
Fonte da Imagem: http://envolverde.com.br
Quem me contou foi um amigo. Sua família alugou um imóvel para um empresário que o reformou para atender suas necessidades. No quintal da propriedade havia três árvores da espécie pau-brasil que o avô de meu amigo plantara por ocasião da construção. As árvores eram grandes, frondosas, e até por se tratar de uma variedade protegida por lei, foi acordado que na reforma as árvores seriam poupadas. Pois bem, em um final de semana, o locatário mandou que os empregados derrubassem uma das árvores para abrir espaço para o estacionamento que fazia no quintal. Depois do corte, um trator arrancou o “toco” e terraplanou o local, não deixando vestígios da planta.
Quando a mãe de meu amigo, uma senhora idosa, viu o que aconteceu, foi reclamar na obra. Começou aí o show de arrogância, egoísmo e cara de pau. O pedreiro responsável disse: “fala aí com o patrão. Ele é advogado…”, como se ser advogado conferisse ao seu chefe poderes de onipotência. Chamou-se o “patrão” e, de quebra, a polícia, já que o que ocorrera é crime ambiental. Para a surpresa da idosa, o empresário negou que existisse antes uma árvore ali, e, logo, que ele a tivesse cortado. Agiu como se ele próprio desconhecesse a existência do terceiro pau-brasil e, assim, poderia alegar que este havia sido retirado “antes” de ter alugado o imóvel. Para o constrangimento final da senhora que reclamava, o policial acreditou e a advertiu, dizendo que “ela não devia mentir assim”. Não sei o que se passou pela cabeça deste defensor da lei, mas penso que entre confrontar uma idosa e um empresário/advogado, era mais “seguro” duvidar desta última.
Neste momento, chegou o meu amigo. Sendo um pouco mais desconfiado do que sua mãe, ele havia, dias antes, fotografado (com o celular) as três árvores com data na foto e com os apetrechos da reforma já a sua volta. Ele percebera a intenção do corte, mas não encontrando ninguém para falar disso, fotografou a cena por precaução. Muito irritado com toda a situação, ele exibiu a foto ao policial e ao “patrão”, demonstrando que a mãe não mentira e que um crime havia ocorrido ali. O policial se calou diante da foto, mas o locatário não. Numa última (e estúpida) tentativa de se defender, disse que aquela terceira árvore não era um pau-brasil, e sim outra qualquer não protegida e, para “sustentar” sua afirmação, questionou meu amigo: “o que você entende de árvore? Você é somente um daqueles que é contra o progresso…”. Teria sido melhor ter ficado calado. Meu amigo entende “um pouco” de árvores sim… Ele é doutor em Engenharia Florestal pela ESALQ.
De toda a história, o que você acha mais espantoso? O corte da árvore, a mentira descarada, o desrespeito a uma anciã, a arrogância ou o conceito de “progresso”? Claro que cada leitor vai apontar algo diferente. Mas se você pensar bem, todo o fato faz parte de um mesmo fenômeno social, o profundo individualismo e egoísmo econômico que substitui o que é legal e socialmente aceito. Poderíamos sintetizar a história da seguinte maneira: A busca egoísta por lucros não aceita limitações, nem legais nem morais, daí ter-se derrubado a árvore mesmo contra o acordo feito e contra a lei. O cumprimento lei, por sua vez, depende da versão que eu posso dar aos fatos. Se eu tiver uma versão “alternativa” ou que levante dúvidas sobre minha responsabilidade (o que foi o caso de negar que a árvore existisse), seu uso é aceito e até profissionalmente preparado por gente do ramo (o que se faz, por exemplo, para defender alguém acusado de crimes cujas provas materiais sumiram). Se, neste processo de negação da verdade mediante a dúvida sobre a transgressão, for necessário descaracterizar e desqualificar ofensivamente o outro (no caso a idosa e o engenheiro florestal), também não existe pudor em fazê-lo. E tudo isso vem “acrescentado” de um discurso aparentemente positivo, o discurso do “progresso”.
