O crescimento alarmante dos acidentes sobre duas rodas tem assustado os especialistas. O recente “boom” da venda de veículos, a ascensão da nova classe média, maior acesso aos bens, somados ao baixo custo de aquisição e manutenção e facilidade de mobilidade, aumentou o número de usuários das motos.
O maior problema, entretanto, é a imprudência dos motociclistas no trânsito. No primeiro semestre de 2013, segundo a Semuttran, 89% dos acidentes com motocicletas foram por imprudência do motociclista. Embora a maioria não admita, um esforço extra no respeito às normas de ultrapassagem e sinalização ajudaria muito.
Os números impressionam. Em 2000, houve 4000 mortes de moto no Brasil. Em 2010, foram 13000, um aumento de 325% em uma década. No trânsito em geral, na mesma época, houve um aumento de 41%, ou seja, as mortes por moto aumentaram oito vezes mais que o geral, uma proporção considerada epidêmica.
Em 2010 houve por volta de 40000 mortes no trânsito no Brasil. Em nosso país temos 70,2 mortes para cada cem mil veículos.Nos Estados Unidos, esse número é de 14,5, ou seja, morre-se 4,8 vezes mais proporcionalmente no trânsito brasileiro. Na Guerra do Vietnã, morreram 47000 americanos em onze anos. No Brasil morrem no trânsito esse mesmo número de pessoas a cada 15 meses e somente de moto o mesmo número em 3,6 anos.
Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), 20% das mortes no trânsito no país ocorrem entre ocupantes de motocicletas, o dobro do registrado entre carros. O percentual de motociclistas entre as vítimas no Brasil é oito pontos maior do que a proporção média mundial, de 12%.
Mas isso não é um problema somente das grandes cidades?Não é bem assim.Em 2011 morreram 512 motoqueiros em São Paulo e apenas 12 em Piracicaba. Se considerarmos aquela como tendo onze milhões de habitantes e esta trezentos e setenta mil, chegamos à conclusão que Piracicaba teve 3,22 mortes por 100 mil habitantes e São Paulo, 4,65. Sendo assim, Piracicaba teve, nesta razão, trinta por cento a menos de mortes que São Paulo.Pouco, se considerarmos que o trânsito de lá é muito mais caótico.
Já na representatividade destas mortes, a coisa salta à vista. Enquanto em São Paulo as mortes de motoqueiros representaram em 2011 37,5% do total, aqui esse número foi de 75%, ou seja, aqui o problema das motos foi duas vezes mais significativo em porcentagem. Portanto, a julgar por estes números, as motos são sim um problema importante também no interior.
Em Piracicaba, Segundo o IPLAP, o número de acidentes envolvendo motocicletas triplicou entre 2000 e 2012. No mesmo período, a frota aumentou em 149%, ou seja, há uma desproporção sinalizando para o aumento dos acidentes.
O dramático desfecho de um acidente, em especial o que atinge os condutores de veículos sobre duas rodas, pode ir muito além do que tratam as estatísticas, que geralmente falam de gastos com atendimento ou separam mortos de feridos.
Se o acidentado vai a óbito temos, infelizmente, o fim de uma história de vida, geralmente de um condutor muito jovem. Se o condutor sobrevive, muitas vezes é acometido por seqüelas que com freqüência mudam suas perspectivas de vida, incluindo as profissionais, podendo chegar à invalidez.
Minha especialidade em ortopedia e traumatologia e o trabalho que desenvolvi como médico assistente do Hospital das Clínicas da USP, durante alguns anos, garantiram uma visão realista das repercussões dos acidentes desta natureza.
Segundo dados do Hospital das Clinicas da USP, o segmento mais acometido nas quedas de moto são a cabeça e o pescoço. Infelizmente, as lesões na coluna cervical são freqüentes e as mais devastadoras. A pessoa pára de mexer as pernas, os braços, ou os dois segmentos em conjunto. O indivíduo padece de importantes complicações adicionais pela falta de mobilidade e o fato de não ser auto-suficiente. Da mesma maneira aqueles que ficam limitados nas articulações das mãos, membros superiores e inferiores, além muitas vezes de deformidades angulares e rotacionais e ocasionalmente amputações.
