Antes de ler este texto, ouça a história, porque foi ela quem inspirou as considerações a seguir:
Observamos no mundo contemporâneo a revitalização da função do contador de histórias. Por que esta escada mágica, este portal para o mundo da imaginação nos fascina tanto?
Como na história apresentada, há vários alvos que essas atingem:
O alvo da compreensão humana: dos sentimentos em comum e dos sentimentos particulares. Podemos observar que muitas histórias contêm elementos comuns em inúmeras épocas da história e em diversos locais geográficos. Regina Machado, em seu livro “Acordai”, mostra duas histórias de locais e épocas bem diferentes e impressionantemente semelhantes! O primeiro é um conto tibetano, cujo herói se chama Ring Pai e salvo algumas diferenças, a essência é a mesma: um homem, que mesmo posto à prova, titubeia, mas não mente. A versão brasileira, recolhida por Luís da Câmara Cascudo, no livro: “Contos Tradicionais do Brasil”, chama-se “O boi Leição”. O que fez com que houvesse tantas semelhanças entre histórias geográfica (Tibet e Brasil) e historicamente (Antiguidade e Brasil-Colonial) tão diferentes ? É o que Regina Machado e eu nos perguntamos.
Por outro lado, ouso afirmar que cada um que me assistiu (ou leu no livro acima referido) sofreu sentimentos diferenciados, pois cada um de nós tem uma trajetória individual, um modo de sentir e interpretar próprio. A cada ouvinte a narrativa rememorará um fato particular e reverberará em um caldo de emoções singular.
O alvo da magia, do fantástico, do “era uma vez” que por si só desenvolve a criatividade, a cognição, que enriquece, amadurece e estimula a expressão dos conflitos psicológicos inerentes a todo ser humano, mas que é sentido de modo próprio e individual.
Li, recentemente, em um artigo: “Princesas da Disney moldam feminilidade em crianças” (http://www.usp.br/agen/?p=127120) que os desenhos animados e as caracterizações das princesas nestes desenhos influenciam negativamente a conceitualização do feminino em meninas com cerca de cinco anos. Infelizmente, no meu entender, embora tenha sido um avanço indiscutível as realizações de Walt Disney, fomentando a cultura para a infância (mas não é o foco deste texto), houve u’a massificação de modelos e estereótipos, deixando para segundo/terceiro plano aquilo que essas histórias buscam dentro de cada um de nós e que é a razão da sobrevivência de certas histórias, tornando-as clássicos da literatura infantil.
Ainda que mascaradas por esta uniformização perniciosa, existem elementos subjetivos nestes clássicos, que se comunicam com nosso inconsciente e, como o rabino da história de Ilan Brenman, acertam no alvo de nossos conflitos psicológicos, apontando soluções ou traduzindo nossas mazelas para que possamos aprender a lidar com nossas emoções.
O alvo do bem-estar e da saúde, proporcionando um momento de distração e lazer aos hospitalizados, aos enfermos. Em minha experiência na Santa Casa de nossa cidade confortamos e alegramos não só as crianças internadas como também suas mães e pais estressados pela preocupação com a doença do filho e com as obrigações exteriores. A renomada contadora de histórias americana Laura Simms conta sobre sua experiência no Haiti rodeado pelos escombros onde, antes de partir, algumas mulheres agradecem em lágrimas o bem-estar devido aos momentos de contação de histórias e conversas, após os quais se sentiam mais fortalecidas.
ONGs como: “Associação Viva e Deixe Viver”; “História Viva” e a Equipe da Tia Carmelina (organizada pelas Carmelina de Toledo Piza e Cleusa Delgado), da qual faço parte e que atua na Santa Casa de Piracicaba, reforçam a tese comprovadíssima do efeito salutar das histórias em ambientes estressantes, como os de um hospital.
