
Fonte da imagem: http://myi2.us/?avada_portfolio=disney-world
Aconteceu em uma drogaria onde minha esposa trabalhava. Um homem de meia idade, mas vestido no estilo “garotão”, desce de um carro importado e adentra à loja. Aproxima-se do balcão e diz: “voltei de viagem e estou resfriado”. E minha esposa: “e o senhor está sentindo exatamente o quê?”. O cliente, ao invés de dizer o que sentia, respondeu: “eu viajei para a Europa, sabe?”. Qualquer um que trabalhe com comércio sabe que é preciso dar atenção ao cliente e, numa farmácia, as vezes, isso significa ouvir longas histórias de doenças e até problemas familiares. Mas aquele homem não queria nada disso, queria dizer para todo mundo que ele havia estado na Europa. Bem, não é o tipo de atenção mais comum que se pede de um farmacêutico, mas, enfim, minha esposa, diante do silêncio do “viajante” que não se dispunha a dizer o que sentia, não teve outra escolha além de mostrar-se “impressionada” e então falou: “ah, e o senhor esteve em que país da Europa?”. O homem, entusiasmado enfim, respondeu: “Estive em Paris!”. E minha esposa: “mas… Paris é uma cidade, não um país…” O “turista” hesitou: “Ah, é… bom, que país é lá mesmo?”
Talvez tenha sido somente um evento de “novo rico”, de alguém que tenha ganho dinheiro mas não tenha lá muita cultura. Acontece. Muita gente não teve tempo de estudar, trabalhou, ganhou dinheiro e na hora de usufruir um pouco acaba esbarrando na cultura que lhe falta. Mas não posso deixar de pensar que há, neste fenômeno, mais do que a falta de cultura de um trabalhador bem sucedido. Há algumas características do nosso tempo, da sociedade e da cultura em que vivemos e que alguns chamam de “pós moderna”. A primeira característica é a do cultivo de uma imagem sem substância. Para aquele homem, tanto fazia saber o país onde esteve, mas sim que os outros soubessem que ele esteve fora do Brasil. Não se trata de partilhar uma experiência agradável e entusiasmante, mas de construir uma auto imagem de alguém que pode ir ao exterior, particularmente à uma cidade chique, como Paris. Isso fica evidenciado não somente por ele não saber que Paris é a capital da França, mas pela sua insistência em falar que viajara, deixando de dizer o principal, o que sentia para que pudetsse ser aconselhado sobre o remédio que poderia tomar ou se deveria procurar um médico. Tudo isso é menos importante do que construir sua imagem social de alguém economicamente superior, que pode viajar.
A segunda característica dos nossos tempos é um certo desinteresse pelo conhecimento (que aliás eu vejo muito nas salas de aula), uma superficialidade para a qual não interessa realmente uma maior noção de onde se está e até do que significa aquele lugar, mas apenas o fato (raso) de ter estado lá e, principalmente, dizer isto aos demais. Paris é uma cidade riquíssima em história, cultura, arquitetura e outras belezas. É uma cidade na qual a cada quadra andada pode-se visualizar uma obra de arte e/ou um lugar relacionado a um personagem ou um fato histórico. Quando penso em visitar a cidade (e de resto muitos outros lugares na Europa e em outros continentes), fico imaginando o quão “saboroso” seria ver tais lugares e “sentir” todo aquele “clima”. Outras pessoas que conheço pensam o mesmo. Uma ex aluna minha contou que chorou ao ver, no museu do Louvre, um quadro que sempre admirara. Isso é, a meu ver, a verdadeira experiência de estar em um lugar diferente, de viajar, de conhecer outros lugares.
Mas na nossa sociedade este comportamento não é regra, é exceção. Quer um exemplo? O maior destino turístico dos brasileiros que viajam ao exterior hoje, é os Estados Unidos. E lá, o desino específico mais procurado é a Disneyworld. Oras, a Disneylândia é apenas um parque de diversões mais elaborado, sem história, sem cultura, sem “substância”. Um aglomerado de brinquedos, muitos dos quais de impacto, como montanhas russas, que apenas provocam descargas de adrenalina. Lá nada é natural ou humano. Tudo é plástico, aço, vidro e ilusões infantis. É um bom lugar para crianças, mas não necessariamente para adultos, mas o número de turístas lá é grande demais para ser apenas de pais acompanhando seus filhos. E aqui temos uma terceira e triste característica da nossa época: a infantilização do comportamento. Ser adulto, ser mais interessado em coisas de adulto, parece ser ruim, pesado, chato. Daí é melhor ir a lugares de hiper consumo ou de ilusões (que no final dá no mesmo) do que ir a um lugar de “gente grande”. Adultos se interessam por coisas mais sérias, pela natureza, pela arte. Pelo menos em tese, eles são capazes de perceber estas belezas que, muitas vezes, uma criança não é. No entanto, milhões de “adultos” no mundo todo tem se infantilizado a ponto de, entre escolher entre uma refeição num pequeno restaurante parisiense com uma culinária típica ou um hambúrguer no Mcdonalds; escolhem a segunda opção. Este comportamento infantil, por sua vez, tem uma razão “prática”. Ele é incentivado pela propaganda para a criação de hiper consumidores. Acontece que um adulto, de novo em tese, pode apreciar muitas e diferentes belezas sem comprar coisas, mas uma criança não tem esta mesma percepção. Ela é mais facilmente atraída por bobagens coloridas do que por uma bela paisagem. Daí, para as grandes indústrias e suas agências de publicidade, é uma boa idéia transformar adultos em crianças que escolhem a Disney e não sabem qual a capital da França.
