Até agora não publiquei nada sobre os recentes protestos em São Paulo, Rio, Porto Alegre, Brasília e outras cidades. Em parte porque, assim como a maioria das pessoas, ainda não tenho exatamente certeza do que está de fato acontecendo. Talvez algum pesquisador que esteja acompanhando movimentos urbanos saiba melhor, mas mesmo estes talvez ainda estejam tentando formar uma imagem uma vez que os protestos são dinâmicos. A motivação principal é tida como o aumento da passagem dos ônibus, mas é possível, analisando as imagens, textos e falas de participantes, visualizar muitas outras reivindicações, tais como investimentos em educação, combate à corrupção, democracia direta e até mesmo o fim da violência. Ou seja, o aumento das passagens parece ser um fato mobilizador, mas as demandas são muito mais vastas.
Este fenômeno não é novo. Tanto no passado quanto recentemente, fatos aparentemente secundários escondem demandas reprimidas, frustrações e desejos de mudança mais ampla que acabam por eclodir em movimentos e rebeliões por, aparentemente, causas menores. No momento, na Turquia, manifestantes enfrentam a polícia (numa situação muito similar a daqui) e os conflitos tiveram início com protestos contra a destruição de uma área verde na capital. Claro que defender áreas verdes, assim como passagens baratas de ônibus, são importantes. Mas a intensidade dos conflitos demonstra que, por detrás, existem outras insatisfações.
E o que, afinal está acontecendo SE é que está acontecendo?
Como eu disse, ainda não há respostas claras. Mas existem pontos a comentar, como faço abaixo.
É um movimento político partidário?
Não creio que seja. Embora existam partidos pequenos, principalmente de esquerda, participando e incentivando as mobilizações, penso que a maioria dos manifestantes pertence a grupos variados, com demandas próprias e algumas coletivas. Mas não vejo, pelo menos diante das informações de que disponho, uma liderança absoluta de um partido ou agremiação. É um movimento plural, não necessariamente espontâneo, mas multifacetado.
É pelo aumento em si?
Como já citei, não, não acredito. Existem muitas demandas e frustrações em cena. Mas é fato que o aumento é algo que atinge diretamente milhões de pessoas, e, embora “analistas” como Arnaldo Jabor (que deveria continuar a fazer filmes, penso eu) afirmem que as pessoas que lá estão não precisam daqueles “tostões”, milhões precisam sim. A Folha de São Paulo fez os cálculos do impacto do aumento em São Paulo e chegou a conclusão que um trabalhador gastará pelo menos duzentos reais mês com transporte. Isso é parte muito grande do salário mínimo. Logo a “bandeira” é relevante e aglutina as pessoas. No link abaixo, pode-se ver uma empresária contestando a fala de Jabor:
É um movimento violento?
Em todas as manifestações das quais já participei, existem pessoas mais violentas e agressivas. Com certeza, em meio a tantas pessoas, os violentos estão lá e agridem policiais e praticam depredações. Do outro lado, a polícia tem agido sim com bastante violência. Note-se que um ataque que seja, contra um policial, eleva o grau de irritação de todos eles, e, mesmo que alguns manifestantes tentem evitar atitudes assim, elas acabam por acontecer, como vemos abaixo.
Eu não tenho condições, e penso que ninguém tem, de dizer quem atirou a primeira pedra ou bomba de gás. Mas ocorreram ambas as coisas e isto causa o que chamamos de “efeito de desbloqueio”. No momento em que a primeira vitrine é quebrada ou o primeiro policial é atingido (ou atinge alguém) a ação se espalha e mais atitudes violentas ocorrem.
Até onde pude observar, parece haver uma tendência de diminuição da violência dos manifestantes e aumento da mesma por parte dos policiais. Isso pode ser estratégico por parte dos manifestantes e ao mesmo tempo espontâneo. Estratégico porque eles podem se livrar da imagem de vandalismo que tem-lhes sido atribuída e espontânea na medida em que mais pessoas aderem às manifestações, indignadas com a violência policial, maior é a tendência de práticas diferentes.
