Eu e o “trote”. Por Luis Fernando Amstalden

Posted on 5 de fevereiro de 2014 por

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Em meu artigo da semana passada mencionei os trotes e passeatas do “bixo”, mas não nomeei a universidade a que me referia. Não fiz isto porque o artigo não era sobre trotes e nem sobre universidades, era sobre outra situação: a diferença de tratamento a aglomerações e “bagunças” de acordo com a origem social. Mas, diante de alguns questionamentos, digo que me referi sim ao trote aplicado aos calouros da ESALQ e a sua passeata de “libertação dos bixos”. Fiz esta referência por considerar um bom exemplo da situação que analisava. No entanto, mais do que isto, eu sou também um crítico ferrenho dos trotes, não só os da ESALQ, mas de todos eles, sejam em instituições públicas ou privadas. Ocorre que longe de serem brincadeiras de integração, como muitos defendem, os trotes que vejo são, geralmente, rituais de humilhação, assédio e, muitas vezes de coação e violência físicas. No que humilhar alguém, fazendo-o comer embaixo da mesa, por exemplo, ou fazendo-o se ajoelhar diante de veteranos em público (vi as duas coisas) faz para “integrar” alguém? E obrigar ou incentivar alguém a beber até passar mal, Integra o quê e como? Não vejo integração aí, vejo demonstração de hierarquia, de poder. Vejo uma mal disfarçada ação sádica que se perpetua, porque o “bixo” deste ano vai dar o “troco”, fazendo o mesmo no ano que vem, quando ele próprio for um veterano.
Existem, é verdade, formas mais amenas de “trotes”. Um ex aluno da e ESALQ chamou minha atenção sobre isto contando que também se arrecada alimentos para muitas instituições de caridade durante a temporada de “escravidão” dos calouros. Ótimo, mas a meu ver isto não justifica outras atitudes e nem mesmo representa a maior parte das “brincadeiras” feitas, nem aqui e nem em nenhuma universidade ou faculdade. Ao contrário, é comum vermos notícias de violência que terminam de maneira trágica e mesmo as que vemos são apenas uma pequena parte que os meios de comunicação divulgam. Some-se a isto o resultado da violência moral, psicológica, que muitas vezes não aparece, mas fica naquele que a sofreu. Perdoem-me todos os alunos de todas a escolas e universidades que praticam trotes agressivos, mas eu não posso aceitá-los . Se você ingressou em um curso superior, parabéns! Você provavelmente fez por merecer estudando bastante. Porém, sem querer estragar sua alegria, permita-me duas observações.
Primeira: o ambiente universitário que você cria é reflexo e perpetuador do ambiente social em que você vive. Se criar, através de trotes violentos, por exemplo, um ambiente de tensão, arrogância, humilhação e violência, estará reproduzindo fatos da nossa sociedade, que é bem rica nestes fenômenos. Se você não compartilha destes fenômenos sociais, então não os reproduza no seu ambiente de estudo. Ao contrário, faça diferente e ajude a criar um círculo positivo que rompa com as distorções sociais. Integre de verdade, pelo esporte, pela comemoração e pela solidariedade àqueles que estão em uma posição mais “frágil” do que a sua, por estarem ingressando em um ambiente que lhes é desconhecido.
Segunda: se você ingressou em uma faculdade pública, lembre-se de que por mais que você tenha pago para estudar em cursinhos e bons colégios, nesta universidade, seu estudo continua sendo pago, em dinheiro, por milhões de brasileiros que recolhem impostos. E a esmagadora maioria dos que pagam indiretamente pela manutenção de sua universidade, nunca porá os pés ali e não terá a chance que você tem agora. Honre, portanto, esta chance e o sacrifício de milhões que a custeiam, ainda que seja rompendo com práticas de assédio e humilhação que povoam nosso quotidiano, ajudando a criar uma cultura diferente.
Ah, e antes que você pense que eu sou um ex-calouro magoado, eu nunca sofri trotes. Quando ingressei na universidade (pública) vivíamos ainda o final da ditadura. E como execrávamos a violência dos ditadores, atitudes como trotes violentos não eram bem vistas.
PS: para que não fiquem dúvidas de que minha crítica é ao trote de TODAS as universidades, a foto acima é de um realizado na UFRJ.

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