A “Negação” e o Crime Organizado. Por Luis Fernando Amstalden

Posted on 25 de outubro de 2012 por

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No Sul da Itália, é comum ouvir  afirmação de que, “a máfia não existe, é invenção da mídia”. Esta é uma resposta comum, cujo relato ouvi de vários amigos que lá estiveram e também que pude ler em reportagens e livros sobre o assunto. E a razão de tal resposta é fácil de entender. Aquilo que “não existe” não deve nos preocupar. Para que um governo deve gastar tempo combatendo o que não existe? Cômodo, bom, estratégico para os mafiosos. E bom também para os governos que não querem enfrentar o problema de maneira direta.

No Brasil, desde 1993, um grupo de criminosos se organizou, formando o PCC, o Primeiro Comando da Capital. De lá para cá, a organização só fez crescer e em 2006, deu uma grande demonstração de poder ao realizar três ondas de ataques contra policiais, órgãos públicos e meios de transporte coletivo. Segundo o jornal Folha de São Paulo, em documentos divulgados no dia 05 de outubro de 12, a organização conta com 1343 membros, está presente em 123 cidades paulistas e detém um patrimônio próprio que inclui dinheiro vivo, imóveis, carros e até um arsenal. Ainda segundo os mesmos documentos, cada membro do “Partido”, como é chamada a organização, tem que contribuir com R$ 600,00 mensais. Em troca podem ostentar seu pertencimento ao grupo, tem direito a advogados pagos pela organização caso estejam presos ou respondendo processo e suas famílias recebem auxílio no caso de sua prisão, além de, é claro, estarem mais “seguros” dentro das cadeias enquanto cumprem penas. Nos últimos meses, o PCC tem voltado a atacar policiais, sendo que, por enquanto, somente militares. No último dia 19, um bombeiro aposentado e um sargento PM foram executados em São Paulo, somando até o presente momento, 86 PM’s mortos este ano, sendo pelo menos um em Piracicaba.

Do ponto de vista sociológico, o crescimento e os ataques do PCC representam um fenômeno muito interessante e extremamente perigoso. A organização do grupo significa uma racionalização de suas atividades e uma burocratização de sua estrutura, contanto inclusive com um estatuto próprio. Traduzindo em termos mais comuns, significa que o grupo passa a se organizar nos moldes de uma “empresa” moderna, cuja atividade “racional” e planejada é gerar lucro através de atividades criminosas e manter uma união capaz de rivalizar com o poder público.

Faça as contas: se cada um dos membros “contribui” com R$ 600,00 ao mês, significa uma receita de R$ 805.800,00, sem contar com a venda de drogas, o “aluguel” de armas e as “coparticipações” em crimes diversos como assaltos, sequestros etc. Ou seja, é uma “empresa” capaz de gerar facilmente uns três milhões de reais mensais (eu arriscaria muito mais, mas faço as contas pelo valor mais baixo). Agora faça um cálculo mais macabro. Se cada criminoso tem os seiscentos reais a contribuir mensalmente, como ele consegue este dinheiro e mais o suficiente para sobreviver? Consegue com os assaltos próprios, os sequestros relâmpagos, extorsões e outros crimes. A sobrevivência do PCC, somente em termos de contribuição, depende do sofrimento de milhares de pessoas por mês. A “empresa” gera um círculo vicioso de aumento da criminalidade, uma vez que na necessidade de se “pagar as contas sindicais e gerar a renda própria”, o criminoso nunca deixa suas atividades, está “ligado e dependente” a elas, até porque, se for preso, terá sua segurança pessoal e social garantida pelo grupo.

Pior, a organização tem tanto poder sobre seus comandados que é capaz de intimidar o Estado matando seus policiais. Isso, além de ser um atentado aos direitos humanos de todos, dos policiais e dos cidadãos comuns, é um processo que tende a se expandir e se enraizar politicamente. Não duvido de que o PCC já está investindo em algumas campanhas políticas e, talvez, até já tenha ajudado a eleger algum candidato próprio.

Combater esta organização do crime não será fácil. Exigirá, a exemplo do que ocorre em outros países, um grande esforço policial, político, social e judicial, inclusive com revisões na lei penal. É um trabalho longo e moroso, mas que tem que ser feito urgentemente sob o risco da organização continuar a crescer como um câncer maligno. No entanto, penso que o mais grave nessa situação, é a insistência do poder público, em particular do nosso governo do Estado, em negar a influência e capacidade do PCC. Esta negação é política. É feita para que a população não se inquiete e não questione eleitoralmente o partido no poder. A negação, por outro lado, é benéfica ao PCC e atrasa a busca real e ponderada de soluções. Ao final, acabaremos como a região do Sul da Itália. Achando que o PCC é uma lenda, uma invenção da imprensa, e que aquele assalto, aquele sequestro ou aquele assassinato que nos atingiu é mera coincidência. Será que é?

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