Um exemplo:
Por outro lado, ações como a do policial flagrado quebrando os vidros da própria viatura parecem ser uma “estratégia” de alguns policiais, na medida em que, simulando o ataque, eles podem “justificar” sua violência como auto defesa. A polícia também atacou indiscriminadamente, inclusive pessoas que nada tinham com as passeatas, jornalistas e manifestantes que pediam paz. Isto não ajudou em nada aos ânimos. Ao contrário, incentivou mais manifestações.
De qualquer modo, não acredito que episódios de violência deixarão de acontecer salvo se o movimento crescer bastante. Neste caso, com uma mobilização maciça, a tendência será a de recuo de ordens repressivas por parte do governo, como aconteceu antes em movimentos como o “Diretas Já” e o “Fora Collor”.
Vai crescer?
Se depender das redes sociais e da internet como um todo, já cresceu. É possível acompanhar pela net os muitos vídeos, textos e manifestos pró movimento. Há, inclusive, várias comunidades intituladas “o Brasil Acordou” e afins. Também existem convocações on line para manifestações nesta segunda, dia 17/06/13 em São Paulo e muitas outras em cidades variadas, inclusive no interior paulista e aqui, em Piracicaba.
https://www.youtube.com/watch?v=BsyCDcNudSc
Porém, a internet só funciona enquanto uma divulgadora. A real continuidade e/ou crescimento virão de outros fatores. Arrisco a enumerar três.
Primeiro fator: o crescimento do apoio popular, principalmente das classes mais pobres. Movimentos anteriores só cresceram com isso, mas por outro lado, também se esvaziaram quando o apelo popular caiu. Se, no entanto, houver mobilização da população mais pobre então as perspectivas são de crescimento. Porém isso não é fácil. A esmagadora maioria do nosso povo vê o Estado como algo estranho a si e não como algo de que ele faça parte. Assim a sua capacidade de insurgir-se, de protestar fica enfraquecida. Isso já aconteceu várias vezes na nossa Historia recente.
Segundo Fator: a unificação de reivindicações. Até o momento a principal demanda é pontual: a revogação do aumento. Mas. como vimos. as insatisfações são muitas. O crescimento vai depender de se conseguir uma série de pontos mais claros sobre o que se quer, e isso tampouco é simples. Envolve uma negociação central que, a princípio, não está formada.
Terceiro fator: a reação do governo. Se houver uma reação não violenta, de negociação ou até de concessões imediatas, o movimento pode se isolar e esvaziar. Se, no entanto, o governo insistir na repressão e no tom “duro”, aumentará a irritação e, mesmo que não colha agora, colherá mais tarde os reflexos disto.
Nesta segunda feira estão marcadas mais manifestações. E há um sinal de que elas podem crescer em apoio popular e número de participantes. Segundo a Folha de São Paulo de hoje, dia 16/06/13, representantes de cem entidades manifestaram seu apoio ao movimento e devem enviar participantes. Segue um trecho literal da reportagem:
“As manifestações contra o aumento da tarifa de ônibus devem ganhar reforço de trabalhadores de várias regiões do Estado de São Paulo a partir de segunda-feira (17).
A decisão foi tomada no sábado (15) pela manhã em reunião com cerca de 100 representantes de várias entidades –entre elas o Movimento Passe Livre, que já organizou quatro protestos na cidade, e a central sindical CSP-Conlutas à qual é associada.
Metalúrgicos de São José dos Campos, trabalhadores rurais do interior paulista, operários da construção civil e funcionários do comércio são algumas das categorias que devem engrossar os protestos a partir da semana que vem.
(…)
A CUT (Central Única de Trabalhadores) e Força Sindical já se posicionaram contra a repressão policial nas manifestações. Mas ainda não está certo a participação de seus sindicatos no protesto de segunda-feira.”
Agora é acompanhar. Eu, de minha parte, pretendo estar junto com os manifestantes em minha cidade na próxima quinta feira. Não vou depredar nada nem agredir ninguém. Espero, porém, também não ser agredido. De resto, vamos ver se está acontecendo algo além da “copa das confederações”.
Anônimo
16 de junho de 2013
Excelente postagem,
parabéns!
