A Política e a Caridade. Por Luis Fernando Amstalden

Posted on 14 de março de 2013 por

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clientelismo

Em mais de um artigo, seja pelo jornal, seja pelo Blog, argumentei que nosso povo não tem a noção da cidadania moderna, aquela relação de deveres e direitos em relação ao Estado que caracteriza o cidadão. Para a maioria dos brasileiros, herdeiros de uma herança cultural opressiva, dos tempos da escravidão e da colônia, a relação com as elites é marcada pela subserviência e pela dependência. Em outras palavras, nosso povo, que quando fez reivindicações corretas foi reprimido, desenvolveu uma cultura de “pedir”, “mendigar” benefícios às classes dominantes. O escravo que não conseguia fugir ou se rebelar, porque seria duramente punido, passa a depender dos favores e da “caridade” do senhor do engenho. Esta relação, que não sou eu quem aponta, mas autores clássicos das ciências sociais, como Milton Santos e Sérgio Buarque de Holanda, se manteve até os dias de hoje. A maioria dos brasileiros não vê os políticos como seus representantes, mas como os novos donos do engenho que concedem benefícios, distribuem favores entre seus eleitores, fazem, enfim, “caridade”.

Esta é uma forma de ver a atividade política extremamente negativa e errada. Errada porque impede que se perceba que o cidadão tem direitos, uma vez que ele é quem custeia o Estado. Até mesmo o mais pobre indivíduo paga impostos diretos e indiretos, logo é ele quem mantém os serviços públicos, que custeia os investimentos da cidade, do país. Não se pode achar que saúde, educação e segurança, por exemplo, são “favores” que recebemos. Nós pagamos impostos para isso, logo temos o direito de receber tais serviços. E negativa porque na medida em que nosso povo não percebe que são direitos aquilo que os políticos dizem que nos dão, está sendo roubado, direta ou indiretamente. Está tendo seu dinheiro e seu trabalho usado para outros fins que não aqueles que lhe são mais necessários. Sérgio Buarque de Holanda, disse que as elites brasileiras tendem a ver o que é público como sua propriedade privada. E um político que mantém a ideia de que o que faz é “ajudar” ao povo, está mantendo a ideia de que apenas faz caridade, distribuindo aquilo que lhe pertence ou pertence a elite, e não ao povo que gerou tal riqueza.

No dia 06/03/13 a vereadora Márcia Pacheco confirmou as teorias dos grandes cientistas sociais ao fazer uma declaração complicada no JP. Segundo o Jornal, ela afirmou que política é “a melhor forma de fazer caridade”. É interessante ver a confirmação das teorias sobre a sociedade brasileira na fala da vereadora. Interessante e triste, penso eu. Claro que não sei tudo o que a vereadora pensa sobre política, mas acredito que esta declaração é muito eloquente ao demonstrar qual é o mecanismo que ainda mantém a maior parte dos candidatos eleitos no Brasil.

O que eu posso dizer a ela, é que caridade é algo que alguém faz com suas posses pessoais, com seu tempo pessoal e suas faculdades próprias. Quando, no entanto, alguém  exerce um cargo político não faz “caridade”, mas representa uma população que pagou pelo progresso desta mesma sociedade e paga também pelas  atividades do político na condução do bem público. Representa uma população que tem direitos, e não que depende de sua “caridade”. Claro que pode-se entender caridade como “amor ao próximo” e neste caso a atividade política seria, então, exercida com amor ao próximo. Isso seria muito meritório. Se foi isso que a vereadora quis dizer, eu até concordo e aprecio. Mas não foi isso que deu a entender. O que ficou implícito (e talvez explícito) na fala dela é esta velha relação coronelista, onde o mandatário (coronel) dispõe de todos os bens e direitos e os distribui de maneira paternal, caritativa.

Na mesma reportagem a vereadora disse que não vai mais ficar engessada ou calada diante de coisas que não concorda, de atitudes do seu partido que acredita não serem as melhores. Muito bem, fico feliz com esta segunda afirmação e presto-lhe o meu mais profundo apoio. Desejo profundamente que ela exerça, a partir de agora, um mandado mais independente de projetos de poder de um partido e mais comprometido com as necessidades e direitos da população. Desejo que ela pondere, agora livremente, se é mais importante construir passarelas sobre o Rio Piracicaba para levar turistas ao Engenho Central ou se é mais importante ter as contas de investimento em educação aprovadas pelo Tribunal de Contas, coisa que tem sido difícil nos últimos sete anos. Desejo, por fim, que ela exerça sim seu mandato com “caridade”, entendida aqui como “amor ao próximo”, mas que não faça do mandato uma atividade de “caridade” no sentido clientelista e coronelista. Afinal nosso povo não precisa deste tipo de “caridade”, precisa de seus direitos respeitados.

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