Levanto cedo e vou comprar pão. Subo curtindo a suave e envolvente neblina; encanto-me com os pássaros e os primeiros raios de sol iluminando o topo das árvores. Vejo pessoas indo para o trabalho e desejo-lhes, sempre que acessíveis, um bom dia. Já fiz amizades assim. Agradecido, sinto paz, esperança e uma ponta de felicidade.
Porém, pedaços dessa alegria vão ficando pelo caminho enquanto me aproximo da grande avenida e vou deparando com o mato que toma conta de tudo e com o lixo espalhado, desnudando uma cidade mal amada. Os automóveis botam gente pra correr e mulheres apressadas levam crianças ainda dormentes para creche. Todos os dias famílias se desfazem para servir ao capital, afinal, o trabalho tudo justifica.
Na fila do pão raros cumprimentos, e na do caixa cartões de crédito de gente sem um real no bolso atrasam todo mundo. Sobre o balcão as manchetes do jornal falam de adolescentes usando e vendendo drogas, abandono de pacientes nas UPAs, buracos, homicídios, atropelamentos, tarifa de ônibus ilegalmente majorada, abuso de crianças, dengue se alastrando, falta d’água e etc.
Volto para casa com uma nuvem escura sobre a cabeça. A preocupação espanta a alegria. Não dá para ser alegre com tanta gente passando aperto. Se ligar a televisão, então, acaba até a esperança. Notícias boas não satisfazem desejos de uma sociedade que se vê compensada na desgraça dos outros. Por que não somos todos felizes?
No programa de rádio o locutor oficial do município entrevista – como de costume – um político da situação ou um empresário bem sucedido. Falam de progresso; mais empregos, mais movimento, mais comércio, maior arrecadação de impostos, mais riqueza. Nem se tocam que para isso há necessidade de mais e melhores condições de moradia; atendimento médico, creches, segurança, transporte coletivo, lazer, salários dignos, coisas estas deficitárias nesta cidade; basta ouvir o clamor popular. Percebo que nada entendem da dinâmica de sobrevivência da população. Versam sobre desenvolvimento econômico como se fosse feito só por eles, sem o povo. Quanto tempo resistiria o dono da MRV dentro dum alojamento? Um deputado correndo atrás do caminhão de lixo? O dono da COSAN com um podão na mão? As madames na cozinha de um restaurante?
Da Câmara de Vereadores, na sessão do dia 04 de abril passado, ouço: “o que seria dos pobres se não fossem os ricos?”. Normal sair tal bobagem da boca dum político profissional, que há 30 anos usa sua estridente voz para defender o poder e dele se beneficiar. A verdade é que sem os escravos do agronegócio, sem os que se submetem à condições degradantes de trabalho e sem a destruição sistemática do meio ambiente, não teríamos os ricos. Entendo, então porque nossa sociedade não dá certo.
As mazelas que nos afligem vêm de dentro do poder. É ali que acontecem as negociatas, as aprovações de projetos escusos, a troca do Direito por privilégios; os interesses corporativos antes dos do povo e o aferramento ao poder por vaidade ou ambição. Os políticos do mal são tão estúpidos que não percebem que prejudicando a sociedade preparam um futuro sombrio tanto para si quanto para os seus já que dela fazem parte.
Por outro lado, se tivermos parlamentares e governantes – e eles existem – comprometidos com a justiça e preocupados com o bem da população, especialmente dos explorados, teremos mais segurança, paz e alegria de viver, pois o mal se restringirá ao que carregamos no coração, infinitamente menos nefasto que o dos políticos que prejudicam o país inteiro e pervertem a nação.
Valéria Pisauro
14 de abril de 2013
Bela reflexão e triste realidade!
Parabéns.
Daisy Costa
14 de abril de 2013
Só dá pra ser feliz, sabendo que existe pessoas como este escritor, o Totó, que vê a poesia no cotidiano e a reflexão nela contida. Não percamos a esperança do bem triunfar sobre o mal; Pelo menos inúmeras pessoas estão preocupadas com isso.
Gleison
14 de abril de 2013
Pergunto eu: o que seria dos ricos se não fossem os pobres? O que é ser rico ou pobre, senão uma questão de parâmetro? para ser rico é preciso ter mais que alguém, no caso, o pobre. Portanto, os ricos também precisam dos pobres para existirem, para se satisfazer o ego de serem superiores a alguém, de estar em uma condição de superioridade, ao menos do ponto de vista da riqueza material. Por isso é tão importante para a elite a manutenção do “status quo” do abismo social, das desigualdades, da má distribuição de renda. Só não há explicação para a “pseudo-elite” (também conhecida como “classe média”, aquela que come mortadela e arrota peru) pensar assim, a não ser a alienação, aliada ao desejo de pertencer à classe de cima.
Evandro Mangueira
14 de abril de 2013
Belo texto.
João Miguel L Rivero
15 de abril de 2013
Parabéns. Bela e triste reflexão sobre o nosso cotidiano.
Carla Betta
15 de abril de 2013
É, né? O que seria dos ricos se não fossem os pobres? Como as pessoas ainda não entenderam que somos interdependentes? Que todos juntos somos melhor que cada um em separado? Se nos países mais desenvolvidos há educação, saúde, condições mais equânimes de qualidade de vida para toda (ou quase) população… ué, não será este o parâmetro? Não são países “desenvolvidos”?… Então… Esta mentalidade tacanha e escravocrata é que obstaculiza o progresso, inclusive o progresso moral ou principalmente o desenvolvimento ético? Mas, apesar dessas evidências avassaladoras de nossa alegria, há também inúmeros exemplos -menos divulgados, mas muito importantes- de atitudes, caminhos, projetos em direção ao Bem-Comum! Fortaleçamos esses projetos, cada qual à sua maneira; façamos a nossa parte; sejamos a diferença para ‘aquela” estrela-do-mar da história tão conhecida!
Antonio Carlos Danelon
16 de abril de 2013
Valéria, Daysi, Gleison Evandro, João e Carla, obrigado por lerem e comentarem meu texto. É claro que dá para ser feliz, principalmente tendo no mundo pessoas como vocês que sabem da força do bem e que no final é sempre ele quem dá as cartas. Afinal felicidade não é um estado angelical de vida, mas luta e transpiração. Acho qque somente mais pra frente entenderemos que sempre fomos felizes. Além do mais existe uma força imensa que sem intervir na liberdade humana, conduz o mundo para o bem, e como é bom fazer parte disso tudo.