Progredir significa evoluir, avançar, melhorar, mas o termo pode ser usado, e é, para refutar toda a crítica àquilo que prejudica o lucro. Assim, da mesma maneira que este empresário pequeno (em todos os sentidos) “atacou” meu amigo com a idéia de que ele seria contra o progresso, grandes empresários e mesmo governantes usam o mesmo tipo de afirmação para refutar aqueles que questionam grandes obras, represas, rodovias, indústrias poluentes, desmatamentos e por aí afora. Quem protestou, por exemplo, contra o desmatamento no Centro Oeste brasileiro para o plantio de soja, foi acusado pelo então governador do Mato Grosso, Blairo Maggi, de ser “contra o progresso do Estado”. Curiosamente o então governador e hoje senador era e é o maior produtor de soja individual do mundo. Cabe perguntar então a que progresso ele e o empresário local defendem. O coletivo ou o seu progresso econômico individual. E também cabe perguntar a que meios eles recorrem para tal defesa.
Ah, você quer saber o que aconteceu com o empresário daqui? Não muito, mas foi obrigado a abrir mão de parte do seu estacionamento e a replantar o pau-brasil. E quer saber que tipo de empresa ele tem? Uma “progressista” imobiliária, daquelas que vai, em algum momento, vender a você um excelente terreno, num condomínio fechado, cheio de “qualidade de vida” e sem algumas árvores nativas e nascentes protegidas pela lei, mas que, infelizmente, ninguém fotografou.
Evandro
6 de junho de 2013
É diante fatos assim que percebo a urgência de uma reforma moral. Os valores deveriam ser outros, as pessoas deveriam perceber em sua volta.
blogdoamstalden
6 de junho de 2013
De fato, Evandro. E para isso é necessário o lento trabalho de mudança cultural do qual nós fazemos parte, neste blog e fora dele.
Fabrízio Bertolucci
6 de junho de 2013
Sou advogado e proprietário de uma imobiliária também. A conduta do colega advogado foi repugnante e merecedora de pena maior. Mesmo plantando outra árvore no local, que de mesma espécie, demorará anos para se equiparar às demais e mesmo assim não terá o valor sentimental que a outra tinha. Infelizmente estamos nos deparando com esse tipo de profissional e o pior, esse tipo de ser humano sem honra e caráter, mesmo diante de uma senhora idosa, fazendo-a passar por mentirosa. Simplesmente lamentável.
blogdoamstalden
6 de junho de 2013
Concordo plenamente Fabrízio. Na verdade, se eu estivesse no lugar de meu amigo, teria processado o cara por diversos motivos, inclusive por ofender uma idosa. Mas você sabe o quão difícil é manter uma disputa desta. A necessidade de testemunhas, advogados e outras. Enfim, eles não quiseram, eu teria sido mais “teimoso”. E, de fato, estes comportamentos tem sido mais comuns em todas as áreas. Ao meu ver, por uma característica da sociedade moderna que é a de “ganhe dinheiro a qualquer custo”. Obrigado por participar. É bom saber que existem pessoas na área do direito e do ramo imobiliário como você. Sinal de que tudo pode ser diferente. Abraço.
Carla Betta
6 de junho de 2013
Concordo com o Evandro e luto, formiguinha que sou, por isto! Existe um filme antigo (qdo assisti estava na faculdade, nem tããoo antigo assim), cuja versão brasileira do nome foi “A árvore dos tamancos”, que mostra a sociedade feudal. Se, por um lado, a vida nos feudos, entre os camponeses, era mais comunitária; por outro lado, o poder do senhor feudal era tão egoísta e prepotente quanto a atitude deste advogado. Em que mudamos? No que evoluímos? Precisamos repensar nossos valores não apenas inovando parâmetros, mas também resgatando valores éticos e humanitários.
Em tempo: alguém conhece e tem este filme para me emprestar? Gostaria muito de revê-lo!
blogdoamstalden
6 de junho de 2013
Carla, o fato de acreditarmos que não evoluímos é, contraditoriamente, um sinal de que o fizemos. Explico. No passado, os camponeses não tinham a noção de que as coisas poderiam ser diferentes, pelo menos, tinham menos informações para isso. Já nós sabemos que podem ser de outra maneira. Agora o desafio é criar a cultura da diferença, de outra maneira de pensar e agir. E isso é mesmo um trabalho de “formiguinha”, do qual este Blog e todos nós fazemos parte.
