O médico e o “mercado”. Por Luis Fernando Amstalden

Posted on 15 de agosto de 2013 por

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A ilustração é uma homenagem a um de meus heróis. Albert Schweitzer, músico que se tornou médico para trabalhar com os leprosos na África.

A ilustração é uma homenagem a um de meus heróis. Albert Schweitzer, músico que se tornou médico para trabalhar com os leprosos na África.

Um amigo que é médico e é dos bons, do tipo que ainda estuda, se atualiza e não recebe “prêmios” de laboratórios farmacêuticos por receitar preferencialmente os remédios produzidos por tais empresas, anda inconformado com a possível vinda de médicos estrangeiros para o Brasil. Ele argumenta que sua profissão já é muito desvalorizada e que, portanto, ao invés de se trazer gente de fora, o Estado deveria valorizar mais os daqui, provendo, inclusive, melhores condições de trabalho aos profissionais da medicina. Eu concordo com ele em parte. E principalmente porque ele é o médico que realmente faz o “dever de casa” e, ao atender um paciente que é de convênio ou do SUS, por exemplo, realmente atende, ouvindo o doente, examinando e gastando mais do que quinze minutos numa consulta, como infelizmente temos visto por parte de tantos dos colegas dele.

A parte com que concordo é a de que os médicos precisam sim de boas condições de trabalho, como de resto todos precisamos. Concordo também que, dadas as responsabilidades e as exigências, como plantões e disponibilidade aos pacientes, os valores que médicos recebem, principalmente por consultas de convênios, andam muito baixos. Por outro lado, não tenho certeza de que os salários, inclusive aqueles do setor público e também a “bolsa” que o governo quer pagar pelo programa “mais médicos”, seja tão ruim se comparado a outros. O governo federal vai pagar R$ 10.000,00 para cada médico que entre no programa, livre de impostos. Um professor universitário de nossas melhores instituições públicas e no topo da carreira, não ganha isso líquido. Mas meu amigo retruca. Afirma que, em primeiro lugar, a função social do médico é mais importante, ou pelo menos mais urgente. Que um professor, se errar, pode até prejudicar o aluno, mas não mata ninguém. O argumento está correto, mas neste caso poderíamos contra argumentar que policiais ganham bem menos que um médico ou um professor  e deles dependem também a vida e a morte de pessoas. O mesmo pode-se dizer dos outros profissionais de saúde, desde técnicos de laboratório até atendentes do SAMU, de cujas atitudes e conhecimentos dependem muitas vidas. Aliás, todos estes profissionais citados, policiais inclusive, estão sujeitos a plantões e disponibilidade quase integral, além de, no caso dos policiais, arriscarem também a própria vida. Eles, então, não mereceriam salários maiores?

Meu amigo é um homem inteligente e retruca que o tempo de formação de um médico é longo, maior do que o de um policial, um enfermeiro ou o de um socorrista. Que são anos de estudos para entrar numa boa faculdade e mais tempo ainda estudando e trabalhando para aprender medicina. Correto novamente. Como professor acompanho o esforço de muitos alunos e ex alunos nestes estudos. Mas de novo vem a questão: um professor doutor no topo da carreira, na USP, por exemplo, estudou mais. E muitos ensinam exatamente medicina, logo o tempo de estudo não é um critério absoluto para se pensar todos os salários.

No fim das contas, nem eu nem meu amigo deixamos de ter razão. Mas o problema fundamental talvez esteja em outro ponto. Ocorre que no mundo atual, a remuneração de um profissional não é medida em função de seu papel em prol do bem da humanidade. É medida em termos de quanto lucro ele pode gerar, seja o lucro da empresa para a qual trabalha seja o lucro político que pode gerar para os administradores do Estado. Particularmente eu penso que um enfermeiro, um socorrista, um policial, um médico ou um professor, além de muitas outras profissões, são socialmente mais importantes do que um jogador de futebol. No entanto, o Neymar vai ganhar aproximadamente dezoito milhões de euros por ano, um apresentador de televisão do programa mais estúpido ou fútil possível pode chegar perto disso e por aí vai. Eles nem sempre estudaram e, principalmente, não acrescentam muito a ninguém. No entanto o “mercado” de trabalho os valoriza mais do que aos outros. Logo, não se trata de uma questão pontual relativa as profissões específicas, mas ao que o “mercado” e uma sociedade valorizam. E se um jogador ou um apresentador de TV ganham tanto é porque geram lucro. E se o fazem, é porque nós, a população, os idolatramos mais do que aos médicos ou professores. Isso pode mudar? Talvez, se em algum momento nós começarmos dar menos importância à televisão e passarmos a nos interessar mais pelo mundo real. Talvez, se em algum momento nós começarmos a mudar nossa própria opinião sobre quem é um ídolo. Enfim, eu não sei se pode mudar, mas sinceramente, acredito que deveria mudar.

Falando em mudança, Ronaldo “Fenômeno” parece achar que tudo está bem…

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