Eu não sei se aquele homem apreciou Paris. Talvez até tenha apreciado, mas sua ignorância me dá a certeza de que ele poderia ter apreciado mais e, talvez, tivesse até preferido a Disneyworld. De minha parte, digo-lhes uma coisa: a última vez em que eu viajei e não sabia onde estava, é porque eu estava perdido.
Carlos Alberto Zem
24 de julho de 2013
As análises feitas pelo Amstalden sobre a sociedade do hiperconsumo são pontos, com cores bem fortes, de fatos com os quais cotidianamente nos deparamos. Admiro muito essa vertente explorada neste e em outros artigos.
Marcelino Agostini
24 de julho de 2013
Este é, sem dúvida, mais um texto com o qual me identifiquei. Até hoje, viajei fora do Estado de SP apenas uma vez, e não tenho vergonha de dizer que as outras viagens foram todas para cidades do interior paulista, a maioria na região de Piracicaba (onde moro) e de Campinas. E se me perguntarem se gostei, minha resposta será “sim”, e faria tudo novamente. Conheci a riqueza cultural e arquitetônica de cada cidadezinha, suas peculiaridades, enfim, foram passeios prazerosos e únicos. Só para citar um exemplo, a cidade de Itu é conhecida como a cidade onde “tudo é grande”, mas acabei por descobrir um lugar repleto de prédios históricos, e que teve um papel importantíssimo na história do nosso país. Viajar é isso: não apenas colecionar centenas de fotos para mostrar aos amigos ou publicar no Facebook, mas saborear novos caminhos, novas culturas, novas pessoas.
Eduardo
25 de julho de 2013
Isso mesmo … virou chique … tem tanta coisa que eu gostava … mas quando virou “modinha” deixei de gostar devido a esse fato …
A mesma coisa vemos com a questão dos carros. Todos que me conhecem sabe que eu adoro trabalhar nos motores dos carros, reinventá-los, etc …
Mas essa porcaria de carro virou moda. Você vê nego que não paga nem a conta de luz e nem o que deve pro amigo andando num “carrão” da moda … compram olhando o tal do “desáiguene” moderno. Andam com a manutenção desgraçada … carros “novos” ano 2005 .. 2006 caindo aos pedaços por dentro … sendo que são a esmagadora maioria.
Tudo isso pra que? Pra mostrar que tem um “tumóve du ânus” …
É … enquanto se pensar individual … o coletivo se relegará a segundo plano … e as mazelas só persistirão … para os que realmente se beneficiam desse pensamento … é uma dádiva …
E depois não adianta ficar só reclamando se por enquanto só criticam os que querem mudar essa situação. …
Walter
25 de julho de 2013
Desculpe, mas não entendi o que tem a ver o “ânus com a as calças”?
Modismo, inveja, revolta? Reinventar motores pode ser uma atividade prazerosa e produtiva, independente do que os outros acham bonito, moderno e “da hora”.
A industria vive de renovação e lucro. Os aficionados, de restaurações de boas idéias e criatividade.
Carla Betta
25 de julho de 2013
Tenho me preocupado muito com este consumismo além da conta e com as estratégias da mídia para impôr esses valores equivocados e estou preparando um texto sobre isto. A contação de histórias nada na contra-corrente e esta é também uma outra preocupação: que continue nadando neste sentido e não seja engolida pelas ondas oportunistas. Belo texto!
Júlio Amstalden
26 de julho de 2013
Recordo-me aqui de uma senhora rica que viajou à Europa. Quando voltou, foi indagada sobre suas impressões. Sua resposta: “Não gostei, sabe? Era só coisa velha…” Pena que nem resfriada ela ficou!
Evandro Mangueira
29 de julho de 2013
Poderia ter trazido pelo menos um vírus europeu!