Daisy Costa
6 de junho de 2013
Adorei esta narrativa, suas ponderações e sua denúncia na ‘moral desta história’!
blogdoamstalden
6 de junho de 2013
Obrigado Daisy. Penso que o mais interessante é o fato de que mesmo com tudo o que se diz sobre o Meio Ambiente, o nosso comportamento continua sendo este. Vivemos apenas de discurso e imagem.
Carla Betta
6 de junho de 2013
Não soube me expressar bem, trata-se de um questionamento mesmo: em que evoluímos? Conservemos a evolução e que esta sirva de alavanca para novas mudanças positivas. Em que involuímos? Talvez fosse melhor resgatar valores ou inovar nestes casos. Mas, o seu raciocínio é bem real: sabemos que pode ser diferente! E antes, a humanidade estagnava em conceitos inflexíveis. É desafiante e às vezes desanimador fomentar a reflexão, quebrar paradigmas, porém não podemos cruzar palidamente nossos braços. Há braços invisíveis que nos sufocam, mas também há uma força que nos impulsiona e nela eu acredito, nela tenho fé. Tenho fé na humanidade. E este blog é uma das folhas que a formiguinha carrega para a sua comunidade.
Antonio Camarda
7 de junho de 2013
Olhando por outro ângulo, vejo neste caso muita hipocrisia, conduta lamentável , e a repetição do velho jargão: você sabe com quem esta falando? Tanto o pedreiro quanto o policial agiram da forma que outros profissionais também agem, alguns claro, de forma induzida pela sociedade moderna, ou seja já trazem em sua caixa preta ou cinzenta ou no subconsciente, ou consciente coletivo , conforme Jung …e terapeutas …..o conceito de aparências que interpretram como mito ( o juiz é inacessível pois usa toga, o padre é diferenciado pelos fiéis pela batina ..ou, o advogado esta acima da lei , é pessoa poderosa, pois tem o mito embutido no colarinho branco e gravata …. e assim por diante conforme Joseph Campbell) . Para ilustrar o poder de influência da aparência, por incrível que pareça , nos dias de hoje, um amigo relatou-me o que ocorreu aqui na cidade e tem ocorrido em outras, no comércio…..chegou um fulano, estacionou uma mercedez ultimo modelo bem em frente à loja…. entrou muito bem trajado de gravata e tudo,, os vendedores esfregaram a mão…oba ..vamos ver a qual de nos este magnata se dirigira. O fulano sentou-se no sofa da exposição abriu os braços sobre o sofa, fazendo aquela pose….olhou no relogio e disse a um vendedor ..nóssa esqueci da reunião na minha empresa….por isso gostaria de ser atendido o mais rápido possível… vou dar uns presentes..pois já tenho tudo….e foi escolhendo a maior e melhor tv , filmadora etc etc. , inventou uma estoria, disse q tinha esquecido o cartão….então compraria no crediario, e depois mandaria um empregado pagar com dinheiro vivo, e esbravejou quando tentaram levantar os dados ….bem , acabaram acreditando naquele sujeito pois parecia gente importante. Depois que colocaram a tv no carro, e fechou a porta e sorrindo disse atéeee éssa tv e etc. voces nuca mais verão. saiu cantando pneu…o vendedor assustado , ainda pensou que ele estava brincando…mas apo´s investigação descobriram que o carro era roubado ,, documentos falsos, e não conseguiram recuperar. Então a conduta tanto do pedreiro quanto do policial é .explicada por esta tendência de subjugar-se à alguém supostamente todo poderoso ou diferenciado. Quanto ao advogado, não podemos generalizar…mas causa indignação, pois passou como rolo compressor , por princípios éticos, de forma desumana , e de fato merecia ser julgado e ser punido pela lei que ele provavelmente conhece bem , tanto que usa e abusa .