Ouvir uma história com a alma e o coração já exige que se estabeleça uma relação de confiança entre contador e ouvinte, portanto, há uma “magia”, uma ligação que se estabelece entre dois canais de comunicação, pressupondo a confiança do “deixar-se levar” pela história. Assim, entramos no mundo do encantamento para sermos enfeitiçados, estabelecendo uma conversa entre inconscientes e proporcionando um momento de descontração e lazer no ambiente pouco acolhedor da enfermidade.
Em minha experiência na Santa Casa de Piracicaba percebo olhares atentos, que nos solicitam, quase implorando, o veículo que levará mães, pais, avós, enfim, cuidadores da criança internada para o mundo do “Era uma vez…”, ao menos por alguns momentos, para recobrarem suas energias e enfrentarem a crueza da realidade hospitalar.
O alvo do ensinar na educação formal, como ferramenta pedagógica para os conteúdos curriculares.
Um conto, uma lenda, qualquer narrativa bem redigida pode ser explorada pelo seu aspecto estético e literário. Este é o óbvio ululante, como diria Nelson Rodrigues. Mas, há outras vertentes a serem exploradas em cada história. No caso específico da história O ALVO, pode-se explorar em interdisciplinaridade as disciplinas de física, matemática, geometria e expressão artística.
A história encanta, nos une em roda, nos faz humano e nos faz humanidade. Esta é a sua função primordial e o seu poder. Ainda que a narrativa oral possa ser ensinamento moral e formal, possa ser lazer e distração, possa provocar risos ou choro, o seu lugar e importância no mundo se define pelo encantamento que ela comove no que é essencialmente humano, independente do tempo, do local, da posição social e da faixa etária. A história leva-nos, atavicamente, para a caverna de nossos ancestrais, ao redor da fogueira crepitante, desenhando pinturas rupestres e contando nossos feitos, nosso cotidiano aos nossos companheiros, à nossa tribo. Por isto, na história da humanidade, desenvolveram-se mídias-contadoras-de-histórias: a escrita, o livro, as HQs, os filmes, as novelas, os seriados, etc…
Mas, apenas a história narrada permite o olho-no-olho, a comunicação entre consciente-e-inconsciente do contador e dos ouvintes, integrando-se, mesclando-se, relacionando-se no fluir entre realidade e imaginação, transitando entre todo o iceberg (do qual fala Freud* referindo-se ao psiquismo humano) em uma conversa que grita silenciosamente e ressignifica aquele momento de interação.
A cada um, a história encanta de uma forma, remete às experiências individuais e ressignifica os sentimentos humanos e os particulares. É claro que podemos racionalizar, mas o encanto perde-se e a conversa entre os inconscientes também.
Contando histórias no Metrópolis Café, antes de começar, anunciei que as narrativas escolhidas para a ocasião remetiam-me aos acontecimentos recentes das manifestações em nosso país das quais participamos e/ou testemunhamos. Ao final, alguém me interpela para que eu explicasse qual relação havia feito entre as histórias e os acontecimentos. Respondi que “é chato” o contador de histórias fazer interpretações. O simbólico pertence ao inconsciente coletivo, mas também ao sentimento, às vivências, àquilo que a história significa no caudaloso rio de nossas experiências e emoções particulares. É preciso inspirar a história profundamente, misturá-la às nossas vísceras, permitir que ela faça parte de nossa alma e assim, livre das amarras e defesas conscientes, permitimos que esta mova-nos e transforme-nos e, sem ser uma etapa necessária, podemos interpretá-la de modo racional. Os psicanalistas e estudiosos da psicanálise (freudianos ou junguianos) muito nos disseram sobre os contos-de-fadas, os mitos e como eles são importantes para o desenvolvimento emocional. Os filósofos, sociólogos, historiadores investigaram e nos enriqueceram com suas conclusões sobre as funções histórica, social e suas reverberações no pensamento humano de várias épocas. Mas, sorver a história, conversar com ela, deleitar-se com o seu narrar, deixar-se transformar em uma reação química de elementos valiosos e resultado ímpar pertence ao mundo dos sentimentos: fluido, invisível, universal, atávico, mas singular e individual.
