Coluna do Evandro. Um pouco de cor

Posted on 9 de setembro de 2013 por

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evandro café

Sempre que falo que sou nascido em Cajazeiras – PB e depois de explicar que PB é Paraíba e não Pernambuco, e fica no Nordeste e não no Norte, escuto as mais diversas exclamações, entre elas cito três que são muito frequentes:

– Nossa, mas você é tão branquinho!

– Mas você fala tão bem, como pode ser de lá?!

– Você é do “Norte”, mas não come carne? Vá! Você deve ter comido muita “buchada de bode” na infância! (Referência ao fato de que sou vegetariano)

Há um ano estava no processo de jardinagem de minha casa e precisava plantar grama, não conhecendo nada a respeito do assunto e precisando comprar ferramentas, busquei uma agropecuária renomada de Piracicaba. E diante minha quase total ignorância no assunto, perguntei a um vendedor a respeito de enxadas, isso depois de ter escolhido sozinho, mangueira com aspersores, tesoura de poda, válvula solenóide e outras coisas mais:

Qual a enxada é mais adequada para carpir matos em terrenos repletos de pequenas pedras de rio?

(se você é como eu, um ignorante nesse assunto, saiba que existem mais enxadas dos que se pode imaginar)

Para minha surpresa, em vez de resposta, ouvi uma nova pergunta:

De onde você é com esse sotaque?

Respondi que era da Paraíba e para minha total indignação, ele completou:

Vai me dizer que nunca pegou em uma enxada, que não sabe escolher uma enxada?

E acreditem, apontou para um conjunto de ferramentas que estavam ao canto e saiu, deixando-me sozinho para escolher a ferramenta!

Uma moça que entendia tanto de enxada quanto eu, me ajudou, finalizando a compra.

Em outra ocasião, fui pegar um diploma de um curso técnico que há alguns anos deveria ter buscado. Por não conhecer mais ninguém da escola, perguntei a uma das moças com quem eu deveria falar e ela me informou:

Fale com uma moreninha na secretaria.

Cheguei até a secretaria e lá existiam quatro mulheres, três morenas e uma negra, e a tal “moreninha” era a mulher negra.

Como podem ver, existem, claramente, três formas de preconceito nessas situações:

1 – Preconceito explícito;

2 – Preconceito velado;

3 – Preconceito enaltecedor.

Começarei pelo explícito.

O vendedor de enxadas não se inibiu em expressar sua opinião de que todo nordestino é, ou deveria ser, um retirante, um possível cortador de cana e que por isso seria um sábio na arte de comprar enxadas!

Nesse caso ele errou, porque embora eu seja um nordestino com todas as limitações que os nordestinos sofrem por fazerem parte de uma região explorada politicamente e esquecida por uma nação inteira, não sou retirante. Nunca tive a necessidade de usar uma enxada e muito menos de comprá-la. Sei que algumas pessoas acham que lugar de nordestino é na portaria de um prédio ou como servente de pedreiro, mas não é bem assim que o mundo funciona.

O preconceito explícito é fácil reconhecer, inclusive o indivíduo que o pratica, porque ele é formado de frases de efeito, com sentido claro e sem base argumentativa, é porque sempre foi assim e, portanto deverá ser assim para sempre, mas a principal característica desse tipo de preconceito é a generalização. O caso da Mayara Petruso ilustra bem esse artigo.

 

 

Já o preconceito velado é aquele que teme falar errado, que teme ofender, peca pela omissão da verdade.

Bem mais difícil reconhecer, uma vez que é oculto, enevoado e acompanhado de falas complacentes. No caso da “moreninha” não bastasse falar que a mulher é morena, sendo uma inverdade, pois ela era negra, ainda acompanhada do sufixo “inha” para deixar a frase meiga, carinhosa e sem maldade.

O Preconceito velado é para mim o mais perigoso dos preconceitos, pois a pessoa teme tanto ser tachada como preconceituosa que acaba pecando por excesso e falta com a verdade.

Ninguém em um ambiente descontraído usa a palavra homossexual para se referir a um gay, ou o termo afro-descendente para se referir a um negro, a não ser que nesse ambiente esteja um gay, no primeiro caso, ou um negro no segundo caso, ao qual não se tenha intimidade suficiente.

Eu costumo brincar que diferencia-se a palavra gay de homossexual da seguinte forma: Gay é quando se fala do filho do vizinho, homossexual é quando os pais dele te visitam.

