As “Bases” do Poder – Punição. Por Luis Fernando Amstalden

Posted on 17 de setembro de 2012 por

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Vimos no post anterior, que as estruturas de poder necessitam de duas bases distintas. A primeira destas bases que mantém uma estrutura de poder é a capacidade de Punição.

Por punição podemos entender “a capacidade que aquele indivíduo ou grupo tem de punir, penalizar, castigar aqueles grupos ou indivíduos que não respeitam o seu controle”. Ou seja, um grupo ou indivíduo que detém poder tem que ser capaz de castigar quem o desobedece ou contraria.

O “castigo” por sua vez pode ser de muitas formas diferentes. Pode ser físico, pode ser moral, psicológico, econômico ou até mesmo social. Pode ser, e na maioria das vezes é, uma combinação de todas estas formas.  Um governo que adota a pena de morte, por exemplo, adota o castigo físico mais radical. A tortura e mesmo a prisão também são punições físicas, embora a prisão também seja psicológica, social e moral.

Um pai ou mãe que bate no filho opta por uma punição também física. Mas note que as formas físicas não são as únicas que uma família ou mesmo um governo podem adotar.

A multa, por exemplo, é uma forma de punição, sendo que neste caso é econômica. Mas uma advertência ou uma reprimenda também são formas de se punir, neste caso mais para o lado moral e psicológico de quem é punido.

Uma última forma de se punir é a exclusão. Isso acontece mais em instituições como clubes, escolas ou Igrejas hoje em dia. A maior punição que um aluno pode receber da escola é exatamente a exclusão: ser expulso. Neste caso é uma punição social, embora tenha amplos e fortes aspectos sociais, morais e psicológicos envolvidos. Como você pode ver, existem milhares de formas diferentes de se punir.

                Alguém pode se perguntar se a punição é necessária, se não é somente uma forma de opressão. A resposta é, pode ser só uma forma de opressão sim, da mesma maneira que a estrutura de poder como um todo também pode ser apenas opressivo. Mas o fato é que não há nenhuma estrutura de autoridade que possa prescindir de formas punitivas, ainda que sejam somente as mais brandas. E por quê? Porque há a necessidade de combinar o interesse do grupo e o interesse do indivíduo e, as vezes, a nossa tendência ao interesse particular, próprio é maior. Vamos a um exemplo. Todo mundo sabe que são necessárias regras de trânsito. Velocidade máxima, mãos de direção, semáforos, locais onde não se pode estacionar, etc. No entanto se não houver algum tipo de sanção a quem quebra as regras, pode apostar que elas vão ser quebradas de tal forma que o trânsito vai se tornar caótico.

Da mesma maneira, uma criança pode agir por motivos estritamente egoístas com seus desejos, suas vontades, suas posses. Se um pai não for capaz de limitar este desejo egoísta (que, diga-se de passagem, a criança não percebe como egoísta) então ela vai se tornar um “monstrinho egocêntrico”, do tipo que acredita que o mundo existe para servi-la. Isso não é bom, é? Neste caso, cabe, claro, a explicação, assim como na regra de trânsito, mas cabe também algum tipo de punição, que não precisa ser, obviamente, física. Pode ser uma privação qualquer ou uma reprimenda ou ainda uma reparação exigida da criança (do tipo: você quebrou o brinquedo de seu irmão e agora dá o seu a ele). Neste caso a punição tem vários papéis. Ela repara a injustiça que alguém sofreu, estabelece as regras de igualdade e ao mesmo tempo demonstra à criança que é necessário tomar para si a responsabilidade de seus atos.

Com o tempo, tanto uma sociedade quanto um indivíduo pode aprender, racionalizar e interiorizar o fato de que o respeito a determinadas regras são importantes. Isso acontece e é bom. Existem sociedades mas desenvolvidas nas quais o respeito ao trânsito é um valor já incorporado à cultura, daí a punição quase não existir. Da mesma forma uma criança vai aprendendo a ética social aos poucos e vai deixando de ser necessário o uso da punição.

No entanto sempre existirão, por motivos diferentes, os “desviantes”, aqueles que por um lapso ou por uma personalidade mais individualista e egocêntrica, tenderão a romper as regras em proveito próprio e em prejuízo de todos. Daí a necessidade da punição permanecer como uma possibilidade mesmo em países muito desenvolvidos culturalmente ou para indivíduos mais maduros.

Se você for estudar a História, verá que mesmo lideranças extremamente éticas tiveram suas formas de punir para manter a autoridade. Gandhi, por exemplo, líder pacifista que libertou a Índia da Inglaterra, se viu as voltas com um conflito religioso logo após a independência. Hindus e muçulmanos passaram a se matar em disputas locais e massacres de famílias inteiras eram comuns. Na época, Gandhi conseguiu parar os conflitos piores através de um jejum. Ele parou de comer para se sacrificar em prol do fim da violência. Ocorre que aquele sacrifício próprio, que poderia levá-lo a morte, era também uma forma de punir os participantes dos massacres. Gandhi era venerado por todos e respeitadíssimo. Se ele morresse jejuando, a responsabilidade seria dos que se matavam nas ruas. E isso, por sua vez, seria uma grande punição moral e psicológica a eles. Daí o cessar dos conflitos.

De qualquer modo, uma sociedade equilibrada e uma liderança equilibrada tem que recorrer pouco à punição, uma vez que atendem interesses diversos e conseguem um consenso grande. Quanto mais desequilibrada uma relação de poder, maior a necessidade de punição. E isso é ruim. Só a punição, inclusive, não é capaz de sustentar nenhuma autoridade. O poder, seja ele qual for, tem que ter outra base, a “Legitimidade”. Mas sobre esta falaremos em outro artigo.

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