Meu Ex Vizinho e as Árvores. Por Luis Fernando Amstalden

Posted on 20 de setembro de 2012 por

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Foto de Juliana Machado Amstalden

Todo mundo já foi vizinho de um chato. E provavelmente todo mundo já foi também um vizinho chato. São contingências da vida e da convivência. Ora alguém faz uma festa muito barulhenta, ora somos nós. E por aí vai. Mas eu tive um vizinho que em matéria de “chatice” era excepcional. Antes de nos mudarmos, já havíamos sido alertados sobre o cidadão e suas neuroses. E, como a voz do povo é a voz de Deus, não tardou para que descobríssemos que era verdade. O cara é insuportável (não é mais meu vizinho, mas continua de mal com o mundo e com a vida). Não vou contar, até porque não vale o  papel gasto, tudo o que ele mostrou de si. Mas o fato é em frente nossa nova casa havia uma grande árvore. Uma Sibipiruna, nada incomum, porém bonita, frondosa e que fazia uma sombra maravilhosa em nosso jardim, na parte da tarde. Melhor ainda, ela impedia que os raios do sol poente batessem no quintal e refletissem casa adentro pelos quartos.

Passados dois dias da nossa mudança, o chato nos procurou e pediu que requerêssemos junto a Secretaria de Meio Ambiente o corte da árvore. Argumentou que, a noite, ficava tudo muito escuro e, portanto, perigoso. Nós nos negamos, mas sendo verdade a questão da segurança, prometemos tomar outra medida. E tomamos. Instalamos um grande holofote com controle automático em nosso jardim, dirigido de tal maneira que iluminava toda a sombra noturna da árvore, inclusive a que se estendia para a casa do vizinho.

Pouco depois outra “visita”. O cidadão voltava à carga. Desta vez reclamava que a árvore podia cair. Bem, a rigor todas podem. Mas aquela não estava com a aparência de doente, com galhos secos ou com raízes expostas. Desta vez nos negamos sem oferecer algo. Se ele quisesse que chamasse um agrônomo capaz de nos provar que havia perigo. O chato foi embora “fumegando” e, por mais de um mês, ficou quieto. Uma manhã, acordamos com um caminhão da Secretaria de Meio Ambiente. Haviam tido ordem de derrubar a árvore e já o estavam fazendo. Pedi para ver o laudo que atestava a necessidade mas não havia. Os operários tinham somente a ordem e uma grande rapidez na motosserra. Confesso que poderia ter ido a Secretaria e levado o caso para frente, mas não o fiz porque os trabalhadores garantiam que uma nova árvore seria plantada no lugar. E foi. Uma pequena “espirradeira”, árvore arbustiva incapaz de alguma sombra. Aliás, incapaz de sobreviver muito também. Logo sucumbiu, não me perguntem por que. A casa virou uma estufa, com sol pela manhã e tarde. O pior veio depois. Passados alguns meses, outra vizinha nos confidenciou que a derrubada da árvore era exigência da esposa do chato (por trás de todo grande chato existe sempre uma grande chata..) que se incomodava era com as folhas que caiam sobre seu abrigo de carros. Com que contato privilegiado ele conseguiu o corte eu não sei, mas a chata e o chato venceram, nossa árvore caiu e o calor nos tomou de assalto.

Mas, malgrado minha indignação pessoal, vamos pensar um pouco. De fato árvores tornam as ruas mais escuras a noite, soltam folhas e, no limite, podem cair se estiverem doentes ou mal fundadas. Mas nós podemos viver sem elas? Na década de noventa, pesquisando uma publicação antiga sobre agricultura, na biblioteca da ESALQ, descobri inúmeros artigos defendendo a arborização urbana, tanto pelos benefícios em conforto térmico quanto pela possibilidade de se ter frutos e beleza para a população. A revista era do século XIX e os autores já defendiam o “reflorestamento urbano”. Hoje eu poderia indicar muitos outros artigos, bem mais precisos, com medições de temperatura e análise sobre o micro clima. Alguns são da ESALQ ou de teses lá defendidas. Ou seja, desde o século XIX já sabemos desta necessidade.

Porém, o que fazer com as folhas, a escuridão, o perigo de quedas, a interferência na fiação elétrica? Vou ser sincero. Eu não sei. Mas penso que os acadêmicos da área sabem ou podem vir a saber. O fato é que nestes tempos de rápida urbanização, precisamos de árvores nas cidades. Muitas delas, de todos os tipos possíveis. O necessário é que pesquisemos. Que destinemos recursos nas universidades para o estudo intensivo de árvores & cidades. Penso que possibilidades técnicas de “reflorestamento urbano” muito interessantes e criativas podem surgir destes estudos, se é que já não existem. Não podemos, por exemplo, começar a orientar a população para cuidar de suas árvores e detectar quando elas estão doentes e correndo risco de queda? Ou ainda começar nos bairros novos, a enterrar a fiação elétrica e telefônica? É necessário que as prefeituras procurem esta parceria com os centros de pesquisa. Tentar resolver somente na base do corte ou do plantio de arbustos não é uma atitude voltada para o futuro, para a sustentabilidade. É só uma “maquiagem verde”.

Alguns dos efeitos das árvores nas cidades, não poderemos resolver, é fato. Não é possível impedir as folhas de cair no abrigo de nossos carros. Mas neste caso é preciso ter noção do custo benefício das árvores e conviver com as folhas. Meu ex vizinho precisaria “fazer as pazes” com o mundo e com a vida, coisa que duvido que vá fazer. Já nós precisamos “fazer as pazes” com as árvores.

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