Evandro Mangueira
16 de junho de 2013
Não acredito que esse momento é verdadeiro, esperei tanto que isso acontecesse! O povo falando de direitos, nunca vi meu facebook tão cheio de pessoas falando a respeito de política! É triste passarmos por isso, mas ao mesmo tempo é um vivamento da esperança!
Carla Betta
16 de junho de 2013
Quando li sobre as depredações fui a primeira a condenar. No passar dos dias, fui compreendendo os acontecidos e a dimensão destes. É a gota d’água! Piracicabanos queridos que leem este comentário e se irritam com o crescente trânsito desta cidade, não têm noção do que é o trânsito e o transporte público em São Paulo! Piracicaba prima por sucatas de ônibus e pela deseducação dos usuários (Sinto dizer, mas é verdade) Mas, ainda assim é incomparável ao estresse provocado por quem tem tantas carências quantas situações angustiantes ao morar em São Paulo. O estopim da bomba estourou lá. Mas, assim como os habitantes da capital paulista, ninguém aguenta mais tantos mandos e desmandos, tanta corrupção e tantas situações miseráveis na saúde e na educação! Os brasileiros estão se manifestando em outras cidades,outros estados e fora do país! Os manifestantes caminham, a meu ver, por comportamentos pacificadores, mas não menos contundentes quanto às suas/nossas reivindicações! Dou graças!
Bruna
16 de junho de 2013
É isso mesmo Amstalden! Temos que tomar consciência do que realmente está acontecendo. Eu estava em Piracicaba durante as primeiras manifestações e ao apenas acompanhar a mídia oficial (com certo ceticismo) estive completamente fora das dimensões reais do acontecimento. Agora de volta a São Paulo e principalmente pela internet posso começar a perceber e começar a lutar também. A FFLCH e a USP como também várias outras universidades uniram seus discursos particulares por essa pauta em conjunto. Ano passado, quando eu entrei na faculdade um dos mais discutidos assuntos pelos estudantes era a manipulação da mídia e a Policia Militar no Brasil. Mas também observei, de uma posição privilegiada, como o protesto esgotou a si mesmo. E é esse um dos meu maiores temores: Até onde a indignação do povo vai ser superior ao cansaço e a rotina pessoal de cada um?
Como dito no seu artigo temos que esperar e ter esperança que cresça e que as camadas populares se juntem à nós. Mas podemos pedir a um trabalhador que deixe o seu serviço, arrisque perder seu emprego (o qual necessita para manter a família) para vir as ruas reivindicar seus direitos, sabendo que podem ser recebidos com gás, balas de borracha, pancadaria ou serem presos (com uma fiança de 20 mil reais como já foi observado)?
Outro fator citado em seu artigo foi a questão da internet, a qual concordo plenamente: “a internet só funciona enquanto uma divulgadora.” Como bem dito em um dos cartazes das ultimas manifestações: ‘Saímos do Facebook’.
Qualquer um pode entrar no maior dos eventos do facebook sobre o quinto grande ato e perceber que há uns 195.000 pessoas confirmadas. Quantas dessas realmente comparecerão?
Sobre a violência… o objetivo sempre foi um protesto pacífico. Mas podemos controlar todas as pessoas num evento onde milhares delas se reúnem? Podemos conter sua raiva e frustração diante da truculenta e violenta resposta da tropa de choque? “Sem violência” é o que queremos. Será que amanha o conseguiremos?
Talvez este discurso esteja soando um pouco inflamado demais. Talvez seja apenas efeito da proximidade do inconformismo, talvez porque o tiro esteja saindo perto demais das nossas casas, perto de mais de nossos colegas, perto demais de nossas vidas.
Mas aqui quem fala é uma estudante que há muito tempo vê o povo sofrendo e absurdos acontecendo, e poucas vozes se levando e estas mesmas muitas vezes se calando, roucas. De qualquer forma.
Não é pelos 20 centavos. Será que o Brasil finalmente está acordando?
Anônimo
16 de junho de 2013
o povo tem que ir é pra Brasilia, e invadir o palacio do planalto, cobrar dos governantes atitudes, eles ia ficar com o ….. na mão.