O preconceito velado ocorre corriqueiramente no Brasil, diariamente o vemos. Nosso povo tem um dos piores preconceitos: o velado.

Vejamos o que aconteceu aos médicos cubanos, existem diversos argumentos contra e a favor acerca da decisão política de se trazer médicos de fora, não só de Cuba, mas os mais criticados foram eles. Foram criticados pela cor, pela condição social, condição política, pela a aparência e até pela suas capacidades de atuarem na área que são formados. Um acontecimento qualquer nesse país o preconceito aflora, reaparece e toma força e proporções assustadoras.

O mesmo ocorreu quando surgiu o debate sobre a regulamentação do casamento gay, os homófobos apareceram, gritaram e espancaram.

Pois não poderia ser diferente, essa é a principal característica do preconceito velado, as pessoas dizem não ter até a hora em que uma classe ou grupo entra em evidência, daí vem o famoso bordão: “Não tenho preconceito, mas daí os gays quererem casar é demais” ou “Não tenho nada contra a raça deles (negros), mas…” essa última frase já foi completada por diversas maneiras.

Conheço pessoas que usufruem de planos do governo como: Prouni, minha casa minha vida, entre outros e ao falar do bolsa-família a carga preconceituosa aparece de forma tão violenta contra os nordestinos que fica claro a crítica, não é por ser um plano de divisão de renda, mas sim por contemplar diversas família a baixo da linha da miséria, é por tirar crianças carvoeiras da fome e do trabalho escravo, em regiões do Nordeste. Condenam-se todos daquela região ao patamar de ignorantes políticos, preguiçosos e aproveitadores do Estado.

A verdade é que os planos de divisão de renda são necessários e eu desafio alguém a viver com a quantidade que o governo oferece. Esse argumento é tão ruim e tão sem fundamento, que a pessoa que o faz esquece-se que nesse país quanto mais rico, mas beneficiado, um grande empresário é beneficiado em milhões todos os meses, seja porque não declara, seja porque não paga os impostos ao governo (mesmo quando esses impostos são repassados ao consumidor), seja porque declara sua renda em forma de pró-labore, seja porque é beneficiado com diversos outros meios. Seria no mínimo injusto falar contra o bolsa-família quando tantos milionários se beneficiam do governo.

E o que dizer do que enaltece?

Pode parecer brincadeira, mas esse é sem dúvida o mais estranho comportamento humano, pois para revelar de forma sutil o seu pensamento, a pessoa preconceituosa elogia. Quando uma pessoa afirma: “você fala muito bem por ser nordestino”, ela ofende não só os nordestinos que não tiveram a oportunidade de desenvolver suas aptidões acadêmicas, mas também ofende aqueles que se esforçaram por anos para conseguir algum conhecimento.

O preconceito velado é comum de ser visto, é quando alguém elogia claramente com ar de surpresa de que aquilo seja realmente possível, ou quando sugere que é uma anomalia, uma exceção.

É curioso, porque as três formas acentuam, na verdade, a covardia, a arrogância e a ignorância do individuo respectivamente nas formas velado, explícito e enaltecedor, separadas apenas por essas características. Mas aí mora o grande perigo, o preconceito enaltecedor e o velado, juntam-se ao explícito na primeira oportunidade. Nós vimos isso, quando pessoas apóiam deliberadamente o Feliciano, quando pessoas se expressam em defesa de Micheline Borges, ou quando pai e filho juntam-se para torturar e matar rapazes gays como o caso de Igor Xavier, que a família espera há onze longos anos por justiça.

As multifaces desse comportamento criam variáveis que se camuflam facilmente na sociedade e são aceitas como normais, sem maldade. Cria-se mecanismo para se diluir em meio a conversas, surge de forma espontânea e se propaga, se prolifera.

Receio termos o pior dos preconceitos e quanto a mudar esse cenário, só enxergo um caminho: o conhecimento.

um pouco de

Evandro Mangueira, Nascido em 1979 na cidade de Cajazeiras, que tem por título “A cidade que ensinou a Paraíba a ler.” Atualmente mora em Piracicaba-SP, cidade que adotou como sendo sua também. Tem por formação Gestão Financeira, mas encontra-se nas letras tanto quanto se encontra nos números.

Autor do livro: Arcanjo Gabriel