Finalmente o Estado do Rio de Janeiro, na pessoa de seu governador, mancomunado com a Assembléia Legislativa do Estado do Rio, conseguem sancionar a lei que proíbe o uso de máscaras em manifestações. A medida se quer justificar para impedir que, em protestos, os supostos “vândalos” não passem despercebidos no bigbródico mundo em que vivemos… (Para mais informações sobre controle repressivo de massa, busque: M. Foucault, “O Panoptismo”).
Interessante a proibição. Diria mais: emblemática. Justo com o governador mais criticado pelas recentes manifestações, justo aquele que conduz a polícia mais violenta do Brasil; polícia essa que usa indiscriminadamente (como exaustivamente mostrado em vídeos do facebook e das mídias alternativas), gazes tóxicos contra os manifestantes. A nova lei aprovada e sancionada quer impedir o cidadão de, inclusive, defender a sua integridade física.
Aliás, o policial usa capacete (e com ela a viseira que dificulta a identificação), para a defesa de sua integridade física no exercício de sua atividade, usa uniforme (que o torna indiscriminável diante dos demais colegas)…. Bom, segundo o artigo 301 do Código Processo Penal, Decreto Lei 3.689 de 3 de Outubro de 1941:
“Qualquer do povo poderá e as autoridades policiais e seus agentes deverão prender quem quer que seja encontrado em flagrante delito.”
…Isso nos dá direito, como cidadãos, outrossim, de darmos voz de prisão aos policiais que estiverem escondendo o rosto, já que esconder o rosto, agora, no Rio, se torna delito.
Voilà!
Emblemático que a grande resposta do estado do Rio de Janeiro à insatisfação da população seja uma nova lei para coroar a distância, a surdez dos governantes diante de seus eleitores. Melhor ainda é saber que uma das emendas obriga as manifestações a “avisarem com antecedência” a delegacia mais próxima: ou seja, manifestação só com hora marcada e com o devido aviso das autoridades.
Ora bolas, para quê uma lei para “deter para averiguação um mascarado” se a polícia já tem o direito de pedir documentos de identificação para quaisquer cidadãos que estejam transitando pelas ruas (e sejam considerados sob “atividade suspeita”)?
Sejamos práticos: o objetivo é dar o direito de deter o manifestante e leva-lo para cadeia.Nós sabemos como é a recepção de um homem/mulher detido(a) em muitas das delegacias de hoje. Adicione ao bolo o clima quente das manifestações… Adicione policiais exaltados pelas provocações (deveriam ser treinados para receber provocações! Mas não tem preparo para isso)…
A conclusão dessa tragédia é o Amarildo. Cadê o Amarildo? Quantos mais Amarildos? Que quer o Estado do Rio de Janeiro? Esteira de produção deAmarildos? Quer aamarildização do cidadão engajado (aliás, “cidadão engajado” se não o é, deveria ser pleonasmo, não?).
O Estado do Rio de Janeiro quer normatizar as manifestações, transforma-las num corredor de animais ao abate, para que tudo acabe em samba… Sim… Tiveram que colocar uma emenda que liberava a máscara no carnaval… Queria ver prender a peladona da passarela, cheia de pena… Que pena!!!
Aliás, esse caso realmente seria o de terminar em samba a manifestação: o nojento governo do Rio de Janeiro quer fazer com as manifestações o que no passado o governo Vargas fez com o carnaval… Primeiramente os blocos precisavam se cadastrar nas delegacias, logo em seguida surgem as “Escolas de Samba” e daí por diante, com Getúlio, as passarelas de samba…
É óbvio vermos que a vontade é pasteurizar as manifestações, transformar o legítimo em imitação do curral do samba.
Mais interessante é observarmos que a máscara se torna inimiga da classe política. Justo nossa democracia que se quer representativa e que, assim, importa do teatro o conceito de “representação”. Segundo o dicionário Priberam, Representar é “… revelar, mostrar, … trazer à memória, simbolizar, figurar, pôr em cena, fazer um papel”.
