Eu sei que ninguém nunca reparou, então, preciso dizer que sou a maior fã de meus filhos e que tenho grande orgulho deles. (Irônica, eu?!)
O fato é que a maternidade foi um divisor de águas em minha vida. Precisei me transformar em muitos aspectos e me descobrir em tantos outros. Questiono –como já fiz em artigo anterior- o papel materno e questiono esses braços de polvo que nos envolvem, buscando o real, o que se esconde atrás das cortinas.
Trabalhava como professora-substituta em uma pré-escola, hoje denominadas escolas de educação infantil, e a escola promoveu um passeio, pago o transporte pelos pais, anunciando ser uma saída de caráter educativo de prevenção odontológica. Minha filha também era aluna desta escola em sala diversa da minha. Antes de entrar no assunto, eu vou assumir (eu não assumi antes? que redundância a minha!) e vou contar um episódio que exemplifica o caráter e a personalidade de minha filhota e o que significa resistência pacífica.
Após o teatrinho “educativo”, a empresa que patrocinou o evento, disponibilizou “cantinhos” com brinquedos e uma mesa enorme de massinha para as crianças se divertirem. Na sala de minha filhota havia um aluninho, “baixinho”, mas era espoleta, brigão, mandão e como para as crianças nesta fase conta menos a realidade e mais a impressão e o sentimento, todos na sala temiam o pequenino e acabavam por obedecê-lo. Na mesa de massinha não faltavam reclamações que o rapazinho pegava as porções de massinha de outras crianças, que acabavam acuadas, algumas já nem se queixavam mais e outras agrediam-no fisicamente, ao que ele revidava e o outro saía chorando da mesa. A professora bem que tentava horizontalizar as relações. Então, o menino colocou a mão na massinha de minha filha para pegá-la e ela, rapidamente, pousou sua mão na dele e não retirou-a, olhando no olho e dizendo-lhe: “Esta massinha é minha!”. Impasse. Nem um dos dois se mexe, mão em cima de mão. Ele tenta puxar, ela aperta sua mão para baixo e olho-no-olho repete: “Esta massinha é minha!”. O rapazinho desliza sua mão e retira-se, indo provocar outro/a. Tenho ou não tenho razão em babar?
Mas, o mote do artigo não é a personalidade admirável de minha filha, que, justamente por ser assim, não foi totalmente seduzida pelo consumismo e por este marketing pernicioso, quase pedófilo, que se insinua na infância para formar exército de consumidores anencéfalos. O assunto é esta sedução vil contra a inocência indefesa da infância, diante de propagandas calculadamente planejadas para transformar crianças em cegos guiando cegos-pais que para apaziguar a culpa do pouco tempo com os filhos, buscam atender às suas vontades.
O “passeio pedagógico” escolar foi patrocinado por uma marca de pasta de dente!
Quando meus filhos eram pequenos e um Mac Lanche Feliz os satisfaziam, íamos uma vez por mês a esta lanchonete, que nunca gostei (e agora que somos vegetarianos, meu filho diz que é o templo dos carnívoros e detesta o lanche tanto quanto eu). Mas, por que quando crianças faziam tanta questão de ir? Por conta do brinquedo que acompanhava o pedido… Certa feita, junto com u’a amiga, fomos até a atendente e por sugestão dela cada uma de nós solicitou brinquedos extras para levarmos, pois a faxineira que trabalhava para esta amiga tinha filhos que sofriam pela impossibilidade de terem os tais brinquedos da rede de fast food… E foi aí que a minha cabeça começou a coçar… Que crueldade com aquela infância marcada pelo desejo não realizado de algo alardeado como essencial à felicidade! Desde então, passei a questionar com meus filhos esta relação simbiótica comida + brinquedo.
Com o tempo, vi crescer a febre das marcas infantis que não se restringem mais às bonecas, bonecos, carrinhos para se propagarem pelas lancheiras, mochilas, lençóis, toalhas, sandálias, tênis… etc.
