Os adultos e as crianças. Por Luis Fernando Amstalden

Posted on 9 de outubro de 2013 por

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Alguns anos atrás, entrando na sala de aulas da faculdade após o “dia das crianças”, perguntei, brincando, o que os alunos ganharam de presente pelo “seu dia”. Para minha surpresa uma garota de vinte e tantos anos, disse que ganhara “somente um chinelinho”. Disfarçando o espanto, pedi que, aqueles que haviam sido presenteados, levantassem a mão. Outro “susto”, quase um quarto da turma as ergueu. E era, só para lembrar, uma turma da faculdade. O mais jovem ali devia ter uns dezoito anos. E ganharam presentes de “dia das crianças”…

Está bem. Para nossos pais, independente de nossa idade, sempre seremos um tanto “crianças”. Você pode ter 50 anos, mas seu pai de 80 vai pensar em você lembrando-se da criança que ele carregava no colo. É uma memória afetiva normal, embora às vezes incômoda. No entanto, o fato de alguns de meus alunos terem sido presenteados no dia das crianças, faz parte de outro tipo de fenômeno, a manutenção da infância ou de atitudes infantis até a idade adulta pela sociedade de hiper-consumo. Alguns autores usam o termo “kidults”, uma contração das palavras criança (kid) e adulto (adult) em inglês para definir este fenômeno. Ocorre que quanto mais infantil você for ao comprar ou ao desejar (e até mesmo exigir) presentes, mais a indústria vai vender e escoar a produção. Daí incentivar, através da propaganda e outros recursos midiáticos, a eterna infantilização do indivíduo, que deseja e acha normal ser, inclusive, presenteado pelos seus pais no dia das crianças, mesmo já tendo vinte anos.

Você pode argumentar que todos nós desejamos bens, agrados e presentes, daí o comportamento infantil não seria uma criação de marketing e sim algo normal do ser humano. Mas não é bem assim. Um adulto compreende (ou deve compreender) uma série de limitações e prioridades da vida. Ele deve ser capaz de distinguir aquilo que lhe é mais importante adquirir daquilo que é supérfluo. Para um adulto, a segurança financeira de ter uma poupança para emergências deve ser mais relevante do que adquirir produtos o tempo todo e cuja utilidade não é tão relevante assim. Quando, porém, ele é “infantilizado” ou mantido em estado infantil pelo marketing, o cálculo de prioridades fica deturpado. Comprar ou ganhar (onerando aos outros) algo não prioritário passa a ser mais importante do que guardar o dinheiro para a aquisição de algo mais relevante, como, por exemplo, um imóvel. E não é só isto. No momento em que assumimos um comportamento consumista infantilizado, tendemos a ser menos resistentes às frustrações. Aquilo que não conseguimos obter ou aqueles fatos que contrariam nossa vontade (as frustrações da vida) nos irrita e exaspera desproporcionalmente. Tendemos a reagir como crianças contrariadas e birrentas ao invés de agir como “gente grande”.

E o que significa agir como adulto diante das frustrações da vida? Ser passivo ou aceitar tudo o que nos incomoda? Penso que não. Penso que ser adulto significa, dentre muitas outras coisas, ser capaz, em primeiro lugar, de distinguir aquilo que é uma dificuldade ou frustração real daquilo que é uma frustração “construída” ou irreal. Um adulto não se irrita diante da impossibilidade de comprar um carro do último modelo, por exemplo, principalmente se este carro tiver características e equipamentos desnecessários. Para que, como outro exemplo, tantas pessoas adquirem camionetes possantes, com caçamba e rodas capazes de vencer a lama, se não saem da cidade, não transportam cargas e nem vão enfrentar uma estrada de lama? Uma criança responderia “porque eu quero”, mas um adulto deveria ser capaz de dizer “eu não preciso disto”. Em segundo lugar, penso que ser adulto significa ser capaz de perseguir seus objetivos e superar as dificuldades com disciplina, paciência e esforço. Faz parte da natureza infantil ser imediatista, mas ao adulto compete compreender o tempo necessário para atingir seus objetivos e se esforçar para isto. Se, no entanto, somos mantidos numa situação infantilizada, tendemos a esquecer a paciência da construção e optarmos somente pelos “caminhos mais fáceis”. Mas, será que só existem caminhos fáceis na vida?

No dia das crianças, lembre-se de sua infância, mas não se esqueça de ser um adulto. Respeite o universo infantil, mas não se esqueça de ajudar seus filhos a crescer.

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