Em tese, a divisão dos poderes na democracia visa, dentre outras coisas, que cada um dos poderes limite e vigie os demais. Assim as ações do Executivo (governos federal, estadual e municipal) devem ser fiscalizadas de perto pelo Legislativo (Congresso Federal, Assembléia Estadual e Câmara de Vereadores) que aprova ou não alguns dos projetos do Executivo e fiscaliza suas contas, aprovando-as ou rejeitando-as, além de, é claro, fazer as leis dentro de suas atribuições e respeitando a lei máxima, a Constituição. No caso do Legislativo, tem-se ainda a função de representação das diferentes classes e grupos da sociedade nos seus também diferentes interesses e necessidades. Quanto mais variado o Legislativo, mais bem representada está a diversidade de um povo. É claro que isso traz dificuldades e debates, mas é o preço da democracia e, saber dialogar é exercer esta mesma democracia. Impor-se sobre opiniões divergentes é, na melhor hipótese, antidemocrático e na pior, uma ditadura.
O poder executivo seja ele da Federação, do Estado ou do Município, precisa de uma base de apoio no poder legislativo, caso contrário corre o risco de não governar. Para isso são necessárias alianças, concessões e até mesmo a participação de partidos diferentes em cargos públicos. Mas para que o sistema realmente funcione sem cair no centralismo ou numa ditadura disfarçada, é preciso que haja um mínimo de projetos políticos consistentes, coerentes, que representem de fato as diversas correntes de pensamento e necessidades de uma sociedade. Em outras palavras, os políticos precisam ter projetos e compromissos reais de defesa dos interesses da população, não deixando de se opor ao executivo quando este toma atitudes de utilidade ou função parciais ou de sustentá-lo quando suas atitudes são corretas e necessárias. Neste “jogo democrático”, duas atitudes são condenáveis: a oposição constante que visa somente inviabilizar um determinado governo e o apoio incondicional, que não leva em consideração os erros ou intenções parciais de um governo. Ambos estes “extremos” são prejudiciais ao grosso da população que pode cair num caos de desgoverno (no primeiro caso) ou num “absolutismo disfarçado” no qual seus reais interesses deixam de ser representados.
Também em tese, a existência de partidos diferentes com projetos e propostas distintas para a sociedade, deveria “nortear” o funcionamento da democracia. A proposta de cada grupo da sociedade deveria ser representada por estas agremiações, que por sua vez (novamente em tese) através de seus estatutos, defenderiam este ou aquele projeto para a sociedade e cobrariam esta defesa de seus filiados, principalmente aqueles que exercem cargos. E aí vem um dos grandes problemas de nossa jovem democracia. No Brasil (e em boa parte do mundo também, mas isso é outro assunto) embora existam muitos partidos com estatutos muito distintos, a ação destes e de seus filiados que exercem mandatos não é, em grande parte das vezes, coerente com suas próprias propostas estatutárias. No fundo, o que acontece é que aquilo que deveria ser um projeto de desenvolvimento e condução do bem comum, acaba se tornando apenas uma luta pelo poder, pela ascensão aos postos de comando e a manutenção de grupos que se profissionalizam no mandato, exercendo-o não como uma defesa do interesse coletivo, mas em defesa de seus subsídios e de seus privilégios. A ideologia partidária é trocada e maculada o tempo todo em prol do poder em si. E isto, por sua vez, acaba sendo uma forma eficiente de um grupo que esteja no governo executivo, conseguir o apoio do legislativo. Se os senadores, deputados e vereadores estão, com honrosas exceções, mais comprometidos com seus mandatos e interesses do que com projetos e idéias, é fácil acabar com sua autonomia. Basta dar-lhes alguns cargos, alguns empregos e algum dinheiro para que eles “apliquem” em suas áreas eleitorais, garantindo assim sua reeleição, e tudo está “certo”.
Recentemente o ministro do STF, Joaquim Barbosa fez esta mesma análise em uma palestra e foi duramente criticado por deputados federais. Mais recentemente ainda, Oswaldo Storel que já foi presidente da Câmara dos Vereadores de Piracicaba e hoje é chefe de gabinete do vereador Paulo Camolesi, também fez considerações no mesmo sentido e, agora, está sendo instado pela nossa Câmara a se “explicar” e ameaçado de sanções legais. Eu penso que tanto Barbosa quanto Storel estão certos e estão pagando o preço de colocar às claras um processo danoso, antidemocrático e que tende ao “centralismo” e prejudica o amadurecimento da democracia brasileira.
Você pode argumentar, no entanto, que no final o processo é democrático, uma vez que de uma forma ou de outra, o povo elegeu os membros do legislativo e do executivo. Logo estas atitudes dos políticos acabam representando de fato a vontade popular. Eu discordo. Acontece que para que isso fosse verdade, para que o povo realmente estivesse representado (ainda que desta maneira estranha) em sua vontade, seria necessário que ele entendesse realmente o processo da democracia e o papel dos governantes. E não entende. Para os que governam, no entanto, é bom que continuem sem entender, sem saber inclusive que paga impostos e que toda obra pública é feita com seu dinheiro. É bom que o povo não entenda que algumas obras são mais importantes que outras e que seus representantes no legislativo deveriam fiscalizar isso. Sem esta compreensão, os políticos profissionais continuam sendo reeleitos. É por isso que pessoas como Barbosa e Storel são criticados. Eles falam a verdade que o povo não deve entender.
Gleison
30 de maio de 2013
Acho que o Storel não foi “ameaçado de sanções legais”, mas de “sanções ilegais”, uma vez que se trata de evidente perseguição política em razão de manifestação de opinião pessoal, cujo direito é consagrado na Constituição Federal. Coisa de quem não admite que se faça política de um jeito diferente, que cidadãos ousem pensar e se manifestar de maneira divergente, que se contraponham ideias, que se debata, que haja o contraditório. Ou seja, coisa de déspota, de ditador, de tirano.
Carla Betta
31 de maio de 2013
Tenho a impressão desde a adolescência que há musgos e vermes embaixo do tronco e braços invisíveis que nos apertam e tampam nossos olhos. Sonho com esta imagem. Bom texto. Faz-nos acordar do pesadelo e tirar o véu que nos obnubila a visão da realidade. Menos domquixoteanos, ao invés de lutar contra os dragões, podemos confabular com os moinhos-de-vento..
Gleison
31 de maio de 2013
Não seria a troca de apoio político por atendimento a “indicações” uma espécie de mensalão?