(*Observação: Nos primeiros trabalhos, Freud sugeria a divisão da vida mental em duas partes: consciente e inconsciente. A porção consciente, assim como a parte visível do iceberg, seria pequena e insignificante, preservando apenas uma visão superficial de toda a personalidade. A imensa e poderosa porção inconsciente – assim como a parte submersa do iceberg – conteria os instintos, ou seja, as forças propulsoras de todo comportamento humano http://www.psicoloucos.com/Psicanalise/id-ego-e-superego.html).
Nascida com o nome Carla Ramos Bettarello, adota o Betta e assume-se como Carla Betta, pela invenção de um amigo. Mais tarde, descobre que seu pai era conhecido assim em seu tempo de faculdade. Mãe coruja assumida de um casal maravilhoso e lindo de filhos. Conta e se encanta com as histórias: objeto de estudo e prática artística.
Evandro Mangueira
23 de julho de 2013
Carla, que trabalho bonito!!!! O Blog do Amstalden tornou-se um lugar diversificado e rico!
blogdoamstalden
23 de julho de 2013
Também acho, Evandro. Mas é diversificado e rico por todos vocês. Abs.
Anônimo
23 de julho de 2013
Carla, sou sua fã, vc chegou na Santa Casa e senti a diferença nas histórias, nos encontros que participa, eventos e a pouco descobrir esta o dom da escrita. Parabéns a você e ao grupo que te acolhe.
blogdoamstalden
23 de julho de 2013
A honra é do grupo que a acolhe. E, que legal, hein Carla? Uma fã declarada. Tão bom ter o trabalho reconhecido, né? E agora, cada vez, mais, o trabalho escrito também. E pensar que eu e o Totó tivemos trabalho para convencê-la a escrever…
Carla Betta
24 de julho de 2013
Puxa, obrigada! Logo mais, estaremos abrindo inscrições para o curso de formação de contadores de histórias! Acertando detalhes. Eum parceria com a Ana Chris Martins, que já instruiu outros cursos de formação de contadores de histórias e é arteterapeuta. E estou tentando trazer para Piracicaba o curso de pós graduação “A arte de contar histórias”. Esta é minha paixão! Grata por sentirmos esta paixão juntos!
Tinah Lima
24 de julho de 2013
Olá Carla
Moro no Rio e recebi um chamado para subir o morro e contar histórias para as crianças carentes e quem mais quiser escutar, porém eu não sei contar histórias… 😦
Você poderia me indicar um curso rápido aqui no Rio, para que eu começasse a me desenvolver?
Sucesso!
Tinah
Carla Betta
24 de julho de 2013
No Rio? em rápido, nem longo… Mas, procurarei me informar, Tinah Lima.
Carla Betta
24 de julho de 2013
Recomendação obtida para a Tinah:
de José Mauro Brant.
Carla Betta
24 de julho de 2013
Tinah Lima: mas, tendo o transporte garantido, EU VOU! hehehehehehehe!! Deve ser uma experiência MARAVILHOSA!! Aproveito e visito uma amiga… mais abusada, impossível! rsrsrrsrsrs!!
Carla Betta
25 de julho de 2013
Tinah Lima: mais informações sobre curso no Rio de Janeiro, pelo SENAC: http://www.rj.senac.br/index.php/ensino/view/course/364
Espero ter ajudado.
Boa Sorte!
Tinah Lima
30 de julho de 2013
Carla querida! Obrigada pela dica. SUCESSO!!!
Continuo te seguindo pelas redes…
Beijos!
Deus te abençoe!!!!
Carla Betta
30 de julho de 2013
Amém a todos nós, Tinah!!
Anônimo
4 de outubro de 2013
oi Carla, fiz o curo de contador contigo la no Senac. Como aprendi e descobri coisas novas, adorei, sdd bjs
Carla Betta
4 de outubro de 2013
Grata!! Como está como “anonimo” fiquei curiosa: quem é? Saudades tbm! Eita turminha boa que nós tivemos!! Bjs!!