
Foto extraída de http://filhosdalight.zip.net/arch2009-11-08_2009-11-14.html
Em 1972, durante as comemorações do sesquicentenário da Independência, eu, criança de oito anos, estava eufórico com a festa. A televisão (em preto e branco) alardeava as comemorações. Havia exposições comemorativas, festas e eu participei, pela primeira vez, de um desfile nas ruas. Durante a semana toda que antecedeu o sete de setembro, usáramos pequenos broches feitos por nossas professoras com fitas verdes e amarelas. Todo dia havia um evento novo e na minha escola, o então Grupo Escolar Olívia Bianco, minha mãe (que era professora) e suas colegas dirigiram os alunos na encenação do “Grito do Ipiranga”. Uma de suas colegas veio a nossa casa e lá fizeram de papel as fantasias dos personagens. Apossei-me da espada de plástico que mais tarde seria o instrumento da proclamação e, eu mesmo, proclamei em alto e bom som, pelo menos umas vinte vezes, a independência brasileira no meu quintal.
O que eu não via e/ou não percebia, criança que era, eram os fatos por trás de tudo. Na escola, como tínhamos que entrar em forma militarmente e prestar juramento a bandeira além de ouvir o hino nacional e os poemas e textos que as professoras eram obrigadas a nos apresentar, muitas crianças desmaiavam durante o tempo em que tinham que ficar em pé rigidamente. Desmaiavam de fome. Desmaiavam porque estavam em jejum desde o dia anterior, desde a merenda escolar do dia anterior. Esta era a realidade de uma população pobre, que se coloria obrigatoriamente de “verde e amarelo”. Minha mãe e suas colegas, lá na frente, tinham já desenvolvido um olho clínico para os desmaios. Lembro-me de, um dia, ter conversado com o colega ao lado e, ao me virar, perceber minha professora olhando em nossa direção. Pensei que iria levar uma bronca, principalmente porque ela veio rapidamente em minha direção. Fiquei gelado, mas a professora passou por mim e aparou, ainda em queda, o colega de trás que desmaiava branco como uma folha de papel.
Eu via, mas não entendia este “pano de fundo” da festa. Também não sabia que a Independência em si não tinha nada a ver com o povo. E não teve no passado. D. João e D. Pedro queriam preservar o poder da casa real, ameaçado pela Revolução Liberal do Porto e os latifundiários brasileiros queriam comercializar diretamente com a Inglaterra, evitando o pagamento de taxas a Portugal. A Independência se deu por isso. Por interesses da elite. Não incluiu o povo, não aboliu a escravatura, não criou distribuição de renda. Em 1972 era a mesma coisa. Os militares no poder garantiam a elite contra reformas. O Milagre Econômico estava em seu último ano. A elite enriquecia sem oposição, sem greves e sem sindicatos. O PIB crescia, mas a renda se concentrava e meus colegas desmaiavam de fome patrioticamente, em formação militar.
Lendo este artigo, talvez você me veja como um chato. Alguém eternamente “do contra” que agora investe sobre a nossa “maior data nacional”. Pode até ser. Não posso controlar o que as pessoas entendem a respeito do que escrevo.
Porém, eu vejo diferente. Para mim, perceber os fatos reais por detrás da festa, é a verdadeira liberdade, não aquela “proclamada às margens do Ipiranga”. E digo mais, perceber a realidade é buscar a liberdade para o futuro. Penso que devemos sim, comemorar o sete de setembro, mas não como uma data do passado, e sim como uma proposta de futuro.
Uma proposta de um país mais justo, mais honesto, no qual as elites que continuam aí deem espaço a verdadeira democracia. Um país no qual a riqueza seja mais bem distribuída e no qual a justiça, em todas as suas faces, exista de fato. Neste sete de setembro, eu não vou proclamar a independência com uma espada de plástico no meu quintal. Mas vou refazer meus votos íntimos de buscar um país melhor, um mundo melhor. E com isso celebrarei a liberdade de escolher meu caminho de vida.
celso bisson
5 de setembro de 2012
Excelente reflexão. ´Leiam.
Carla Betta
6 de setembro de 2012
Belíssimo texto!
