SANGUE INÚTIL. Por Antônio Carlos Danelon

Posted on 13 de setembro de 2012 por

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Segundo a imprensa local e pessoas presentes, o jovem que atentou contra a vida do monsenhor Jamil no dia 19 de agosto passado disse estar agindo a serviço de Deus.

Só na cabeça dele. Aliás, é difícil negar que algo divino tenha feito a faca se quebrar. Mesmo assim, não haveria algo de verdade na fala do perturbado jovem? Além de acordar uma Igreja que dorme o que esse trágico fato quer nos dizer?

Comecemos pelo jovem. Segundo a mesma imprensa ele sofria de esquizofrenia. Provavelmente passava por momentos de delírios de grandeza e ou perseguição. A mãe procurou ajuda com os vereadores tentando internação, sem sucesso. Óbvio que esse não é serviço de vereador; exceto quando um precário e seletivo sistema forneça ocasião para somar votos. Não à toa a professora de psicologia da PUC, Maria de Fátima Franco dos Santos, entrevistada pelo mesmo jornal afirmou “Podemos ver também a falência de nosso sistema de saúde. Se tivéssemos um serviço eficiente, o jovem poderia ter recebido orientação e cuidados adequados a tempo”. (JP 21.08.12).

Por que esse jovem estava sem acompanhamento médico? Dos 14 anos de prefeitura como assistente social, os últimos – 2009 e 2010 – trabalhei na Proteção Especial da Secretaria de Desenvolvimento Social. Presenciei o drama das mães pobres com familiares vítimas de doenças mentais. Viviam continuamente dopados os que conseguiam algum tipo de acompanhamento, de um só médico, diga-se de passagem, que chegava a atender 70 pacientes ao dia.  Em vez do doente, um profissional desse tipo serve e sustenta um sistema de saúde mental falido, e por tabela agrada ao gestor da fazenda pública, que prioriza visibilidades e não pessoas.

Existe o Centro de Atendimento Psicossocial – CAPS II no bairro Bela Vista. Porém, a maioria dos doentes não consegue se locomover desacompanhada, e seus familiares precisam trabalhar. Quanto custaria à prefeitura oferecer condução adequada ou regionalizar as atividades? Não é para isso o dinheiro público em primeiro lugar?  CAPS III não existe, o Infantil está lotado e o AD fica quase no sítio. Para piorar, apesar de bons e comprometidos profissionais, raramente as equipes são completas.

Quanto à Igreja, irônico foi o fato ter ocorrido no ano em que a Saúde Pública é tema da Campanha da Fraternidade, que na diocese de Piracicaba acaba na coleta. Todo o ano é o mesmo faz de conta. Assuntos importantes são postos à reflexão visando mudança de mentalidade, porém acabam virando fumaça. “Que a saúde se difunda sobre a Terra” nem é mais falado; aliás, pouco foi. De gesto concreto quase nada. Bem longe do que Jesus fez no seu tempo, nossa Igreja – que optou pelos pobres – se calou para alívio dos responsáveis pelo descaso que impera nesta área em nossa cidade.

Não é essa a Igreja da minha juventude, de Dom Paulo, Luciano, Aniger, Eduardo. Viramos uma igreja que precisa cada vez mais de dinheiro, pois quanto mais longe do Evangelho mais cara e pesada fica. E quem carrega esse fardo são os leigos, que dentro da hierarquia dificilmente têm voz e vez. Nossa Igreja não incomoda mais ninguém e nem acredita que as portas do inferno podem nada contra ela.

O que poderia ser o grito dos que morreram nos prontos-socorros de Piracicaba e dos doentes mentais trancados em casa ou perambulando pelas ruas a caça de suas miragens, se perdeu por falta de profetas que saibam ler os acontecimentos. O sangue do sacerdote serviu para nada, senão para fazê-lo mártir do descompromisso de sua própria Igreja e das elites desta cidade, cada vez mais materialista e insegura. Como sempre – e não havia alternativa – perdoou seu algoz, que além do fardo que carrega, de vítima virou réu. Em vez de tratamento, foi para a cadeia, donde sairá monstro, e como medida de segurança a diocese instalará câmeras na catedral.

E fim de papo porque a “vida” continua.

Antônio Carlos Danelon é Assistente Social.

totodanelon@ig.com.br