22 de abril de 2013: noite dessas na Santa Casa de Piracicaba. Por Carla Betta

Posted on 30 de abril de 2013 por

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Confesso que gostaria de viver em um filme preto-e-branco em que o homem de terno dita para a mulher de “tailleur” a carta que ela vai datilografar depois. Eu seria o homem de terno, claro! As idéias vêm e, é muito chato adequar o ritmo das idéias com o ritmo que eu digito, é algo assim como a corrida da lebre e da tartaruga. E falando em histórias, estava pensando em minha cama, ontem, após me deliciar com “Ou Isto ou Aquilo” de Cecília Meirelles (recomendo para jovens de 8 a 108 anos).

Mais uma segunda-feira, desde o ano passado que participo de um grupo que conta histórias na Santa Casa de Piracicaba para as crianças há mais de 15 anos. Para crianças? Este tem sido meu questionamento. Nosso público é bastante variado, pois quase nunca são as mesmas crianças internadas entre uma segunda-feira e outra, graças a DEUS! Preferimos saber que os pacientezinhos foram liberados.

Muitas vezes há mais adultos que crianças, por conta do horário de visitas, outras vezes há mais bebês que crianças, mas as crianças sempre estão dispostas e ávidas por ouvir histórias. As mães desses bebês ficam a escutar nossas histórias, com muita atenção, sorrindo nos momentos de graça. Apenas o que as distrai é a preocupação com um remexer ou um resmungar de seus bebês.

Ao chegarmos, desligamos a TV, pois usamos o mesmo espaço do aparelho e mesmo assim, sem as novelas para assistirem, elas ficam e em alguns raros casos, eles –os pais– ficam também.

Há algo mágico no contar oralmente, nas expressões que fazemos, nos exageros e nas brincadeiras típicas das histórias infantis. Essas narrações conversam com nosso inconsciente, com as nossas lembranças de crianças, com a nossa memória atávica, quando escrevíamos nossas histórias nas pinturas rupestres e contávamos/ouvíamo-nas ao redor do fogo acolhedor e que afugentava os animais que representavam perigo.

As histórias transformam ou porque cada uma encerra em si uma lição passada de inconsciente para inconsciente e que, por vezes, conseguimos elaborá-las conscientemente; ou porque nos apresentam uma nova realidade, no nosso caso: além das paredes do hospital, o mundo da fantasia e neste mundo pode-se esquecer a crueza da doença (para as crianças e mães) e das preocupações com os filhos internados (para as mães).

“Era uma vez….” “Há muito tempo atrás…” “Em uma floresta…” e descortina-se para nós, homens, mulheres e crianças o mundo mágico do mais profundo de nosso ser, das entranhas da Terra, da parte submersa do iceberg, das simbolizações de nosso psiquismo, da essência da nossa matéria mais genuína.

Não há classe social, doença mais ou menos grave, idades diferentes, somos todos seres humanos ao redor da fogueira, entretendo-nos com a arte daqueles que escrevem e com a atuação daqueles que contam.

Excepcionalmente ontem, duas das contadoras do maravilhoso grupo da Tia Carmelina (ao qual pertenço como seu membro mais novo) trouxeram histórias mais longas e não tive tempo para contar a história que havia preparado, mas diverti-me a valer!

Sempre que posso, carrego em meu colo um bebê e o balanço e o distraio, para que sua mãe possa ter o refresco de um momento de entretenimento e de conectar-se ao imaginário. A doçura de seus olhares ao mergulharem nas expressões e folguedos da contadora me encanta, me nutre e me re-energiza para as adversidades da vida!

Somos um, em um só mundo: o da história contada; em uma só sintonia: a do entretenimento; em uma só tarefa: o diálogo entre inconscientes; com uma só varinha de condão: o amor que nos une como irmãos do mesmo pai (Deus) e da mesma mãe (Terra), viajando pela ilha do encantamento!

De quem já esteve várias vezes internada em um hospital com seu filho, só desejo emocionar, divertir e re-energizar mães e crianças para a rotina de injeções e remédios que vem a seguir. Mas, as histórias fazem mais, bem mais que minhas singelas pretensões.

Eu saio tão feliz! Será mesmo que faço caridade a alguém que não a mim mesma?

Nascida com o nome Carla Ramos Bettarello, adota o Betta e assume-se como Carla Betta, pela invenção de um amigo. Mais tarde, descobre que seu pai era conhecido assim em seu tempo de faculdade. Mãe coruja assumida de um casal maravilhoso e lindo de filhos. Conta e se encanta com as histórias: objeto de estudo e prática artística.