O beijo e a justiça. Por Luis Fernando Amstalden

Posted on 26 de fevereiro de 2014 por

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Nunca escondi meu apoio a Oswaldo Storel, exonerado no ano passado da chefia de gabinete do vereador Paulo Camolesi. Entendo que o artigo publicado por Storel (As verdadeiras atribuições dos vereadores) não foi ofensivo à Câmara, mas ao contrário, foi pedagógico para uma população que ainda não conhece todos os seus direitos. Também não entendo que Storel poderia ter sido exonerado por “quebra de confiança”, uma vez que seu cargo não é de confiança da presidência da Câmara, e sim do vereador que o escolheu. A exoneração, a meu ver, foi uma tentativa de prejudicar Camolesi (o único vereador a renunciar ao aumento de subsídio auto concedido pelos vereadores) uma vez que a sua postura incomodou profundamente os vereadores que se concederam o aumento. Além disto, acredito que, se o cargo de chefe de gabinete for entendido como de confiança da presidência, como foi justificado na sua exoneração, então há uma ameaça à democracia, uma vez que fere a autonomia de cada gabinete e atrela os assessores à vontade de uma única pessoa, no caso o presidente da Câmara.

A juíza Heloísa da Silva Alcantara, entendeu também a mesma independência dos vereadores para escolher seus chefes de gabinete e apontou a mesma perda de autonomia democrática em seu despacho. Ela ordenou a recondução do assessor e também que seus vencimentos sejam pagos integralmente e corrigidos. Um ponto para a democracia, em minha opinião. Mas é claro que não vai parar por aí. O Sr. João Manoel dos Santos, presidente da casa, disse na sessão ordinária de quinta feira dia 20/02/14, que vai recorrer. Esta atitude não me espanta, já que há bastante em jogo. O que me espantou, entretanto, foi a declaração feita no dia pelo Sr. João Manoel. Ele afirmou que “ há 126 anos o negro era obrigado a beijar a mão de senhores” e que ele, ao contrário, não iria beijar a mão de ninguém. A referência é ao período da escravidão, mas também é um despropósito. Ocorre que, ao menos até onde eu acompanho o caso e outras polêmicas envolvendo a Câmara e seu presidente, não há nenhuma questão étnica envolvida. Eu nunca li, ouvi ou assisti qualquer crítica à atuação de João Manoel baseada em critérios étnicos. Fazer tal afirmação é, no mínimo estranho. Dá a impressão de que ele está sendo oprimido como os antigos escravos. Oras, não é isto o que acontece. O que acontece é uma disputa legal, dentro do princípio democrático da busca de preservação de direitos e da regulação de um poder pelo outro (no caso do Judiciário regulando uma medida do Legislativo). Não vejo, na decisão da juíza, nenhuma “opressão”. Mas do jeito como João Manoel fez sua fala, não só ele parece apontar para esta “perseguição”, como dá a sensação de que a juíza (e o poder Judiciário) quer que ele “beije a mão” de alguém, se submetendo a um poder injusto. Equivale a chamar o Judiciário e a própria juíza, de “capitães do mato” e racistas, que concedem esta ou aquela sentença baseados em critérios étnicos. Uma afirmação lamentável, que desmerece também, na minha avaliação, a verdadeira luta contra o racismo, que infelizmente ainda existe sim, mas que não creio ser o que está em jogo no caso. Cabem sim, ainda, recursos e a Câmara tem direito a recorrer a eles, da mesma forma que Storel e Camolesi também têm. Mas isto é um processo legal, não uma opressão. É a busca pela justiça real, que nós homens almejamos e tentamos construir. Cabe lembrar ao Sr. João Manoel que todos nós temos esta mão a beijar. Mas não é a mão de nenhum senhor de escravo. É a mão da verdade e da construção da cidadania.

Confira o vídeo abaixo

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