Bem… nesta época estudava em escola particular…
Intenso este cenário em que crianças desmaiam defronte à bandeira de seu país…
Como meu pai foi perseguido pela ditadura, não nos foi passado valores patrióticos em família, 7/set sempre significou apenas um feriado para viajarmos à praia… O orgulho pelo meu país veio décadas depois quando meus filhos desfilaram pelo Grupo Escoteiro. “Deveríamos ter orgulho de nosso país”. Desculpas aos fãs e admiradores, mas a única opinião séria e verdadeira que tenha ouvido do falecido Clodovil foi esta acima. E ele acrescentava que deveríamos enxergar nosso país do ponto de vista do estrangeiro, isto é, estando fora do Brasil. Vivi essa experiência e me orgulhava do Brasil e dos brasileiros, sem ufanismo. Mas, tendo retornado ao cotidiano dificultado pelos entraves ditados pela má administração, pela cobiça de uns em detrimento do bem-comum, pela corrupção, pelo péssimo atendimento médico, pela falta total de qualidade no ensino e tudo aquilo que sabemos e vivenciamos, que se resume a vivermos uma grande injustiça social em nosso país, o orgulho esvai-se, evapora… Ainda que as razões do passado para nossa independência tenham sido elitistas e hipócritas, o problema é elas continuarem sendo as mesmas para as decisões político-administrativas de nosso presente. Várias são as mudanças necessárias para a construção de um Brasil melhor para os brasileiros e para o planeta. Que as crianças e jovens que desfilarem e/ou comemorarem este 7/setembro sejam a esperança de um novo futuro, que saibamos incutir-lhes e exemplificar o patriotismo, a renovação de valores, o orgulho de sermos brasileiros! Esta é a minha fé e o meu compromisso.
André Gorga
6 de setembro de 2012
Ótimo, Luís. Parabéns, mais uma vez, pela clareza com que expõe suas opiniões. Fez-me recordar do tempo em que desfilei pelas ruas da cidade empurrando uma bicicleta enfeitada com tiras de papel crepom… Eu, com 10 anos de idade, e mais uns 40 alunos do Grupo Escolar Morais Barros. Empurramos, cada um, a própria bicicleta pela rua Boa Morte, desde a praça José Bonifácio até a rua Riachuelo… e depois descemos a Governador Pedro de Toledo. Acho que nem os carnavalescos de hoje dispõe de tamanha “criatividade” para aquela “alegoria”: uma bicicleta + papel crepom enroscado nos aros, forrando o quadro, o guidon… e uns meninos de calça branca e camiseta azul empurrando. Que coisa ridícula, sem significado… e me lembro que a ala à qual eu pertencia era a de bicicletas com papel crepom vermelho, ou seja, nada a ver com o verde e amarelo. Mas eu curti na época. Tinha orgulho de ser brasileiro… era um “patriota”! E tratando-se de patriotismo e da situação do nosso país, compartilho da sua opinião e também da opinião da Carla Betta: “Várias são as mudanças necessárias para a construção de um Brasil melhor para os brasileiros e para o planeta”… Eu proponho, então, começarmos a mudança por nossa cidade e já nessas eleições. Seria ótimo que nos empenhássemos em renovar a Câmara de Vereadores de Piracicaba. Faz-se urgente e necessário renovar, injetar sangue novo em nossa casa de leis. Não estou com isso afirmando que os que cumprem o mandato atualmente não sejam bons o bastante e que devam todos serem substituídos, mas alguns já tiveram tempo suficiente para tentar cumprir o que prometeram e propor as leis que teriam por finalidade melhorar Piracicaba (alguns estão ininterruptamente no quarto mandato, um outro no sexto mandato). Com mais de 400 canditados inscritos, não deve ser difícil encontrar alguns que mereçam nossa confiança por sua honestidade e capacidade. Eu conheço dois destes e gostaria que ambos se elegessem… Só posso votar em um deles, mas posso ajudar a divulgar também o outro. Acho que, melhor que tentar fazer com que os atuais vereadores retrocedam quanto ao aumento dos próprios salários (o que acho difícil de acontecer) é fazer com que a maioria deles não esteja lá no dia em que sair o primeiro contracheque de mais de 10 mil reais. rsrs.
Anônimo
7 de setembro de 2012
Você conseguiu dentro de uma linha histórica retratar o que sucedia naquele tempo. O nosso país vivia um momento de ¨silêncio¨, onde as bocas encontravam-se fechadas com uma invisível faixa, onde a opinião era calada na base de baioneta na calada da noite. Buscava-se de toda forma atender às imposições do comando, ou seja, a CIA do USA (que nada tinha de usar a companhia), mas éramos o fundo de quintal útil e querido. Para que tal quadro deixe de se repetir, precisamos ter a visão clara sobre os homens que administrarão nossos municípios. Entretanto, antecipadamente pensar no próximo governador de Estado. Falta-nos um líder daí sempre os mesmos assentados nas cadeiraa municipal e estadual do nosso Estado.