Segundo a imprensa local e pessoas presentes, o jovem que atentou contra a vida do monsenhor Jamil no dia 19 de agosto passado disse estar agindo a serviço de Deus.
Só na cabeça dele. Aliás, é difícil negar que algo divino tenha feito a faca se quebrar. Mesmo assim, não haveria algo de verdade na fala do perturbado jovem? Além de acordar uma Igreja que dorme o que esse trágico fato quer nos dizer?
Comecemos pelo jovem. Segundo a mesma imprensa ele sofria de esquizofrenia. Provavelmente passava por momentos de delírios de grandeza e ou perseguição. A mãe procurou ajuda com os vereadores tentando internação, sem sucesso. Óbvio que esse não é serviço de vereador; exceto quando um precário e seletivo sistema forneça ocasião para somar votos. Não à toa a professora de psicologia da PUC, Maria de Fátima Franco dos Santos, entrevistada pelo mesmo jornal afirmou “Podemos ver também a falência de nosso sistema de saúde. Se tivéssemos um serviço eficiente, o jovem poderia ter recebido orientação e cuidados adequados a tempo”. (JP 21.08.12).
Por que esse jovem estava sem acompanhamento médico? Dos 14 anos de prefeitura como assistente social, os últimos – 2009 e 2010 – trabalhei na Proteção Especial da Secretaria de Desenvolvimento Social. Presenciei o drama das mães pobres com familiares vítimas de doenças mentais. Viviam continuamente dopados os que conseguiam algum tipo de acompanhamento, de um só médico, diga-se de passagem, que chegava a atender 70 pacientes ao dia. Em vez do doente, um profissional desse tipo serve e sustenta um sistema de saúde mental falido, e por tabela agrada ao gestor da fazenda pública, que prioriza visibilidades e não pessoas.
Existe o Centro de Atendimento Psicossocial – CAPS II no bairro Bela Vista. Porém, a maioria dos doentes não consegue se locomover desacompanhada, e seus familiares precisam trabalhar. Quanto custaria à prefeitura oferecer condução adequada ou regionalizar as atividades? Não é para isso o dinheiro público em primeiro lugar? CAPS III não existe, o Infantil está lotado e o AD fica quase no sítio. Para piorar, apesar de bons e comprometidos profissionais, raramente as equipes são completas.
Quanto à Igreja, irônico foi o fato ter ocorrido no ano em que a Saúde Pública é tema da Campanha da Fraternidade, que na diocese de Piracicaba acaba na coleta. Todo o ano é o mesmo faz de conta. Assuntos importantes são postos à reflexão visando mudança de mentalidade, porém acabam virando fumaça. “Que a saúde se difunda sobre a Terra” nem é mais falado; aliás, pouco foi. De gesto concreto quase nada. Bem longe do que Jesus fez no seu tempo, nossa Igreja – que optou pelos pobres – se calou para alívio dos responsáveis pelo descaso que impera nesta área em nossa cidade.
Não é essa a Igreja da minha juventude, de Dom Paulo, Luciano, Aniger, Eduardo. Viramos uma igreja que precisa cada vez mais de dinheiro, pois quanto mais longe do Evangelho mais cara e pesada fica. E quem carrega esse fardo são os leigos, que dentro da hierarquia dificilmente têm voz e vez. Nossa Igreja não incomoda mais ninguém e nem acredita que as portas do inferno podem nada contra ela.
O que poderia ser o grito dos que morreram nos prontos-socorros de Piracicaba e dos doentes mentais trancados em casa ou perambulando pelas ruas a caça de suas miragens, se perdeu por falta de profetas que saibam ler os acontecimentos. O sangue do sacerdote serviu para nada, senão para fazê-lo mártir do descompromisso de sua própria Igreja e das elites desta cidade, cada vez mais materialista e insegura. Como sempre – e não havia alternativa – perdoou seu algoz, que além do fardo que carrega, de vítima virou réu. Em vez de tratamento, foi para a cadeia, donde sairá monstro, e como medida de segurança a diocese instalará câmeras na catedral.
E fim de papo porque a “vida” continua.
Antônio Carlos Danelon é Assistente Social.
Ninfa Sampronha Barreiros
13 de setembro de 2012
A situação da saúde é caótica, nem rezando!
Camilo Irineu Quartarollo
15 de setembro de 2012
No nosso tempo, Totó, a igreja ainda tinha coragem de denunciar, mesmo sob perseguição e vi vários colegas passarem por mal bocados. Hoje em dia, tudo virou festa, mas o irônico, que a vítima são os próprios cristãos, de uma pregação alicerçada na areia. A paz, cujo lema João XXIII levava no peito e Paulo VI trabalhou em sua precariedade, venceu o lugar na pauta, cadê? A paz é um serviço que começa em casa, nos cuidados mais rudimentares.
Heloisa Angeli
16 de setembro de 2012
Como não poderia deixar de ser, concordo até com as vírgulas desse criterioso artigo, tão bem escrito e descrito em minúcias carentes e objetivas.
Antonio Carlos
17 de setembro de 2012
Obrigado pelos comentários. Eles me me servem como inestimavel apoio.
Miltes
17 de setembro de 2012
Antonio Carlos,
excelente reflexão. Estamos ocupados demais com nossos problemas, com o nosso trabalho, com o nosso consumo para sermos solidários. Mal tenho tempo de interagir aqui, exatamente pelo excesso de interação em decorrência de demandas de trabalho. São poucos os que dedicam uma parte do seu tempo para um problema comum a todos. A doença mental está cada vez mais presente na vida das pessoas, muitas vezes a vivemos e nem sabemos. Afinal, o que vem primeiro o uso de drogas ou a depressão? A saúde é mal tratada no Brasil, a saúde mental então… Como fazer para mudar, qual o segundo passo?
Miltes
Antonio Carlos
18 de setembro de 2012
Muito obrigado por ler, elogiar e falar o que pensa, Miltes. Esse é o primeiro passo, a indignação. Depois mudar nossa visão pessoal de mundo começando pelo pouco, isto é a nossa volta. Se os que nos rodeiam tiverem de nós um olhar de afeto e atenção já começamos a mudar o mundo, pois eles e nós nos nos sentiremos melhores. Finalmente criar grupos que depois de indignados pressionem quem tem o dever de cuidar, isto é o poder público, que recolhe um rio de dinheiro para aplicar primeiro em visibilidades para se manter no poder.Quandoi se virem pressionados as coisas melhorarão. Vamos à luta? Tô nessa!
Natalino de Jesus Chirelli
20 de setembro de 2012
Totó, no domingo passado a nossa liturgia proclamou a leitura da Carta de São Tiago(Tg 2,14-18): versículo 14: Meus irmãos: que adianta alguém dizer que tem fé, quando não a põe em prática? A fé seria então capaz de salvá-lo?
Hoje em dia os discursos são lindos, principalmente de nós cristãos, mas a prática, o ver realizar custe o que custar, está longe, cada vez mais longe do nosso Mestre Jesus que nos amou e deu a sua vida por nós ingratos.
Antonio Carlos Danelon
21 de setembro de 2012
Amigo de muito tempo e lutas, Natalino. Obrigado pelo seu comentário. Dentre muitos que crêem e praticam sei que você é um deles. Isso é motivo de esperança.