Curioso que nossa miserável democracia não tenha ainda se atentado ao poder dos símbolos. Ao ler de modo redutor o uso da máscara, tomando-o como simples vontade de destruição, nossa classe política anuncia desconhecer a força do simbólico na política que a ela mesma sustenta. É um tiro no pé, uma questão de tempo para que se efetive a gangrena do órgão… Sugiro amputação imediata.
A máscara é o símbolo máximo do teatro (no teatro grego, a denominadapersona). O que querem os manifestantes mascarados (além da defesa contra o gás)? Querem seu direito ao símbolo, querem a volta da política que represente, que tenha voz, porque a que aí está perdeu a poesia faz muito tempo…
Não se trata de simplesmente concordarmos com os blackblocks em todas as situações, mas é interessante não nos deixarmos cair no que a grande mídia quer nos impor:
1. Todo mascarado é blackblock.
2. Todo Mascarado é Anonymous.
3. Todo Mascarado é Anonymous e é sempre de direita ou é sempre de esquerda.
4. Todo Masacarado é Anonymous, é blackblock e a violência parte sempre deles.
O governo do Rio ao criminalizar o uso da máscara transforma anseio político em crime.As máscaras constroem o personagem, carregam o símbolo: toda manifestação cultural se constrói pelo simbólico…. Estamos sendo vítimas, como disse Caetano Velozo em entrevista à Pós-Tv, de uma grande “violência simbólica”. Eu acrescentaria que essa violência é mais que simbólica e digna dos períodos mais tenebrosos de nossa ditadura militar (1964 – 1985).
O rockeiro usa caveira, o padre usa batina, o médico usa branco (e o pai de santo tb)… Todos esses paramentos carregam o valor de persona, assim como a máscara….(Por isso, por exemplo, que os rockeiros sempre nos sentimos uns merdas quando as patrôas insistem na beca, na gravata, etc…)
Acreditar que a máscara é símbolo de banditismo ou de reacionarismo, penso, é cair numa armadilha…Não inocentemos os que destroem por destruir…. Mas essa discussão é de outra natureza….
Culpar a máscara é matar o símbolo.
Eu, ser simbólico, cidadão: não posso aceitar.
Fábio Casemiro
Links sobre leis anti-Mascarados, Black-block e afins.
http://www.jb.com.br/pais/noticias/2013/09/04/manifestantes-reagem-a-proibicao-do-uso-de-mascaras/
http://www.youtube.com/watch?v=LG46uMT4CKM
http://www.youtube.com/watch?v=cfxnZHuL-OQ
Marcos
16 de setembro de 2013
Essa lei contra as máscaras é um verdadeiro absurdo. É estúpido. A polícia já tem o poder pra prender qualquer tipo de vândalo. E aliás, aqui em Piracicaba, nos outros protestos, a polícia estava do lado de quem quebrava os bancos e praticava vandalismo, mas não fazia nada, fingia que não via. Essa lei é para criminalizar algo que deve ser respeitado: o direito de qualquer cidadão protestar com máscara, pois ela pode representar uma ideia.
fabiocasemiro
19 de setembro de 2013
Concordo, Marcos, obrigado pela leitura e pelo apoio às ideias. Mas vale deixar aqui duas notas:
1. Desculpem-me os erros, André Gorga descobriu minha paixão pela letra “z”: gases e Veloso (de Caetano), são com “s”….rs
2. André deu sugestão boa: e se pintarmos a cara toda? Até como Guy Fawkes? Pintura não é máscara…. E aí?…hahahaha. Seria uma saída interessante.
Complemento pensando que cara-pintada foi o símbolo de movimento popular anterior ao que vivemos… Emblemático perceber como a classe política se porta diante da identidade dos manifestantes, não? Máscaras ou pinturas alteram o rosto, a identidade e, por isso, remetem à simbologia de grupos… Curioso como a classe política, antes enaltecendo uma simbologia, tempos depois, muda seu posicionamento diante do símbolo.
Que bom… nossa coerência impera. Já a deles… estremece! (Veja nossa câmara de vereadores se armando contra as assinaturas…. Curioso, não?)
Abraços.