Há cerca de uns 3 anos, conversando com uma conhecida, ela conta, indignada, que não conseguia encontrar uma toalha de banho para a filha em idade pré-escolar que não tivesse o desenho de alguma personagem de um desenho animado qualquer! Uma simples toalha, lisa que fosse, com desenhos florais, talvez: não existia!
Esta mesma conhecida, pela indignação que a movia, apresentou-me um documentário estarrecedor sobre não só os produtos infantis, mas sobre a lavagem cerebral feita para seduzir a criança, usando-a de diversas formas nas publicidades afim de pressionarem seus pais a consumir aquele determinado produto. Existem pesquisas e estudos fundamentando este tipo de marketing.
Reserve um tempo. Vale a pena assistir. É estarrecedor!
E nós, os bobos-pais pensando ser uma fofura, tão lindo aqueles lençóis, aquela camiseta com esta ou aquela marca e nos enternecendo com certa propaganda que mostra a criança como personagem principal. No recente filme de um carro, duas meninotas cantam e dançam, enquanto um menino tenta chamar a atenção do pai. Sequer os adultos aparecem! Deles, vê-se apenas pequenas partes do corpo. O filme é feito sob medida para a criança que convencerá os pais a comprarem aquele carro e que estará se transformando para se alistar no exército anencéfalo de consumidores vorazes. Além de chamar a atenção dos adultos, pois criança não é fofa? Não é uma gracinha?…
Tenho uma coleção de livros didáticos com os personagens do Maurício de Sousa e são bem escritos e esclarecedores para conceitos básicos, referentes ao primeiro período escolar. Surpreendi-me ao ler a noticia abaixo:
(Para quem não quiser ler esta notícia, mas continuar a ler este artigo, um resumo da questão: A Maurício de Sousa Produções está respondendo a um processo por associar imagens direcionadas ao público infantil, a dos personagens, à publicidade de um produto para o mercado adulto)
http://defesa.alana.org.br/post/54370752717/proteger-crianca-inconveniente:
Maurício de Sousa Produções responde à notificação por campanhas de impermeabilizante Vedacit com a Turma da Mônica com contranotificação, exigindo que o Alana se “abstenha de interferir nas atividades” da empresa.
Que impermeabilizante não combina com criança e que deve ser vendido para adultos todos concordamos. No entanto, o consenso não impediu que uma marca desse tipo de produto fizesse publicidade para o público infantil. Em março desse ano, o Alana enviou notificações à empresa Maurício de Sousa Produções (MSP), à fabricante de impermeabilizantes Vedacit e ao site Climakids por uma campanha que colocava a Turma da Mônica junto com o produto em revistinhas especiais, outdoors e no site Climakids, nos quais os personagens citam e elogiam a marca em jogos e conteúdos de entretenimento.
Para o Alana, além das empresas realizarem ações de marketing direcionadas ao público infantil, o caso se torna ainda mais preocupante porque o produto é perigoso e deve ser mantido fora do alcance de crianças.
Para espanto de todos, os advogados da Maurício de Sousa Produções enviaram uma contranotificação ao Alana, afirmando que notificar a empresa se constitui como “abuso de direito” e que “tal comportamento ilegal não será mais tolerado pela MSP, sendo certo de que esta não medirá esforços para impedir que V. Sas. venham a produzir novos inconvenientes desse tipo”.
A MSP “exige”, portanto, que o Alana “se abstenha de interferir nas atividades da MSP ou das empresas licenciadas de seus produtos”. Para a empresa, parece ser um inconveniente que o Alana proteja os interesses das crianças nas relações de consumo, assim como sua integridade física, e que defenda que a Turma da Mônica, como personagens do imaginário infantil, têm uma responsabilidade no que vendem e anunciam para crianças. Essas questões já vem sendo debatidas e levaram a MSP a assinar um Termo de Ajustamento de Conduta em 2011, devido à inserção de publicidades em revistinhas sem que estivesse clara sua função publicitária.
