Tenho me correspondido com um amigo que enfrenta um grave problema de saúde. Ele está indo bem, embora seja uma luta difícil. Por sugestão dele, posto aqui parte de nossas cartas. Não sei se faz “sentido” aos demais leitores, mas enfim, deixo esta análise para vocês. Esta é a primeira
Meu Caro Amigo.
Recebi a notícia de sua enfermidade e também a de que você está muito angustiado. Claro que eu lhe desejo, assim como todos tem feito, a mais rápida recuperação. Claro que eu desejo que você se cure logo e retome sua vida, principalmente sendo você ainda tão jovem. Mas permita-me, até por ter sido seu professor e, como tal, ter a função de lhe ajudar a refletir, ir um pouco além dos votos e da “torcida” normais. Eu acredito firmemente que a reflexão, a construção de nosso pensamento e nossas idéias, define nossas reações diante daquilo que nos acontece e também nossas escolhas. Daí, embora eu saiba que no momento deve ser difícil “pensar”, uma vez que os sentimentos são mais fortes, meu desejo é o de partilhar algumas reflexões com você na esperança de que tais reflexões o levem a encarar seus sentimentos e seu problema de maneira menos sofrida e mais serena.
Você pode dizer que não tenho condições de fazer isto, uma vez que não estou sentindo o que você está sentindo. Que não estou enfrentando o mesmo problema que você. E se pensa assim, tem razão, ao menos em parte. De fato eu não vivi o problema que você vive agora. Mas por outro lado, estive também doente em minha vida e, em uma vez ao menos, foi uma enfermidade longa, difícil e sofrida, que me deu medo, angústia e, também, não vou negar, atrapalhou muitos dos meus planos e dos meus caminhos para o futuro. Não foi só isso, sabe? Também acompanhei amigos e parentes em longos e difíceis problemas de saúde, e estas experiências, tanto pessoais quanto por afinidade, me levaram a uma série de posturas e idéias que me ajudaram muito no passado e ainda ajudam. Não são somente as doenças que nos fazem sofrer, meu amigo, mas muitas outras coisas. E ter uma postura equilibrada diante da dor, nos faz resistentes e capazes de superá-las e mesmo de encontrar caminhos onde, no momento da angústia, só vemos “becos sem saída”. Acredite, ainda tenho muito a aprender e não estou livre do desespero diante de grandes dificuldades, mas o que consegui aprender com meus problemas me fez mais forte do que eu mesmo acreditava ser. Um dia, meu amigo, serei eu a enfrentar um problema igual ou parecido com o seu. E neste dia eu espero poder enfrentá-lo da mesma maneira que sugiro a você agora, com equilíbrio.
Talvez você tenha estranhado a afirmação de que eu um dia “vou” enfrentar um problema grave. Eu não desejo isso, sabe? Tampouco “prevejo misticamente”. Mas ocorre que sou tão sujeito a isso quanto qualquer um de nós. Na medida em que estou neste mundo e tenho um corpo que envelhece e está sujeito a muitos fatores internos e externos de adoecimento, um dia eu vou adoecer mais gravemente. E aí é que está um primeiro ponto para você refletir: o que está acontecendo com você não é uma “injustiça do universo” para contigo ou uma falta de sorte. É um fato da vida, a que todos os seres vivos estão sujeitos. Não é “pessoal”, não é “somente com você”. É para com todos nós, mais cedo ou mais tarde. Se você, jovem que é, conseguir perceber assim, evitando o pensamento de “por que isto aconteceu comigo?”, e o modificando para “isto faz parte da vida, aconteceu comigo, com milhões de pessoas e vai acontecer com todos, mesmo que com formas e tipos diferentes de doenças”, então não somente vai diminuir o medo e a angústia, mas aumentar sua resistência, acelerando sua cura. Melhor ainda, quando tudo isto passar, você será outra pessoa, mais forte, mais lúcida e mais capaz de enfrentar a vida e os problemas.
Veja que não se trata apenas de “técnicas de auto ajuda”, do tipo do “poder do pensamento positivo” (embora o pensamento positivo seja muito importante), mas de outra coisa, da capacidade de não se imaginar “vítima” da vida ou da sorte, rompendo com um ciclo de revolta que pode prejudicá-lo muito. Entender que a vida é assim, sujeita a todas estas dores, não é fácil e nem agradável. No entanto é a verdade e esta verdade moveu e move milhares de seres humanos que, antes de nós, enfrentaram a mesma realidade e criaram caminhos, soluções, posturas filosóficas, psicológicas e religiosas que nos ajudam até hoje. Estes homens e mulheres superaram as ilusões de que seriam vítimas da vida ou mesmo de que nunca passariam por grandes problemas. E no momento em que fizeram este rompimento, criaram o progresso, o crescimento para si e para os demais. Isto se chama, a meu ver, encontrar a sabedoria.
Busque, meu amigo, esta mesma sabedoria. Repito que, o sofrimento que lhe atinge agora, vai atingir de forma variada todos os seres vivos. Com você aconteceu agora, talvez mais cedo do que é comum, mais isto lhe dá uma chance de aprender a dominar o sofrimento mais cedo. Esta é a primeira reflexão que quero compartilhar contigo. Você está doente, é fato, mas também está diante da essência do bem viver: a possibilidade de crescer e dominar o sofrimento. Pense um pouco nisto.
Vamos trocando mensagens. Quero lhe falar do medo na próxima.
Abraço.
E força na luta.
Luis Fernando
Evandro Mangueira
22 de agosto de 2013
Boa reflexão, também a vida como uma série de fatalidades e caos que devemos contornar e nos mantermos vivos, pois que não seja conformismo, mas que também não seja vitimismo. Desejo sorte ao seu amigo e também força!
Walter Chaves
23 de agosto de 2013
Grande Fernando! Fiquei tocado e pretendo seguir essas cartas.
Pensarei no seu amigo durante essa leitura e com isso contribuir, da minha forma, para o conforto dele. Abraço.
Carla Betta
24 de agosto de 2013
Saudades do tempo das cartas, dos longos emails, de correspondências com conteúdo e conversas!