Os acidentes de moto tendem a ter mais energia de trauma e mais estragos do que por exemplo foram os do piloto Michael Schumacher e do lutador Anderson Silva.
Segundo a seguradora Lider DPVAT, no período 2000 a 2011 houve aumento de 357% na frota de motocicletas nacional, no período as indenizações por morte aumentaram 134% mas as por invalidez aumentaram incríveis 1378%, uma proporção epidêmica. No ano de 2012, os acidentes com motocicletas causaram 74% das indenizações por invalidez permanente.
Em São Paulo, a CET (Companhia de Engenharia de Tráfego) tem investido no aumento da fiscalização para tentar inverter esses números. Outra ação é a construção de um centro de educação para motociclistas, em parceria com as empresas fabricantes de motocicletas.
Em Porto Alegre, temos um bom número recente: as mortes por moto cairam 40% na comparação do primeiro trimestre de 2012 com 2011. O motivo foram ações educativas e a intensificação das blitzes para motociclistas. Temos aí uma indicação de caminho…
A Semuttran desenvolve projetos com o Centro Infantil de Educação para o trânsito e deve focar nos motociclistas a campanha “Pare, Pense, Viva” em 2014. Os números pedem medidas rápidas. A sociedade toda deve se envolver.
Alexandre Pagotto Pacheco é médico ortopedista e assina esta coluna
Os números apresentados são de várias fontes e muitos colocados em ordem de valor, sem a pretensão de serem absolutamente precisos.
Carla Betta
27 de fevereiro de 2014
Pouquíssimas coisas eu proibiria para todos, mas a moto é uma delas. É uma opção burra (os motoqueiros e afins não são burros, mas a opção o é). Como já disse o Jô Soares: algo com 2 rodas só pode cair! Qual é a funilaria que amassa? Qual é o parabrisa, o parachoques, etc que colide? O corpo do motoqueiro!
dralexandrepacheco
4 de março de 2014
Concordo Carla. O próprio Jô sentiu na pele o problema pois teve um acidente de moto e ficou com limitação nos movimentos do ombro. Fala com propriedade.
Carla Betta
4 de março de 2014
Dr. Alexandre, “ouvi falar” e “Maricota” não é médica, portanto, gostaria de perguntar-lhe quais as reais consequências da regularidade do anti-depressivo. Estou, sutilmente, sugerindo-lhe um tema. Bem menos sutil, gostaria de ouvir sua opinião também sobre essa avalanche de diagnósticos e medicações para o déficit de atenção, principalmente em crianças. Nós, leigos, temos muitas dúvidas. Não é sua especialidade, eu sei, mas nós, os leitores deste blog também não somos especialistas. Gosta da maneira clara que escreve para os não-entendidos. Se puder, agradeço.
dralexandrepacheco
6 de março de 2014
A sugestão é boa, apesar de não ser minha especialidade. Vou deixar a idéia tomar corpo e se sair algo satisfatório eu publico mais adiante. Um abraço
blogdoamstalden
4 de março de 2014
Quando me habilitei, socorri um acidente de moto. Até aquele momento eu pensava em tirar a habilitação para motos também, mas vendo o estrago, desisti. Acho motos muito bonitas, mas sinceramente, nunca quis arriscar. E um dia minha, meu receio aumentou quando ouvi um motoqueiro experiente dizendo: “quando temos motos, não perguntamos SE vamos cair, mas QUANDO.”.
dralexandrepacheco
6 de março de 2014
Eu penso o mesmo e opto por não andar de moto por isso. Entretanto sou totalmente a favor da liberdade de escolha e, mesmo sendo perigosa, respeito como opção de locomoção, diversão e prazer. O interesse aqui da publicação é social no aumento dos acidentes, que devem ficar sob controle e não estão. Grande abraço.