O Alana, no entanto, não pretende se calar frente a essas ameaças. Com o apoio de renomado escritório de advogados, enviou resposta à referida contranotificação, reafirmando os termos de sua primeira notificação enviada à empresa. O Instituto esclarece que suas atividades não têm fins lucrativos e são consideradas de interesse público e, por isso, qualquer tentativa de limitá-las será considerada abusiva e informada aos órgãos competentes. Também ressalta que a campanha da Vedacit põe em risco a integridade física das crianças, pelo conteúdo químico do produto, e que, portanto, noticiará os órgãos competentes destas práticas abusivas para que tomem medidas legais cabíveis.
A contranotificação
Para a MSP, a associação do produto ao Cascão tem, na verdade, como público alvo os adultos, compradores de materiais utilizados na construção civil. A Turma da Mônica foi utilizada então para chamar a atenção dos adultos? Curioso… De qualquer modo, é inegável o apelo do personagem ao público infantil e, portanto, seu consequente interesse no produto.
Também alega a MSP que a revistinha da Vedacit tem como função ensinar as crianças sobre o perigo da umidade dentro de casa. Para eles, a publicidade de impermeabilizante é “conhecimento e desenvolvimento educacional”, dos quais o Instituto Alana quereria privar as crianças. De qualquer forma, sem entrar no mérito da necessidade ou mesmo interesse de crianças sobre o tema, como já se viu antes, é possível educar sem fazer propagandas. Será que o anúncio do Vedacit é a única forma de as crianças aprenderem sobre impermeabilização?
A empresa ainda alega que a criança precisaria ser exposta à publicidade para aprender a se portar criticamente frente a elas. Não é o que acredita, por exemplo, Alex Bogusky, um dos mais renomados publicitários internacionais: “Existem pessoas que acreditam que as crianças devem ser expostas a um ataque massivo de marketing desde pequenas, para aprenderem a se proteger. Isso é a mesma coisa que sugerir que nós devíamos acabar com o limite de velocidade perto das escolas para que as crianças aprendam logo a reagir ao trânsito em alta velocidade. Para mim, as consequências são graves demais”, afirmou, em entrevista para o Instituto Alana.
“Até tu, Brutus?”
Quando o poder econômico, o crescimento financeiro se impõe a outros valores, o que podemos esperar? Os personagens de Maurício de Sousa e suas histórias são tão inocentes, com momentos típicos da espontaneidade das crianças e, além de diversão, transmitem valores dignos de bons cidadãos a quem os lê. Por que esta inversão?
Não quero crucificar a Maurício de Sousa Produções, mas me parece tão incoerente e tão perigoso!
Em meu texto anterior sobre a juventude e seus ídolos, enfatizei a importância de ídolos e parâmetros que estimulem as boas ações, a preocupação com o bem-comum, com o desenvolvimento da humanidade e me senti reconfortada com o quinto artigo de Igor Ogashawara, neste mesmo blog, em que se demonstra a consequência maravilhosa de ter referenciais que norteiam sabiamente objetivos de vida.
A que modelos estamos expondo nossas crianças?
Podemos quebrar paradigmas e redirecionar nossos jovens e crianças para valores menos mercantis e mais essenciais aos nossos anseios humanos. É nossa esta responsabilidade!
Nascida com o nome Carla Ramos Bettarello, adota o Betta e assume-se como Carla Betta, pela invenção de um amigo. Mais tarde, descobre que seu pai era conhecido assim em seu tempo de faculdade. Mãe coruja assumida de um casal maravilhoso e lindo de filhos. Conta e se encanta com as histórias: objeto de estudo e prática artística.
Evandro Mangueira
10 de setembro de 2013
Pois bem, compartilho com você tal ideia. Em breve falarei sobre pedocracia.Muito claro o texto.
Antonio Carlos Danelon
20 de setembro de 2013
Se não tivesse lido continuaria por fora dessas coisas da MSP. Muito bom, Carla. O dinheiro acaba até com sonhos e fantasias. Triste.