolher meu caminho de vida.

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