Quando você chegou a esse fantástico planeta eu estava à sua espera. Desde o começo de sua existência estive ao seu lado servindo-o humilde e silenciosamente. Sem mim você teria desaparecido. Vivo bem sem você, já você não pode dizer o mesmo, tanto que já devorou quase por completo minha numerosa e variada família.
Desde quando você abandonou as cavernas, sou eu que o abriga na mais simples palhoça ou nas grandes mansões, que alguns de vocês constroem como se fossem viver para sempre. Quando viu o fogo pela primeira vez você se encheu de pavor e fascínio. Pois quem ofereceu material para você dominá-lo e mantê-lo fui eu. Sem o fogo que purifica, transforma, dá forma ao vidro e ao metal sua saga teria tido outro rumo. Nos dias de calor intenso é minha sombra refrescante que você procura. Com meus frutos variados saciei sua fome e a de todos os viventes. Minhas folhas produzem o oxigênio que sustenta a vida e caem durante o inverno forrando a terra para acolher as novas sementes espalhadas pelos ventos, pássaros e animais. Minhas raízes mantêm a umidade do solo e seguram a terra evitando erosões. Remédios você tira de minhas raízes, casca, folhas e semente.
Do meu nobre irmão mogno você tirou móveis de luxo; dos jacarandás, marfins, cedros, jequitibás, angicos – que há muito não os vejo – você fez obras de arte, rodas, mesas, cadeiras, portas, janelas e camas onde você descansa e gera filhos. Quem de vocês fica indiferente ante o amarelo, branco ou roxo do meu irmão ipê?
Graças a mim, você pode fazer arados, para sulcar a terra e carroças para levar sua colheita. Graças a madeiras apropriadas que produzi você fez barcos e navios que o levou aos quatro cantos do mundo. Nos meus galhos as aves se aninham e com eles você cozeu seu alimento, assou seu pão, se aqueceu do frio e descobriu o vapor, que fez virar as máquinas provocando uma revolução sem precedentes na Historia do planeta. Os primeiros vagões a serpentear as planícies eram de madeira e automóveis também. No meu troco você pendurou os fios do telégrafo e da energia elétrica que clareou o mundo. Mesmo depois de morto você precisa de mim para proteger seu frágil corpo e disfarçar seu nada. Aliás, de todas as criaturas o único capaz de fazer maldade é você. Dentre muitas delas me usou para fazer armas, navios negreiros, objetos de suplício como guilhotinas, forcas e o mais infame deles, a cruz onde você pendurou muitos inocentes, dentre os quais o Filho amado do nosso Criador, que disse ser tronco e você o ramo.
No seu calendário 21 de setembro marca meu dia, afinal, tenho muitos amigos apesar de alguns terem sido mortos por me defenderem. Recebo homenagens e alguns até me replantam. Porem, ao longo do ano você me queima sem piedade, me agride, me fere como se eu nada sentisse. Por qualquer motivo você me mata ainda jovem porque estou sempre atrapalhando esse tal de progresso, que você tanto procura e nunca encontra. Alguns de vocês me acusam de sujar calçadas. Desculpe-me, mas até agora foi você que encheu o planeta de lixo, dejetos e excrementos; tanto que em poucos anos rios caudalosos e transparentes viraram canais de esgoto.
Só queria lhe lembrar que como você, tenho vida. Em minhas veias corre sangue verde. Tenho sexo e gero filhos; fico triste, alegre e tenho sede; fico doente e também morro. Contudo, veja a primavera chegando. Já me despi da velha roupagem e estou me vestindo de festa para recebê-la. A vida renasce cheia de perfumes e esperanças; e eu também. Como toda criação, espero que você note e faça o mesmo.
Posted on 20 de setembro de 2013 por blogdoamstalden
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