O Progresso e o Egoísmo Mentiroso. Por Luis Fernando Amstalden

Posted on 6 de junho de 2013 por

10



pinoquio ambiental

Fonte da Imagem: http://envolverde.com.br

Quem me contou foi um amigo. Sua família alugou um imóvel para um empresário que o reformou para atender suas necessidades. No quintal da propriedade havia três árvores da espécie pau-brasil que o avô de meu amigo plantara por ocasião da construção. As árvores eram grandes, frondosas, e até por se tratar de uma variedade protegida por lei, foi acordado que na reforma as árvores seriam poupadas. Pois bem, em um final de semana, o locatário mandou que os empregados derrubassem uma das árvores para abrir espaço para o estacionamento que fazia no quintal. Depois do corte, um trator arrancou o “toco” e terraplanou o local, não deixando vestígios da planta.

Quando a mãe de meu amigo, uma senhora idosa, viu o que aconteceu, foi reclamar na obra. Começou aí o show de arrogância, egoísmo e cara de pau. O pedreiro responsável disse: “fala aí com o patrão. Ele é advogado…”, como se ser advogado conferisse ao seu chefe poderes de onipotência. Chamou-se o “patrão” e, de quebra, a polícia, já que o que ocorrera é crime ambiental. Para a surpresa da idosa, o empresário negou que existisse antes uma árvore ali, e, logo, que ele a tivesse cortado. Agiu como se ele próprio desconhecesse a existência do terceiro pau-brasil e, assim, poderia alegar que este havia sido retirado “antes” de ter alugado o imóvel. Para o constrangimento final da senhora que reclamava, o policial acreditou e a advertiu, dizendo que “ela não devia mentir assim”. Não sei o que se passou pela cabeça deste defensor da lei, mas penso que entre confrontar uma idosa e um empresário/advogado, era mais “seguro” duvidar desta última.

Neste momento, chegou o meu amigo. Sendo um pouco mais desconfiado do que sua mãe, ele havia, dias antes, fotografado (com o celular) as três árvores com data na foto e com os apetrechos da reforma já a sua volta. Ele percebera a intenção do corte, mas não encontrando ninguém para falar disso, fotografou a cena por precaução. Muito irritado com toda a situação, ele exibiu a foto ao policial e ao “patrão”, demonstrando que a mãe não mentira e que um crime havia ocorrido ali. O policial se calou diante da foto, mas o locatário não. Numa última (e estúpida) tentativa de se defender, disse que aquela terceira árvore não era um pau-brasil, e sim outra qualquer não protegida e, para “sustentar” sua afirmação, questionou meu amigo: “o que você entende de árvore? Você é somente um daqueles que é contra o progresso…”. Teria sido melhor ter ficado calado. Meu amigo entende “um pouco” de árvores sim… Ele é doutor em Engenharia Florestal pela ESALQ.

De toda a história, o que você acha mais espantoso? O corte da árvore, a mentira descarada, o desrespeito a uma anciã, a arrogância ou o conceito de “progresso”? Claro que cada leitor vai apontar algo diferente. Mas se você pensar bem, todo o fato faz parte de um mesmo fenômeno social, o profundo individualismo e egoísmo econômico que substitui o que é legal e socialmente aceito. Poderíamos sintetizar a história da seguinte maneira: A busca egoísta por lucros não aceita limitações, nem legais nem morais, daí ter-se derrubado a árvore mesmo contra o acordo feito e contra a lei. O cumprimento lei, por sua vez, depende da versão que eu posso dar aos fatos. Se eu tiver uma versão “alternativa” ou que levante dúvidas sobre minha responsabilidade (o que foi o caso de negar que a árvore existisse), seu uso é aceito e até profissionalmente preparado por gente do ramo (o que se faz, por exemplo, para defender alguém acusado de crimes cujas provas materiais sumiram). Se, neste processo de negação da verdade mediante a dúvida sobre a transgressão, for necessário descaracterizar e desqualificar ofensivamente o outro (no caso a idosa e o engenheiro florestal), também não existe pudor em fazê-lo. E tudo isso vem “acrescentado” de um discurso aparentemente positivo, o discurso do “progresso”.

Progredir significa evoluir, avançar, melhorar, mas o termo pode ser usado, e é, para refutar toda a crítica àquilo que prejudica o lucro. Assim, da mesma maneira que este empresário pequeno (em todos os sentidos) “atacou” meu amigo com a idéia de que ele seria contra o progresso, grandes empresários e mesmo governantes usam o mesmo tipo de afirmação para refutar aqueles que questionam grandes obras, represas, rodovias, indústrias poluentes, desmatamentos e por aí afora. Quem protestou, por exemplo, contra o desmatamento no Centro Oeste brasileiro para o plantio de soja, foi acusado pelo então governador do Mato Grosso, Blairo Maggi, de ser “contra o progresso do Estado”. Curiosamente o então governador e hoje senador era e é o maior produtor de soja individual do mundo. Cabe perguntar então a que progresso ele e o empresário local defendem. O coletivo ou o seu progresso econômico individual. E também cabe perguntar a que meios eles recorrem para tal defesa.

Ah, você quer saber o que aconteceu com o empresário daqui? Não muito, mas foi obrigado a abrir mão de parte do seu estacionamento e a replantar o pau-brasil. E quer saber que tipo de empresa ele tem? Uma “progressista” imobiliária, daquelas que vai, em algum momento, vender a você um excelente terreno, num condomínio fechado, cheio de “qualidade de vida” e sem algumas árvores nativas e nascentes protegidas pela lei, mas que, infelizmente, ninguém fotografou.

Posted in: Artigos